Mulheres atingidas por barragens debatem seus direitos pela primeira vez

 

Thais Iervolino

Mulheres em marcha, durante o último dia do evento

“Mulher, água e energia não são mercadorias”.  Foi esse grito que guerra que acompanhou as quase 500 mulheres atingidas por barragens durante os quatro dias do Encontro Nacional das Mulheres – em luta por direitos e pela construção de um novo projeto energético popular, evento que, no começo de abril, inaugurou a discussão sobre direitos das mulheres e os impactos sofridos por elas frente à construção de hidrelétricas no Brasil.

De acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que organizou o encontro, os impactos que as usinas geram são muito maiores para as mulheres do que para a população masculina.  “As mulheres sofrem impactos específicos: a destruição da floresta, inundações, a perda do pescado são mais sentidos pelas mulheres”, afirmou Leandro Scalabrin, coordenador geral do MAB.

Duas décadas após a criação do movimento – o MAB comemorou 20 anos de luta pelos direitos da população afetada por usinas hidrelétricas – as atingidas por barragens, representando 14 Estados brasileiros, se reuniram em Brasília não só para discutir os efeitos das barragens em suas vidas, como também para fortalecer a sua participação dentro do movimento.

Eliane, durante sua fala sobre o tema de gênero:

“Muitas de nós, mulheres, precisam enfrentar a opressão desde a cama.  Precisamos nos auto-organizar.  É importante que o conjunto da organização avance também na questão do feminismo”, disse Eliane de Moura Martins, do MAB.

Depoimentos de mulheres que sofreram ou estão sofrendo consequências negativas trazidas pelas usinas, análise sobre a questão energética não só brasileira, como no âmbito latino-americano, debate sobre história da sociedade e a questão de gênero, e o papel das mulheres na pauta do movimento fizeram parte das atividades do evento.

“Esse evento, que também é uma alusão ao 8 de março – Dia Internacional das Mulheres – é fundamental no sentido de nos orientarmos, para que saiamos daqui com outro pensamento.  Hoje vivemos em um mundo muito machista e eu estou aprendendo bastante, principalmente a lutar pelo meu direito”, conta Arlene dos Santos, uma das mulheres que será atingida pela usina de Belo Monte, que está sendo construída no rio Xingu (PA).

Denúncias

Arlene, uma das mulheres que será atingida pela usina de Belo Monte (PA) As mulheres presentes do encontro também fizeram diversas denúncias.  Segundo elas, não existe espaços deliberativos para que elas possam exigir seus direitos; os funcionários das empresas responsáveis pelas obras as tratam de maneira autoritária e truculenta, discriminando-as; há um agravamento da violência sexual e da prostituição; não existe um reconhecimento do trabalho doméstico e do campo, entre outras violações de seus direitos.

A carta final do encontro propõe diversas ações para diminuir o contexto de violação e desigualdade entre gênero, como organizar todas as trabalhadoras, sobretudo aquelas que são atingidas por barragens e por grandes obras de infraestrutura, e estimular o protagonismo das mulheres, criando as condições para sua efetiva participação em todos os espaços de decisão política e do processo de organização e luta.

“Por fim, nos comprometemos cada vez mais a fazer do Movimento dos Atingidos por Barragens, uma organização bonita, forte, com a participação das mulheres como protagonistas, dos homens, dos jovens e das crianças, fortalecendo a unidade nacional, fazendo a luta por nossos direitos e pela construção de um projeto energético popular”, diz a carta.

Passeata e encontro com Dilma

No último dia do encontro, as quase 500 mulheres se juntaram a outros integrantes de movimentos sociais e sindicais do campo e organizações ambientalistas para protestar não só pelos direitos das mulheres atingidas, mas também contra a alteração do Código Florestal e uso dos agrotóxicos.

A passeata saiu do pavilhão de exposições do Parque da Cidade, onde o encontro estava sendo realizado, e partiu rumo ao Congresso Nacional.  Ao todo, os 1.500 participantes da marcha percorreram cerca de 6 km.

Na parte da tarde, foi a vez da presidenta da República, Dilma Rousseff, receber as militantes do MAB no Palácio do Planalto.  Soniamara Maranho, da coordenação nacional do Movimento, leu uma carta para a presidenta com as reivindicações das mulheres atingidas.

Entre as reivindicações, estava a regulamentação do decreto, assinado no ano passado pelo então presidente Lula, que instituiu o cadastro dos atingidos por barragens, além da suspensão das obras da usina de Belo Monte e a elaboração de uma nova política nacional de tratamento das questões sociais e ambientais.

De acordo com o movimento, Dilma destacou a importância da organização das mulheres na luta por seus direitos, reconhecendo que elas são as mais afetadas pela pobreza, e declarou que a pauta do MAB é muito importante porque “faz parte de uma questão muito cara ao governo, que é esse permanente diálogo com os movimentos sociais.”  Em outro momento, Dilma afirmou ser contra “aqueles que dizem que o governo deve ficar surdo às reivindicações”.

A presidenta, no entanto, não se comprometeu a atender todas as demandas especificadas na carta elaborada pelas mulheres, afirmando que não ia fazer promessas “demagógicas”.

http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=382953

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