Comissão vai apoiar legalização de terra quilombola em Goiás

Dep. Erika Kokay (PT-DF), José Antônio da Silva (secretário do Planejamento da prefeitura da Cidade Ocidental-GO) e Ivonete Carvalho (secretária de políticas para as comunidades tradicionais)
Ivonete Carvalho (D): a demora na legalização não impede o acesso a políticas públicas.
Ao final de audiência pública sobre os problemas que afetam a população quilombola no povoado de Mesquita (GO), a Comissão de Direitos Humanos e Minorias aprovou, nesta quarta-feira, cinco encaminhamentos para dar celeridade ao processo de homologação das terras dessa comunidade. O povoado, que fica na região do Entorno de Brasília, já teve as terras demarcadas, mas as 750 famílias ainda não receberam os títulos de posse. (Veja quais foram os encaminhamentos)

Situado a 60 quilômetros do centro da capital federal, o quilombo Mesquita é remanescente dos escravos trazidos para o interior do País no ciclo da mineração, mas abandonados por volta do ano 1740. Em 2003, o governo reconheceu que a área próxima ao município goiano de Cidade Ocidental pertence aos descendentes de escravos, mas o plano diretor do município passou a considerar o local como de expansão urbana, destinado à construção de condomínios de luxo.

O processo de regularização do território está em andamento há sete anos e a comunidade alega enfrentar ameaças de grupos ligados à especulação imobiliária.

O Incra argumenta que a demora na regularização deve-se à sua escassez de recursos humanos. Apenas 10 pessoas são responsáveis por todos os estudos e levantamentos, e por notificar as mais de 300 famílias não quilombolas que estão no local. De acordo com o representante do Incra, Flávio do Santos, a maioria tem fugido das notificações. “Os técnicos pretendem terminar o trabalho em três meses e buscam enfrentar tecnicamente as contestações judiciais que certamente aparecerão”, informou.

Santos acrescentou que os interesses contrários explicam um pouco essa demora, mas garantiu que o órgão está tomando todo o cuidado para chegar a um trabalho bem feito, “com qualidade técnica, justamente por que vamos enfrentar várias contestações”. Segundo ele, no final haverá a certeza “de que nós vamos ter sucesso e a comunidade terá seu território reconhecido e titulado”.

Justiça lenta
A procuradora regional dos Direitos do Cidadão no Distrito Federal, Luciana Loureiro, lamentou a lentidão da Justiça para analisar as ações ajuizadas pelo Ministério Público  que buscam dar mais celeridade à legalização do território.

Ela informou que o MP entrou com duas ações sobre o assunto: uma, contra o Incra, ajuizada em 2008, solicita a regularização da terra; e a outra, contra a Secretaria de Meio Ambiente de Goiás, tem o objetivo de evitar a concessão de licenças ambientais. “Até hoje, as ações não deram em nada, sequer foi fixado prazo para o Incra concluir o processo de regularização. A ação ambiental, que visa a evitar a exploração de madeira, já tem cinco anos e também ainda não apresentou resultado”, assinalou a procuradora.

Luciana Loureiro criticou a cobertura jornalística do tema, segundo ela altamente desfavorável aos quilombolas. “É até fraudulenta, porque se baseia no discurso de que os quilombolas estariam atrás de um modo fácil de obter terras, sem reconhecer a luta histórica dos remanescentes da escravidão, que lutam por seus direitos mais básicos, como o da moradia”.

Quarta geração familiar
A líder da comunidade, Sandra Pereira Braga, alegou estar sendo ameaçada de morte. “Não vou me acovardar”, declarou, chorando. “Não estamos pedindo favor a niguém. É nosso, é de propriedade nossa, dos nossos antepassados. Hoje eu estou na quarta geração familiar. Quando vejo meu avô com 97 anos me contando histórias, relatos, eu fico maravilhada. E isso me dá mais força ainda”, assinalou.

Sandra pediu apoio das instituições públicas, nas esferas municipal, estadual e federal, para a regularização do território, que, por estar muito próximo a Brasília, passa por forte valorização imobiliária. Além disso, ela enfatizou a necessidade de políticas públicas de qualidade de vida.

A secretária de Políticas para as Comunidades Tradicionais da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Ivonete Carvalho, lembrou que a luta dos quilombolas conta com um marco legal já consagrado na Constituição, o qual precisa ser respeitado. Ela destacou que a demora na legalização fundiária, contudo, não impede a comunidade de ter acesso a políticas públicas como o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida: “Basta a comunidade estar certificada como quilombola.”

Resistência
A deputada Erika Kokay (PT-DF) presidiu a audiência e lamentou que o Estado não esteja cumprindo o seu papel. Ela disse que a partir do governo Lula os direitos dos quilombolas passaram a ser considerados, e defendeu a ampliação das políticas públicas para essas comunidades, para que elas possam viabilizar a própria sustentação econômica.

Kokay afirmou que a demora na titulação do território é fruto da ação de grupos poderosos, interessados na construção de condomínios de luxo. Ela aconselhou a comunidade de Mesquita a resistir à especulação imobiliária e ao desmatamento promovidos por grandes grupos econômicos: “Esta é uma questão central, decisiva para os rumos do País, que vai definir se somos ou não capazes de fechar o ciclo da escravidão.”

Em nome pessoal
O secretário de Planejamento de Cidade Ocidental, José Antônio Santos, se solidarizou com os quilombolas, mas apenas em nome pessoal, e não como representante da prefeitura. Essa situação motivou protestos e indignação na audiência. Kokay esclareceu que a comissão enviou ofício à prefeitura para esta mandar um representante oficial, e disse que o órgão confirmou o recebimento.

A secretária Ivonete Carvalho lamentou a falta de um representante oficial da prefeitura, “neste momento tão importante para dar celeridade ao processo de regularização”. Para a secretária, foi uma demonstração de falta de comprometimento da prefeitura. Ela acrescentou que o Poder Público municipal tem papel fundamental, e que portanto sua omissão causa prejuízos: “A aplicação dos recursos do governo federal requer a participação do gestor municipal; sem isso, dificilmente os recursos vão poder chegar.”

Aparato contrário
A procuradora da Fundação Cultural Palmares, Dora Bertalho, sustentou que a demora na legalização das terras quilombolas decorre também de um movimento da própria sociedade, que duvida do merecimento dos negros: “Há um aparato absolutamente contrário, um ambiente racista, discriminador, que só percebe a população negra como mão de obra, e não como titular de direitos. Por trás das dificuldades para a legalização dos quilombolas está uma sociedade renitente, que se recusa a ver o negro como participante da direção do País.”

Reportagem – Luiz Cláudio Pinheiro e Lincon Macário
Edição – Regina Céli Assumpção 

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