Flavia Bernardes
A Veracel Celulose contratou a Cepemar, empresa capixaba, para elaborar o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) em um processo duvidoso, previsto para o Estado da Bahia, conforme denuncia do Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes). A informação é que o EIA/Rima “está cheio de vícios e ilegalidades”.
A Veracel é uma associação entre a Aracruz Celulose (50%) e a sueco-finlandesa Stora Enso (50%), que produz celulose branqueada de eucalipto em Eunápolis, no sul da Bahia. Em atividade desde 2005, além de graves impactos ambientais, assim como ocorre no Espírito Santo, a empresa também é acusada de prejudicar as comunidades tradicionais da região, mas quer continuar a expandir seus negócios.
A resistência na região é grande, não apenas pelos atropelos na legislação, mas sobretudo pela falta de diálogo com a sociedade e pelas falhas apresentadas no EIA/Rima, que deixam no ar os verdadeiros impactos sofridos na região.
Por exigência da lei e da própria sociedade, os projetos em licenciamento com alta capacidade de degradação devem ser discutidos através de audiências públicas, mas, segundo o Cepedes, por pressão do governo da Bahia, através da Secretaria de Meio Ambiente, até a Lei Administrativa, que permite aos conselheiros opinarem sobre o licenciamento de novos empreendimentos, foi alterada para garantir o sucesso da Veracel na região.
O processo é fraudulento, denuncia o Cepedes. Conta com o EIA/Rima repleto de ilegalidades e com a alteração da lei, que só permite ao secretário de Meio Ambiente, Eugênio Spengler, opinar sobre a concessão ou não do licenciamento para o empreendimento.
O EIA/Rima baseado em falhas, omissões e ilegalidades, segundo o Cepedes – estudos da Cepemar também já foram duramente criticados no Espírito Santo – deveria, no entanto, apontar os impactos positivos e negativos do empreendimento para a posterior avaliação da viabilidade ou não do empreendimento. Na contramão, o EIA/Rima feito pela Cepemar é na prática objeto de uma Ação Civil Pública do Ministério Público Estadual (MPE) da Bahia.
Em um cenário de conflito, o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Cepram) e o Conselho Estadual de Recursos Hídricos (Conerh) também se mostram descontentes com o processo de discussão, com o EIA/Rima e, sobretudo, com as alterações relativas ao ordenamento jurídico ambiental do Estado da Bahia, que tirou, entre outros, o poder licenciatório do Cepram, órgão colegiado e também superior do Sistema Estadual de Meio Ambiente –(Sisema) e que avaliaria o EIA/Rima encomendado pela Veracel.
O processo se assemelha ao caso do estaleiro Jurong, que, após um EIA/Rima omisso, e um laudo técnico do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEma), sofreu intervenção da diretoria do Iema e da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, para que o licenciamento não passasse pelo crivo do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema). O licenciamento do empreendimento foi aprovado sob protestos pelo Conselho Regional de Meio Ambiente (Conrema III).
Na ocasião do licenciamento da Jurong, a Cepemar já havia sido retirada de cena, já era o fim dos oito anos do governdo comandado por Paulo Hartung no Espírito Santo. Entretanto, no mesmo momento cresceu meteoricamente a empresa de consultoria CTA, tida entre os ambientalistas como um fruto da própria Cepemar.
Empresas responsáveis por detalhar os impactos que serão gerados por grandes empreendimentos, assim como a Cepemar, contribuíram praticamente para que todas as transnacionais ampliassem seus impactos e ataques a populações tradicionais sem que uma única sanção legal fosse aplicada às empresas, denunciam os ambientalistas capixabas.
Tanto na Bahia quanto no Espírito Santo, as organizações lutam por novas formas de discussão e uma nova avaliação sobre os empreendimentos, mas sem sucesso.
”Assistimos a resistência para não se estruturar uma metodologia de trabalho que pudesse contemplar a real participação das representações, com prazos razoáveis, pedagogicamente mais precisa e de forma a possibilitar a todos os segmentos conhecer e acompanhar as contribuições dos demais”, diz a denúncia feita pelo Cepedes.
Conforme uma carta assinada por oito entidades da sociedade civil organizada, o que se vê, lá e cá, é que entre a implantação ou expansão de um grande empreendimento, há de fato a subtração do direito de participação da sociedade. Um retrocesso das conquistas ambientais, aponta o Cepedes.
”Não queremos sobrepor a autonomia e a responsabilidade do Estado, respeitamos o sistema, reconhecemos que existem iniciativas muito válidas e que precisam ser levadas a efeito. Nossa postura e papel, como representantes de entidades da sociedade civil, neste momento histórico, visam deixar público para as representações vindouras e para a sociedade como um todo, que discordamos do método de construção deste novo regramento e que nossas contribuições e participação foram pouco consideradas”, diz a carta.
O documento foi assinado pela Associação Cabrália Arte e Ecologia (ASCAE); Associação Rosa dos Ventos; ONG Cajá Verde; Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá); Grupo de Defesa e Promoção SOcioambiental (Gérmen); Instituto de Ação Ambiental da Bahia (Iamba); Instituto de Defesa, Estudo e Integração Ambiental (Idea) e Propágulos Prum Ambiente Legal (Papamel)/Grupo Ecológico e Humanista Emídio Barreto Neto.
O papel da Cepemar
Em nome dos planos de um desenvolvimento que só beneficiaram as empresas e seus prepostos, o governo do Estado contou com uma figura chave para formar uma rede de articulações de consultoria, que foi o ex-governador do Estado no regime militar, Arthur Carlos Gerhardt Santos.
Ele tem sido um lobista de grande prestígio desde que deixou o comando das antigas Aracruz Celulose (Fibria) e CST (Arcelor Mittal), passando a presidir, na década de 90, o Sindicato do Comércio de Importação e Exportação do Espírito Santo (Sindiex), que reúne as importadoras do amparadas pelo Fundap. E é ele que compõe, com membros de sua família, a ONG Espírito Santo em Ação, a partir de empresas de engenharia (SerEng) e da Cepemar, empresa de consultoria ambiental responsável por legitimar os grande projetos poluidores no Estado.
Fruto de uma antiga relação que começou na prefeitura de Vitória, com Paulo Hartung, a Cepemar foi fundada por Nelson Saldanha Filho e presidida por Maria da Glória Brito Abaurre, que deixou a empresa para ocupar o cargo de secretária Estadual de Meio Ambiente e, por extensão, a presidência do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema). Uma estreita relação que permanece até hoje, como constatado até o fim dos oito anos de mandato de PH.
Responsável pela elaboração de Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/Rima), a Cepemar funcionou como uma espécie de consórcio entre o poder público e o setor privado. Dos inúmeros projetos e expansões licenciados em oito anos, mais de 50% passaram pela análise de seus técnicos, cujos relatórios constatavam mais impactos positivos do que negativos na construção dos empreendimentos.
A capacidade de intervenção de Gerhardt Santos nessa articulação política e empresarial capixaba pôde ser vista no lobby que ele comandou contra as aldeias indígenas de Aracruz ou nos estudos prévios encomendados pelo governo do Estado para a instalação da Siderúrgica de Ubu, da Vale, no município de Anchieta. Além disso, o ex-governador foi um dos coordenadores da equipe que elaborou o Plano Espírito Santo 2025, tido como principal documento orientador do planejamento estratégico do governo de Paulo Hartung.
Neste contexto, nos últimos oito anos a Cepemar legitimou, por meio de seus estudos, a expansão da ex-Aracruz Celulose (Fibria), da então Vale do Rio Doce (CVRD) e ex-CST (Arcelor Mittal), entre outras, e o que antes era um grupo pequeno, enriqueceu formando o conglomerado de empresas constituído pela Cepemar Meio Ambiente, Cepemar Service (criada em 2004 e com sede na Flórida), Marlin Azul e a Fundação Promar, esta última com as atividades focadas em projetos sociais, culturais e científicos.
Entre os ambientalistas é consenso: não importa o tamanho do débito ambiental e social da empresa, quando se trata da Cepemar, lá estão os EIAs/Rimas prontos para serem levados às audiências públicas, e submetidos e aprovados pelo Iema. Entretanto, a imagem da empresa finalmente apareceu mal na fita após inúmeras denúncias e a consultoria ambiental vem deixando espaço para uma nova empresa, a CTA, cuja projeção no mercado durante o governo PH também foi meteórica.
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