“Eu sou geraizeiro”

Populações tradicionais se mobilizam pelo direito à terra e a uma produção que respeite o meio ambiente e promova a saúde

Raquel Júnia*

Populações da região norte de Minas Gerais identificam no bioma Cerrado mais do que uma fonte de renda e constituem historicamente uma identidade pautada na convivência e defesa do meio ambiente  “Tudo o que tem na natureza é em benefício do homem. A gente é que fica inventando roda e modificando as coisas. Mas é a cultura do dinheiro que faz o homem arrancar tudo querendo mais dinheiro”, fala o geraizeiro Cristovino Neto, do assentamento Americana, no município de Grão Mogol, na região norte de Minas Gerais. O geraizeiro Arcilo dos Santos, da comunidade Vereda Funda, no município de Rio Pardo de Minas, conta que não usa agrotóxicos na agricultura e controla as pragas com extratos naturais, que aprendeu “na escola da vida”, como o extrato de folha de mamona regateira. “Não tinha este nome antes, mas o que sempre fizemos foi agroecologia”, diz. As falas e explicações dos dois camponeses, se não definem totalmente o que significa ser geraizeiro, dão pistas do que esta identidade quer dizer.

O diretor de formação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas, Eliseu José de Oliveira fala o que para ele significa ser geraizeiro. “O povo vem desenvolvendo um jeito de ser diferente. Eu sou geraizeiro primeiro por morar nas Gerais e segundo pela forma de produzir que vem com a forma que o ambiente oferece. Mas é difícil falar. Por exemplo: o peixe vive dentro d’água, mas não sabe o que significa viver dentro da água. Ele só vai saber o que é viver dentro da água quando tiram ele da água, aí ele vai saber a importância disso. E também com a gente acontece a mesma coisa, a gente só sabe quando perde aquela cultura”, define.

Segundo a professora do departamento de ciências sociais da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) Isabel Cristina de Brito, o termo geraizeiro é bastante antigo, apesar de não haver muitos estudos sobre o tema. Segundo ela há duas hipóteses para a construção desta identidade, a primeira delas está relacionada à proximidade das comunidades com a Serra do Espinhaço, que corta a região, também conhecida como Serra Geral. “E também tem a questão dos gerais, que é um imaginário, é sim um ambiente físico, mas é também um ambiente constituído socialmente. Então, os geraizeiros são estas pessoas que estão aqui há muito tempo. Alguns estudos dizem que o negro chegou à região antes do branco, fugido dos engenhos do nordeste, então, houve essa mistura dos índios que moravam aqui, com os negros e os europeus que chegaram em vários momentos. Esse ajuntamento de pessoas numa relação de produção muito próxima do ambiente natural, do cerrado, das veredas, forma o que é o geraizeiro”, sintetiza. A professora comenta ainda que os geraizeiros se definem também como o oposto dos caatingueiros – populações que vivem na caatinga – não em uma relação de hierarquia, mas de diferenciação. Isabel detalha que os caatingueiros vivem na região mais baixa, enquanto os geraizeiros vivem na região mais alta, apesar de ambos estarem próximos e se relacionarem. “Tanto o geraizeiro moldou a paisagem, como a paisagem moldou o geraizeiro. É o que chamamos de co-evolução”, completa.

Oficina Territorial de Diálogos e Convergências

Cristovino, Arcilo, Eliseu e Isabel participaram da Oficina Territorial de Diálogos e Convergências de Minas Gerais, uma das etapas de preparação para o ‘Encontro Nacional de Diálogos e Convergências: Agroecologia, Saúde e Justiça Ambiental, Soberania Alimentar e Economia Solidária’, previsto para acontecer ainda no primeiro semestre de 2011. Cristovino recebeu os participantes da oficina no assentamento Americana, onde explicou como os agricultores conseguiram desenvolver um trabalho agroecológico no local. Arcilo fez o mesmo na comunidade Vereda Funda e também participou dos outros dias de oficina no município de Montezuma (MG). A atividade é uma iniciativa da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) em parceria com diversas organizações nacionais e locais, e foi organizada no território pelo CAA NM com o apoio de sindicatos de trabalhadores rurais e também da prefeitura de Montezuma.

* Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. Fotos: Lívia Duarte/Agência Pulsar e Raquel Júnia.

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