Empresas resistem a admitir compra de empresas que desmatam e empregam trabalho escravo, diz pesquisa

São Paulo – Empresas que atuam na maior cidade do país continuam presentes na cadeia produtiva de setores marcados por desmatamento e trabalho escravo. O 2º Estudo Conexões Sustentáveis detecta que algumas das maiores corporações do país continuam a comprar produtos provenientes de áreas desmatadas ou de empregadores de trabalho escravo. Além disso, elas preferem não investigar nem exigir garantias de sustentabilidade socioambiental a seus fornecedores.

Os resultados coincidem com os mostrados na primeira versão do trabalho, publicada em 2008. Empresas do setor frigorífico, como Bertin, JBS e Cargill, e de móveis, como Casas Bahia e Marabraz, continuam comprando de produtores envolvidos em desmatamento e trabalho escravo.

“A gente partia do pressuposto de que nem todo mundo sabia o que estava ocorrendo em sua cadeia produtiva. Agora, sabe”, avaliou Oded Grajew, coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo, durante o lançamento do estudo, nesta quarta-feira (23), na capital paulista.

“Isso (não exigir dos fornecedores o cumprimento da lei) vai fazer mal para as empresas. Mais cedo ou mais tarde, elas vão ter de aderir. Ou porque podem sofrer ações legais ou porque podem sofrer a pressão econômica de não ter mais consumidores”, pondera.

A intenção do levantamento é mostrar como todos os elos da cadeia, incluindo os consumidores, são corresponsáveis pelas violações cometidas na ponta da produção. O estudo tem como foco os setores de soja, madeira e pecuária e a maneira como as pessoas na cidade de São Paulo acabam comprando produtos que são fruto de violação.

Desde 2008, quando foi lançada a iniciativa por um grupo de ONGs, algumas empresas assinaram o pacto pelo qual se comprometem a rastrear entre seus fornecedores aqueles que descumprem regras ambientais e sociais. As maiores redes de supermercado do país firmaram o compromisso, o que constituiu um avanço considerável.

Três anos depois, a avaliação é de que a postura do setor privado melhorou, mas ainda falta um longo caminho a percorrer. As ONGs Repórter Brasil e Papel Social, responsáveis pela coleta de dados, constataram que, muitas vezes, trata-se de uma transação indireta, na qual uma outra empresa adquiriu do produtor envolvido em ilegalidades. Os ativistas entendem que isso não tira a responsabilidade dos demais participantes da cadeia.

Roberto Smeraldi, diretor da Amigos da Terra, afirma que é preciso abandonar a postura pela qual uma empresa finge desconhecer os elos da cadeia produtiva. “Deve partir para uma política positiva de compras, ou seja, divulga o que tem como critério na hora de comprar. Exige o que quer, e não o que não quer”, exemplifica.

Questionadas, muitas das corporações destacaram que, embora o fornecedor em questão tenha pendências sociais ou ambientais, os produtos a elas entregues provêm de áreas legais. “A única resposta admissível seria a de que vão rastrear completamente a cadeia de fornecedores”, lamenta Valmir Ortega, diretor do Programa Cerrado-Pantanal e ex-secretário de Meio Ambiente do Pará. “É muito provável que nessa mesma cadeia, nesse mesmo produtor, nesse mesmo comprador, existam dezenas de outros casos”, avalia.

Manobra e avanço

O estudo detectou também que alguns produtores do setor de pecuária têm tentado driblar a pressão do mercado e a legislação: pouco antes do momento de venda, transfere-se o boi de uma área grilada ou na qual foi flagrado trabalho escravo para uma que esteja regularizada.

Quanto à madeira, a novidade positiva é o compromisso de algumas empresas da construção civil de que irão assinar o pacto e revisar toda a cadeia produtiva. Este ponto é especialmente importante para os envolvidos no Conexões Sustentáveis devido ao aumento exponencial do setor nos últimos anos e à perspectiva de que seguirá em crescimento por pelo menos mais duas décadas.

Ainda assim, as ONGs pedem que os governos nas três esferas, importantes consumidores de madeira para construção, fiquem mais atentos à procedência dos materiais. Ortega estima que metade da madeira extraída anualmente no Pará venha de derrubada ilegal da mata, o que proporciona um lucro estimado em R$ 3 bilhões de reais ao ano, uma parcela considerável para um estado que tem uma arrecadação total de R$ 50 bilhões.

“A ideia é resolver o problema. Não é vingar ninguém, mas instar a que todos os elos da cadeia façam sua parte porque se um elo da cadeia falhar, todo o trabalho falha”, adverte Sergio Mauro Santos Filho, do Instituto Socioambiental. Ele lembra que a população e as empresas de São Paulo precisam reconhecer que têm participação no desmatamento da Amazônia.

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