A luta contra a violência doméstica

No dia latinoamericano e caribenho de luta contra a violência contra a mulher, feministas exigem intensificação de políticas públicas

Dafne Melo, da Redação

O ano de 2010, no Brasil, foi cheio de casos midiáticos – como o de Mércia Nakashima e de Eliza Samúdio – que mostraram o quanto a violência contra a mulher está presente na sociedade brasileira e o quanto se deve caminhar para coibir a violência contra a mulher. “As políticas públicas existentes hoje devem ser intensificadas, implementadas e, além disso, nós queremos ter o controle social dessas políticas”, explica Sônia Coelho, da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e da Marcha Mundial de Mulheres, durante um ato no centro de São Paulo que reuniu, no dia 25 de novembro, dezenas de mulheres em frente à Secretaria de Justiça. “Estamos aqui no dia latinoamericano de luta pela não violência contra as mulheres para exigir do governo do Estado de São Paulo que implemente o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher”, afirmou Sônia.

O Pacto foi elaborado em âmbito federal pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e lançado em agosto de 2007, pouco mais de um ano após a Lei Maria da Penha. É um acordo federativo entre o governo federal, os governos dos Estados e dos municípios brasileiros para o planejamento de ações que visem à consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres por meio da implantação de políticas públicas integradas em todo território nacional, criando condições para que a Lei Maria da Penha possa ser posta em prática.

Reivindicações

O Pacto tem que ser assinado por cada Estado. Roraima e Santa Catarina são os únicos estados que ainda não assinaram. São Paulo assinou apenas no final de 2008, após muita pressão dos movimentos feministas. Entretanto, até hoje, o Estado não definiu um orçamento para implementar o Pacto. “Se só uma parte pactua, então não há pacto. São Paulo ainda não possui um órgão responsável pelas políticas contra a violência [sexista]”, afirma Sônia, que explica que no início do ano que vem será feita uma audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para exigir que no orçamento de 2011 seja reservado um recurso específico para o Pacto. “Infelizmente, este ano já não há como exigir nada, mas queremos garantir que no ano que vem haja recursos”, conta Sônia.

Os números de São Paulo mostram o quanto o problema necessita de esforços. De janeiro a setembro, 27 mulheres foram assassinadas no Estado. A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 –, que recebe queixas de violência contra a mulher, registrou alta de 112% de janeiro a julho em comparação com o mesmo período de 2009.

Dados fornecidos pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República apontam 343.063 atendimentos nos sete primeiros meses de 2010 – pelo disque denúncia (180). São Paulo foi o estado com maior número de denúncias.

Segundo o Mapa da Violência 2010, organizado pelo Instituto Sangari, uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil, o que faz do país o 12° no ranking mundial de assassinatos de mulheres. Quarenta por cento dessas mulheres têm entre 18 e 30 anos, e a maioria é morta por parentes, maridos, namorados, ex-companheiros ou homens que foram rejeitados por elas.

Avançar

Para Sônia, somente será possível avançar no Estado de São Paulo se houver investimento em diversas áreas, como Saúde, Habitação e Justiça, criando mais delegacias de mulheres e juizados especiais, conforme definido pela Lei Maria da Penha, e com pessoal qualificado para atender casos de violência doméstica. O Estado possui 645 municípios e apenas 129 delegacias entre capital e interior, sendo que a maioria delas não funciona nos fins de semana ou de noite, momentos em que mais ocorrem casos de violência. Há também apenas 107 serviços de saúde especializados para receber e orientar as mulheres vítimas de violência.

Um dos casos mais urgentes é a criação de juizados especiais com equipes multiprofissionais, visto como uma das condições para a efetivação da Lei Maria da Penha. Hoje, a maioria dos casos vai para as varas criminais comuns, que muitas vezes não têm o preparo necessário para atender a especificidade da violência contra a mulher. No Estado de São Paulo, até agora, foi criado apenas um Juizado de Violência Doméstica, vinculado à 8ª Vara Criminal. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), essas varas não apresentam a estrutura adequada para atender os casos de violência e acolher conforme exige a lei Maria da Penha.

Os números da violência

– Hoje, em todos os 5.564 municípios do Brasil, há apenas 68 casas-abrigo e 146 centros de referência, que entram na categoria de centros de assistência social. O ideal seria que houvesse cerca de três mil desses estabelecimentos.

– No aspecto jurídico, há 56 núcleos de atendimentos especializados em defensorias públicas e 475 delegacias da mulher ou postos especializados. Há, ainda, 147 juizados ou varas especializadas em violência contra a mulher; o ideal seria ter, pelo menos, uma vara em cada uma das cerca de 2.600 comarcas do país.

– Nos últimos quatro anos, o serviço telefônico de atendimento a mulheres vítimas de violência, o 180, teve um aumento de acesso de 1.700%. O Estado de São Paulo lidera o ranking de ligações.

– Dentre as mulheres que acessam o serviço, 69% são agredidas diariamente. A maioria das mulheres que liga é negra, com 43%. A idade de 56% das mulheres fica entre 20 e 40 anos, e 52% estão casadas ou em união estável.

– Mais da metade da população, 55%, conhece pelo menos uma mulher vítima de agressão.

– A Lei Maria da Penha é conhecida por 78% da população. Movimentos feministas e de mulheres afirmam que esse número não reflete um conhecimento qualitativo da lei.

– A Delegacia da Mulher é citada como o primeiro lugar que a mulher deve ir em caso de agressão por 78% das pessoas.

– A maioria das pessoas, 56%, não confia nos serviços de proteção jurídica e policial para mulheres agredidas. Desses, 25% afirmam que as leis não são suficientes, 13% dizem que a polícia considera outros crimes mais importantes, 11% criticam os policiais por não levar as denúncias a sério e 7% acreditam que juízes e policiais são machistas e até concordam com o agressor.

– Um balanço do Conselho Nacional de Justiça mostrou que apenas 2% dos processos concluídos contra agressores, enquadrados na Lei Maria da Penha, resultaram em punição.

Fontes: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e pesquisa Ibope/Avon – 2009.

http://www.brasildefato.com.br/node/5193

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