Diferença entre benefícios pagos por empresas estimulou revolta em Jirau

Diferenças nos benefícios concedidos pelas empresas que executam as obras da hidrelétrica de Jirau criaram um clima de rivalidade entre os operários dos canteiros às margens do rio Madeira. Funcionários da Camargo Corrêa, a quem são atribuídos os atos de destruição nos alojamentos ao longo desta semana, reclamam que recebem R$ 110 para a compra da cesta básica, valor inferior aos R$ 310 concedidos aos operários das empresas JauruEnesa. A reportagem é de Leonencio Nossa e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 19-03-2011.

Eles se queixam também da truculência de motoristas, “cachimbos” (encarregados) e seguranças, do valor pago pela hora extra e dos custos dos medicamentos vendidos nas farmácias dos canteiros.

O maranhense Francisco de Assis Araújo, 35 anos, de Imperatriz, relatou que, no último dia 8, quando chegou para trabalhar na Jauru Construção Civil, comprou R$ 149 em remédios para tratar de uma febre. O valor será descontado no salário do fim do mês e representa 15% do que a empresa prometeu lhe pagar. Ele aguardava ontem numa fila de espera para entrar num dos ônibus que a empresa se comprometeu a fretar para levá-lo a Imperatriz.

Planilha

Outro maranhense, José Wilson dos Santos, 21 anos, de Igarapé do Meio, exibiu uma planilha de horas trabalhadas na Camargo Corrêa. Na semana passada, por exemplo, entrou no trabalho sempre às 7 horas, teve uma hora de almoço e saiu após as 22 horas. Ele não reclama da falta de pagamento da hora extra, mas do valor pelo que trabalha além do combinado na carteira. Relatou que, mesmo saindo tarde, não consegue um salário bruto superior a R$ 1.100.

“Parte do dinheiro fica no canteiro de obras. A empresa não dá plano de saúde e nem remédio”, disse Santos.

“A gente tava na mata jogado”, afirmou Giselmo Farias, 34 anos, também deImperatriz. Ele cita uma série de colegas que sofreram problemas de saúde e tiveram de deixar os canteiros de obras sem assistência. Pelo contrato que firmaram com a empresa, eles só teriam direito a transporte de volta para casa após 80 dias de trabalho.

Maus tratos

O operário se queixou, especialmente do tratamento recebido dos seguranças nos refeitórios. “Quem chegava sem crachá era retirado da fila a socos”, relatou.

“Pior era a situação do camarada que aparecia no acampamento depois de beber uma cachaça. Vi muita gente apanhar dos seguranças”, conta.

Os operários ponderam que os alojamentos tinham boas condições de uso e as refeições eram de boa qualidade. As empresas e o governo de Rondônia ressaltaram em comunicados e entrevistas que os incidentes ocorridos em Jirau não tiveram motivações trabalhistas ou sindicais.

O secretario estadual de Segurança, Marcelo Nascimento Bessa, disse que os atos eram de vandalismo, mas admitiu que havia queixas dos funcionários sobre as condições de trabalho nos canteiros das obras da hidrelétrica de Jirau.

“Distúrbio civil”

Em um novo comunicado na noite de ontem, a Camargo Corrêa avaliou que os “atos de violência” foram provocados pela “ação criminosa e isolada de um grupo de vândalos”. Na nota, a empresa destacou que o “distúrbio civil” foi empreendido por uma “minoria” que não representa os trabalhadores de Jirau.

“A empresa permanece aberta, como sempre esteve, para dialogar com os sindicatos, mas esclarece que não há nenhum registro de qualquer reivindicação trabalhista”, ressaltou.

A imprensa entrou ontem nas áreas destruídas. Por uma vasta área de cerca de cinco campos de futebol havia dezenas de carcaças de ônibus enfileirados, sucatas queimadas de carros pequenos e restos de colchões e roupas espalhados por todos os cantos. Testemunhas dos ataques disseram que os homens que chegaram para destruir os alojamentos incendiaram primeiro os dos encarregados e engenheiros. Só depois de tocarem fogo nos alojamentos superiores eles partiram para destruir as alas dos “peões”.

PARA LEMBRAR

As hidrelétricas do Rio Madeira, Santo Antônio e Jirau, foram leiloadas em 2007 e 2008, respectivamente. A primeira foi arrematada por um consórcio liderado pela Odebrecht. A segunda pelo grupo com participação da Camargo Corrêa. Juntas, terão capacidade de 6450 megawatts (MW) de potência.

A construção da usina de Jirau vinha em ritmo acelerado. O atraso na implementação das linhas de transmissão foi o primeiro sinal de problema para os sócios da hidrelétrica. Mesmo que a usina entrasse em operação em março de 2012, como previsto, não haveria como vender energia sem as linhas para transmitir. Os conflitos ocorridos nos últimos dois dias nos canteiros de obras podem contribuir para enterrar de vez a estratégia de faturamento extra.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=41541

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