A questão nuclear e a matriz energética brasileira no centro do debate sobre desenvolvimento

Quase 25 anos depois do maior desastre nuclear da história, ocorrido na usina de Chernobil, na ex-União Soviética, uma tragédia no Japão se equipara a ele em gravidade e desperta o mundo novamente para os perigos da energia nuclear. O tsunami e os fortes terremotos que assolaram o país provocaram um acidente na usina nuclear de Fukushima, com terríveis consequências sociais, ambientais e econômicas para a população local, mas cujos reais desdobramentos para o mundo ainda são imprevisíveis. Só um mês após a crise ter sido deflagrada, o governo japonês admitiu a gravidade da situação e reconheceu que o desastre provocado no dia 11 de março foi de nível 7, o mais alto da escala, que ocasiona “danos generalizados à saúde e ao meio ambiente”.

Esses acontecimentos, ocorridos num país que supostamente é líder em tecnologia e possui altos padrões de segurança, trouxeram à tona mais uma vez a desconfiança sobre a utilização da energia nuclear. Vários países, como Holanda, Alemanha, Rússia, China e Venezuela , já retraíram, cancelaram ou estão repensando seus planos de expansão nuclear, discutindo sobre as alternativas para a questão energética. Na contramão dessa tendência, o Brasil mantém seu projeto de concluir Angra III e construir mais quatro novas usinas até 2030, e o Ministério de Minas e Energia pretende divulgar um estudo com 40 locais que poderiam receber plantas nucleares.

Há décadas, movimentos sociais e organizações da sociedade civil do mundo todo lutam contra a expansão da utilização da energia nuclear e alertam para os seus riscos. Da mesma maneira, a ABONG e suas associadas consideram que esse não é o caminho que deve seguir a política energética brasileira e defendem que o país abandone a retomada de seu projeto de expansão da energia nuclear, que representa um retrocesso.

Até hoje a população da região da usina de Chernobil, localizada na Ucrânia, sofre fortemente os efeitos da explosão do reator em 1986, que podem persistir por várias gerações. Alimentos contaminados, bebês que nascem com deficiência e com mutações genéticas, adolescentes com crescimento anormal e com seqüelas físicas, famílias inteiras adoecidas. O Greenpeace estima que o número de mortes por casos de doenças relacionadas à radiação esteja em torno de 100 mil pessoas.

De acordo com o Greenpeace, se o acidente fosse em Angra dos Reis, município do Rio de Janeiro que abriga as duas usinas nucleares em funcionamento do Brasil e aguarda a chegada da terceira, teriam de ser evacuados, em um raio de 20 km, 170 mil moradores. O perímetro de segurança incluiria mais de 200 mil pessoas. Já pelas recomendações dos Estados Unidos de manter 80 km de distância do epicentro da radiação, o total de municípios afetados subiria para 27, englobando partes dos estados de São Paulo e Rio, o que incluiria mais de um milhão e meio de pessoas.

Nos últimos anos, houve uma forte campanha para convencer a opinião pública mundial de que, com os recentes desenvolvimentos tecnológicos, a energia nuclear passou a ser uma alternativa segura e que contribui para combater o aquecimento global.  No entanto, essa se mostra uma falsa solução que apenas aumenta a vulnerabilidade humana frente às mudanças climáticas. Na realidade, a energia nuclear é cara, pois requer pesados subsídios públicos, e perigosa para as pessoas e para o meio ambiente. Além disso, no cálculo de toda a cadeia de produção – da construção da usina à extração do minério e ao descarte do lixo radioativo – a relação entre emissão de poluentes e energia gerada faz da energia nuclear uma opção mais poluidora do que as energias renováveis. No Brasil, atualmente, ela representa menos de 3% da energia elétrica consumida.

Tampouco a solução está nas megausinas hidrelétricas, destruidoras das populações e do meio-ambiente, como é o caso de Belo Monte. Na semana passada, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) ordenou a paralisação imediata da construção da hidrelétrica, que caso seja levada a cabo resultará na remoção de centenas de famílias indígenas de suas terras ancestrais, de ribeirinhos e pessoas que residem na periferia, além do impacto negativo que poderá causar no Rio Xingu e na floresta amazônica. No início do ano, o governo anunciou um plano para construção de 11 megahidrelétricas na Amazônia.

A mudança na matriz energética para substituir a energia baseada em combustíveis fósseis, responsáveis pelo aquecimento global, não passa pela energia nuclear, mas sim pelas energias renováveis, como eólica, solar, das marés, a biomassa, aproveitando o potencial natural brasileiro. Estudos do Greenpeace demonstram que, com os R$ 7,4 bilhões previstos para construir Angra III, seria possível instalar um parque de turbinas eólicas com o dobro da potência prevista para essa nova usina nuclear (1.350 MW), gerando 32 vezes mais empregos e sem produzir lixo radioativo ou trazer risco de acidentes graves.

A ABONG defende a adoção de outra matriz energética, que seja amplamente debatida com a população brasileira, limpa, segura e sem grandes impactos socioambientais. Mais do que isso, acredita que são necessárias outras concepções de desenvolvimento, que não estejam baseadas no produtivismo, no consumismo, e no crescimento econômico. É mais que nunca o momento de pensar um projeto de sociedade centrado nas necessidades humanas, que garanta a reprodução da natureza, evite o desperdício e não esgote os bens de que precisamos, e de que precisam as futuras gerações, para viver. Um desenvolvimento que esteja voltado para a vida, para a felicidade, e não para a maximização do consumo e da produção.

Fonte: ABONG

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