Família de menina indígena processa Estado do Amazonas e União por descaso na saúde

A adolescente Luciane Barreto, 13, que há dois anos foi picada por uma jararaca, está em Manaus desde o início desta semana para reiniciar tratamento.  Sua família processou o Estado e a União por danos morais devido ao tratamento dado a ela.

Elaíze Farias

A família da menina indígena Luciane Barreto, 13, da etnia tukano, entrou com uma ação na justiça por danos morais contra o Estado do Amazonas e a União pela maneira como o poder público atuou durante seu tratamento de saúde, há dois anos.  Na ação, o advogado Ricardo Albuquerque alega que a menina teve a dignidade na sua condição de indígena violada.

No dia 3 de janeiro de 2009, Luciane foi picada por uma cobra jararaca em sua aldeia, localizada na região do município de São Gabriel da Cachoeira (a 851,23 quilômetros de Manaus), no Alto Rio Negro, e quase teve a perna amputada por médicos que a atenderam no Pronto-Socorro e Hospital João Lúcio, na capital amazonense.

Antes de receber o tratamento considerado adequado no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV), para onde foi transferida dez dias depois de chegar em Manaus, Luciane viveu um périplo desgastante e moroso, que deixou graves seqüelas em sua perna direita.

Na época, seu pai reagiu ao diagnóstico dos médicos do João Lúcio e enfrentou a resistência de funcionários da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), então responsável pela saúde indígena.

A negativa dos médicos e dos gestores de saúde em autorizar a conjugação do tratamento ocidental com tratamento tradicional dos indígenas fez com que Barreto levasse o caso ao Ministério Público Federal (MPF).  O caso teve ampla repercussão na imprensa local e nacional.

Segundo o advogado, Ricardo Albuquerque, o processo já tramita desde setembro do ano passado, mas somente agora a família da menina veio à público informar a decisão.

No processo, a família acusa o gestor público de saúde de omissão, discriminação e preconceito contra uma indígena que necessitava de tratamento diferenciado.

O caso tramita na 7ª Vara Federal.  A seção judiciária já acionou o Estado e a União e estas contestaram a ação, segundo informou o advogado.

Com a presença da menina em Manaus desde o início desta semana, o advogado quer reiterar a ação, apresentando novos elementos.

Albuquerque diz que a família pede “compensação pecuniária” em valor estimado em R$ 500 mil.

Tratamento

Após sua chegada a Manaus, em janeiro de 2009, Luciane Barreto recebeu o tratamento considerado ideal pela família a partir do dia 22 de janeiro.  Diante da repercussão, o governo do Estado interveio no caso.

Ela foi então encaminhada ao HUGV, onde recebeu tratamento de equipe multidisciplinar, liderada pelo cirurgião vascular Raymisson Monteiro.

Sua família teve autorização para que a menina também recebesse tratamento tradicional indígena, com a participação de pajés (médicos e curandeiros da aldeia).

A recuperação de Luciane foi considerada surpreendente pelos médicos.  Ela teve alta um mês depois (a previsão dos médicos é que ela ficaria hospitalizada pelo menos seis meses), mas precisou continuar em Manaus até agosto de 2009.  Desde aquela data, Luciane não vinha a Manaus.

No último domingo (23), a menina chegou a Manaus, em avião fretado pelo Distrito Especial Sanitário Indígena (Dsei), que agora é vinculado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

Seu pai contou ao acritica.com que espera que Luciane tenha acesso a um tratamento de fisioterapia para que ela volte a andar normalmente.

“Ela pisa com dificuldade.  Não anda muito longe.  Isso deve ter acontecido por causa dos cortes que levou na perna durante o primeiro atendimento”, disse Barreto.

Segundo o indígena, desde que retornou ao Alto Rio Negro, Luciane recebeu apenas tratamento dos pajés da aldeia.

Estudos

A intenção de José Maria Barreto é que Luciane passe a morar em Manaus devido à necessidade da fisioterapia.

A menina vai morar com o tio, João Paulo Barreto, 38, que cursa Direito na Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e é mestrando em Antropologia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

“Ela trouxe todas as documentações da transferência escolar.  Vai estudar a sétima série, mas ainda vamos atrás para fazer a matrícula”, disse João Paulo.

O caso envolvendo Luciane Barreto também ultrapassou a temática meramente clínica.  Em 2009, o MPF/AM chegou a promover um debate que incentivava a inclusão do tratamento tradicional nos atendimentos médicos nas unidades de saúde do Estado.

“A gente quer voltar a discutir essa proposta”, disse o tio da menina.

José Maria Barreto retornará, após o início do tratamento, à sua comunidade, onde ele tem mais quatro filhos.  Luciane é a mais nova.

Uma viagem em embarcação de recreio (comum na região amazônica) entre a comunidade onde vive Barreto e a sede de São Gabriel da Cachoeira dura uma semana.

http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=376405

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