Seis anos de Chacina da Baixada

A caminhada em 2009: em nenhum dos seis anos a chacina deixou de ser lembrada. Foto: Márcia Floreto / O Globo
A caminhada em 2009: em nenhum dos seis anos a chacina deixou de ser lembrada. Foto: Márcia Floreto / O Globo

Por Thiago Ansel

Nesta quinta-feira (31), familiares e amigos das vítimas da Chacina da Baixada, juntamente com movimentos e organizações de defesa dos direitos humanos, farão uma caminhada em memória do sexto ano do massacre. O crime entrou para história como a maior chacina do estado do Rio de Janeiro. As execuções aconteceram em 2005, quando policiais militares percorreram de carro as ruas dos municípios de Nova Iguaçu e Queimados, disparando contra pedestres. Pelo caminho os policiais deixaram 29 mortos e um ferido. Entre as vítimas fatais oito crianças e sete adolescentes.

“A passeata é uma lembrança para que o que aconteceu não fique esquecido. A mídia já esqueceu, as autoridades já esqueceram. Então, além de uma homenagem às vítimas é uma forma de dizer que ainda estamos na luta e que esta luta não é só nossa. Qualquer um, qualquer pessoa de qualquer família pode ser vítima”, diz uma das organizadoras do evento, Luciene Silva. Ela é mãe de Rafael Silva Couto, morto aos 17 anos no massacre.

Depois de seis anos da chacina, familiares dos mortos ainda não foram indenizados. Apesar de no início deste ano o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter decidido por manter a indenização, o Estado do Rio continua a contestá-la. “A única reparação foi a pensão para os familiares. A indenização está sendo questionada pelo Estado. Apesar de ele ter culpa nestas mortes, ele recorre e parece que só vai pagar quando quiser”, conta Luciene.

Dos 11 policiais denunciados pelo Ministério Público por envolvimento direto no massacre, somente cinco foram julgados. Em 2009, Júlio César de Paula e Marcos Siqueira foram condenados por homicídio qualificado, tentativa de homicídio e formação de quadrilha. No mesmo julgamento, o PM Ivonei de Souza foi absolvido por falta de provas.  Dois anos antes, o cabo José Augusto Moreira Felipe também foi sentenciado pelos crimes de homicídio e formação de quadrilha. Ainda em 2007, o soldado Fabiano Gonçalves Lopes foi absolvido do crime de homicídio, respondendo somente por formação de quadrilha – crime pelo qual pegou sete anos de prisão. O cabo Jorge Simão, mais um dos acusados, foi assassinado em 2006 quando ia à delegacia prestar depoimento. Suspeita-se que Simão tenha sido morto pelos comparsas por ter aceitado a colaborar nas investigações.

Motivações ainda obscuras
Quando o crime aconteceu muito se especulou sobre o que teria levado os PMs a executarem tantas pessoas de uma só vez. Várias hipóteses foram levantadas, entre elas a de que as vítimas teriam sido escolhidas aleatoriamente. De acordo com esta linha, os assassinatos foram cometidos em represália dos PMs a medidas disciplinares impostas pelos comandos dos batalhões de Duque de Caxias e Mesquita.

Uma segunda versão é a de que a causa das execuções teria sido uma disputa territorial entre grupos de extermínio locais. Houve ainda outra hipótese segundo a qual a chacina teria sido o resultado de divergências entre dois coronéis da PM em torno da distribuição de cargos de comando na corporação. Ambos pretendiam lançar candidatura em 2006 e a escolha de nomes que ocupariam altas patentes seria estratégica na disputa por apoios políticos. Insatisfeito com mudanças no organograma, um dos coronéis teria ordenado os assassinatos.

Luciene Silva contesta a versão de que a chacina tenha sido motivada por insatisfações com questões disciplinares por parte dos PMs acusados. A mãe de Rafael afirma que o grupo de extermínio, quando executou seu filho, já era velho conhecido da população local. “Era um grupo que já há muito tempo matava ali. Um grupo conhecido pelo pessoal que mora na Baixada. Uma mãe me disse, quando tudo aconteceu, que este mesmo grupo tinha matado o filho dela em Itaguaí, em 2004. Como ela surgiram muitas mães depois que o caso ficou conhecido. Se esses policiais tivessem sido presos antes, não matariam as 29 pessoas em 2005”, revela.

Grupos de extermínio e política
Pelo grande número de vítimas, o massacre da Baixada deu visibilidade ao drama cotidiano dos moradores da região. Para se ter uma idéia, somente no mês de março de 2005, além dos 29 mortos na chacina, outras 172 pessoas foram assassinadas na Baixada Fluminense.

Mesmo hoje, o quadro de violência nos municípios que compõem a Baixada segue com altos índices de homicídios dolosos (com intenção de matar). Apesar de terem sofrido queda em comparação com o ano anterior, em 2010 os índices de homicídios foram de 40 por 100 mil habitantes na região. O número supera em 15 pontos o índice da capital do estado. Se aos números de assassinatos na Baixada fossem acrescentados, por exemplo, registros policiais correlatos ao homicídio doloso, como desaparecimento, encontro de cadáver ou ossada e autos de resistência, a quantidade de mortes violentas na região poderia chegar até 89,3 para cada 100 mil habitantes.

Segundo o professor José Cláudio Souza Dias, do Instituto de Ciências Humanas e Sócias da Universidade Federal Rural, a violência na Baixada se institucionaliza de forma preocupante. O sociólogo, autor do livro “Dos Barões ao Extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense”, nega que os grupos de extermínio funcionem como poderes paralelos na região: “Não é nada paralelo. Esses grupos representam um estágio da própria construção do Estado e do poder político na região”, defende Alves.

O sociólogo se refere ao fato de membros de grupos de extermínio diversificarem seus “negócios” há, pelo menos, 20 anos. Alguns deles inclusive se lançaram em carreiras políticas de relativo sucesso. “É a chegada dos matadores ao poder. É uma forma de se proteger e, também, de tomar para si o controle sobre as regiões”, constata Alves.

O bando de policiais que, em 2005, cometeu os 29 assassinatos em Nova Iguaçu e Queimados é só um dos muitos que passaram a dominar a região. A trajetória ascendente de grupos de extermínio nos municípios da Baixada mostra o quanto ainda é preciso caminhar para que criminosos não continuem julgando, condenando e executando pessoas sem qualquer tipo de resposta do Estado.

A caminhada de seis anos da chacina da Baixada vai refazer o caminho dos assassinos por Nova Iguaçu, na noite de 31 de março de 2005. A concentração será na Via Dutra, na altura da Besouro Veículos, às 15h.

http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/noticias/mostraNoticia.php?id_content=1017

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