Sr. Editor,
Com indignação lemos a matéria publicada no jornal A Tarde, edição de 10 de maio de 2011, com chamada de capa “Eles também querem carne”. A abordagem adotada pelo periódico para reportar a mobilização legítima realizada por entidades de luta pela terra é no mínimo uma lição de mau jornalismo, revela o preconceito recorrente dispensado aos enfretamentos feitos pelos movimentos sociais e desconsidera a trajetória história de luta das organizações envolvidas na Jornada de Lutas 2011.
Ao reduzir a Jornada de Lutas 2011 a um “piquenique” patrocinado pelo governo do Estado, o jornal deixa de informar à opinião pública o cenário atual de desmantelamento da política de reforma agrária na Bahia, marcado pela completa ausência do estado (executivo, legislativo e judiciário) na defesa do direito das populações empobrecidas sistematicamente enxotadas do campo.
A matéria não apresentou a exigência da Jornada de Lutas 2011 em colocar a reforma agrária como prioridade estratégica na agenda política do Estado. Não aprofundou as denúncias do descumprimento reiterado do governo da Bahia de acordos firmados com os movimentos desde 2007. Deixou de abordar a insuficiência de recursos para a reforma agrária, aguçada ainda mais pelo corte de 50 bilhões no orçamento da União decretado pela presidenta Dilma Roussef, que atingiu 28,4 % do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). No Estado da Bahia estão previstos investimentos de 5 milhões, enquanto para mineração são de mais de 40 milhões.
Não constam na matéria a morosidade no licenciamento ambiental das áreas de reforma agrária e comunidades tradicionais, as abusivas exigências para “regularização ambiental” que dificultam o acesso dos camponeses a créditos e a políticas públicas fundamentais, como água e moradia. Exigências que franqueiam para o agronegócio
Também não foram abordadas as pressões da grilagem e grandes empreendimentos sobre as comunidades tradicionais (Quilombos, Fundos e Feichos de Pasto, Ribeirinhos e Pescadores). A ausência de uma discriminação e democratização do acesso às terras devolutas, cenário que se agrava em face de ausência de um órgão de Estado com autonomia administrativa e financeira para o exercício de tal atribuição. E ainda a falta de uma política pública de educação “do” e “para” os povos do campo. Hoje há apenas dois programas em curso – Escola Ativa, de âmbito nacional, e Intermediação Tecnológica, de âmbito estadual – que não atendem as especificidades do povo camponês. O Pro-jovem Campo, proposto pelos movimentos sociais, não tem avançado em sua implantação.
Nossa decepção torna-se ainda maior diante da constatação de que, ao arejarem-se os concorrentes, começando a informar sem preconceitos sobre as questões sociais, o conceituado jornal A Tarde herda e assume a bandeira deixada pelo que teve de pior no passado, em termos de manipulação jornalística e mancomunação com os poderosos, distanciando-se da autêntica comunicação social.
Atenciosamente,
Marilda Ferri
Assessora de Comunicação da Comissão Pastoral da Terra / Bahia
12/05/2011