I Simpósio Brasileiro de Saúde Ambiental da ABRASCO: “Carta da Saúde Ambiental”

Belém do Pará, Dezembro de 2010

Aprendendo com a história, setores cada vez mais amplos da sociedade se movem para re-conceber, em bases harmoniosas e igualitárias, a nossa relação com a Natureza e nossos projetos de futuro. Para isto, nos mobilizamos, cerca de 1000 professores, pesquisadores, estudantes e técnicos, aqui presentes, para debater acerca da responsabilidade do campo da Saúde Ambiental brasileira neste especial momento da trajetória humana no Planeta Terra.

Há, entre nós, um sentimento comum de indignação e não passividade para com a apropriação da ciência e da tecnologia pela racionalidade instrumental econômica, que concorre significativamente para a crise civilizatória, nas dimensões ambiental, econômica, sócio-sanitária e política, como também denuncia uma crise ética e paradigmática do conhecimento científico.

Qual o papel da ciência neste contexto? Como articulamos o modo de produção e consumo das sociedades contemporâneas com o ambiente e a saúde? Como isto se expressa no modelo de desenvolvimento delineado pela globalização e pela reestruturação sócio-espacial da produção? Em que medida o Estado Nação tem sido capaz de fazer valer seu papel, se antecipando às ofensivas do grande capital e protegendo a população e os ecossistemas? Qual o papel da sociedade civil organizada no enfrentamento destes problemas?

A questão ambiental, conformada por uma lógica de intervenção da sociedade no sentido da apropriação da natureza, ou mais especificamente, uma lógica capitalista de produção e consumo, nos coloca o desafio de compreender e analisar as conexões entre os processos produtivos, as relações sociais e a saúde, assim como as desigualdades dos riscos à saúde e das vulnerabilidades socio-ambientais.

Na vigência de uma economia cujo mercado está mundializado, nossa biodiversidade, a riqueza do subsolo e fontes de água, a extensão de nossa terra, a capacidade de trabalho do povo, e até mesmo as seqüelas de sua secular exclusão, são elementos que delimitam uma escolha político-econômica que subestima seus próprios efeitos deletérios ao ambiente e à saúde das populações. Ademais, não prevê formas efetivas de recuperação da natureza e de prevenção e cuidado com a saúde humana. Este desenho nos inclui na economia global na condição de país produtor e exportador de commodities agroindustriais, num modelo monocultor químico-dependente de padrão agro-bio-tecnológico, que se expande sobre biomas como a Amazônia e o Cerrado. Somam-se a esta configuração as cadeias de mineração-aço e petroquímica, entre outras, que produzem expressiva contaminação ambiental e danos à saúde humana.

Este é o pacto perverso do capitalismo atual, que produz injustiças ambientais e nos coloca importantes desafios para o seu enfrentamento.

Se este modelo nos colocou entre as seis maiores economias do mundo, ainda não se conseguiu superar as distâncias existentes entre esse “progresso” e o grande acúmulo de riquezas que ele possibilitou, com o desenvolvimento humano e seus indicadores no campo do saneamento, da educação, da saúde, e da qualidade ambiental.

O Estado brasileiro tem se colocado, muitas vezes, de forma subordinada aos ditames das grandes corporações internacionais e facilitado sua instalação, no país, disponibilizando vultosos recursos públicos para estes investimentos e as infra-estruturas que demandam.

Assim, grande parte das comunidades, que no discurso hegemônico seriam beneficiadas pelo crescimento econômico, passam a ser atingidas por ele, expulsas de suas terras e afastadas de seus ecossistemas, perdendo sua segurança e soberania alimentar, sob o aceno de insuficientes medidas compensatórias focais.

A complexidade e as incertezas do conhecimento científico devem ser consideradas nos processos de tomada de decisão político-técnicos voltados para o estabelecimento da regulação de parâmetros ambientais e do trabalho, que visem à proteção à vida e à saúde. Torna-se imperativo que as políticas públicas se voltem para essas questões e se utilizem de princípios éticos e precaucionários diante dessas incertezas, dialogando respeitosamente com outros saberes e culturas.

No contexto da ordem mundial dos “neo” colonialismo, imperialismo e liberalismo, dialeticamente, povos indígenas, afrodescendentes, comunidades tradicionais, trabalhadores e moradores das periferias urbanas resistem e avançam na construção de alternativas a este modelo, como são a Agroecologia e a Economia Solidária, preservando suas culturas e saberes de cuidado com a Vida.

Colocamos-nos ao lado dos cuidadores da vida e afirmamos a importância da práxis na produção de uma ciência cidadã, com pressupostos éticos, que supere as barreiras disciplinares e os muros da academia, para produzir processos coletivos de produção de conhecimentos emancipatórios e de proteção da saúde e do ambiente.

Nesse sentido é necessário desenvolver e aprofundar teorias e técnicas que auxiliem o entendimento das influências do meio ambiente na saúde e forneçam subsídios para a formulação de respostas apropriadas do ponto de vista da Saúde Pública e, dessa forma, possibilitem intervenções consistentes e efetivas através de abordagens integradoras e globalizantes. A práxis nos compromete a lutar por Políticas Públicas que assegurem o direito à saúde e ao ambiente saudável, para o qual uma nova concepção de Ciência e Tecnologia tem papel fundamental.

Enviado por Fernando Carneiro.

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