Escravidão é encontrada em duas plantações de morango

Buraco utilizado como "banheiro" pelos libertados das áreas em Cambuí (MG) (Foto: SRTE/MG)

Dezenas trabalhavam sem registro, sem acesso adequado à agua potável e sem instalação sanitária, em áreas de cultivo no Sul do Estado. Havia risco de intoxicação por agrotóxicos. Adolescentes foram flagrados em galpão.

Por Bárbara Vidal

Um grupo de 39 trabalhadores foi flagrado em condições análogas à escravidão em propriedades de cultivo de morangos em Cambuí (MG), no Sul do Estado. A disponibilidade de água potável para consumo não era adequada, os trabalhadores não tinham acesso a instalações sanitárias estruturadas e alguns deles eram submetidos a dívidas com o empregador.


Outros 10 trabalhadores – sete deles adolescentes com menos de 18 anos de idade – foram encontrados em um galpão montado para a seleção, embalagem e armazenamento das frutas. Eles estavam expostos à contaminação de agrotóxicos, que eram armazenados em local aberto e sem sinalização. Ao todo, 51 pessoas trabalhavam irregularmente – somente duas tinham a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada.

As vítimas estavam dispersas em duas propriedades pertencentes a Jossiel Virgínio Pimentel: uma das áreas é chamada de Sítio Rio Acima e tem 185 mil pés de morango plantados; a outra é conhecida como Fazenda do Doutor Newmann, com 220 mil pés da fruta. Ambas estão localizadas no bairro Rio do Peixe, na zona rural do município de Cambuí (MG).

Há quase cinco meses no serviço, os empregados moravam no entorno dos imóveis de cultivo de morango e voltavam (a maioria deles caminhando) para suas casas depois do expediente. As jornadas de trabalho não eram registradas. Mas, de acordo com relatos, estendiam-se, em média, até 10 h diárias, com intervalo de no máximo 30 min para repouso e almoço.

Havia 13 mulheres no grupo de libertados. Uma delas contou à Valéria Guerra, auditora fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego da região (SRTE-MG), que elas tiveram que construir banheiros com toras envoltas de plástico com um buraco no chão, pois se sentiam constrangidas em momentos de extrema necessidade. “Elas evitavam ao máximo usar o ´banheiro´. E isso pode levar a contrair infecções”, declara Valéria.

A refeição era feita em área contruída (também com toras e plástico) pelos próprios trabalhadores – sem mesa ou cadeiras. Eles levavam água potável de casa. Garrafas plásticas eram enterradas na tentativa de manter a água fresca. Havia uma única fonte de água nas proximidades das frentes de trabalho, mas para chegar até lá, os trabalhadores tinham de pular de um lugar íngreme, com cercas, colocando a segurança em risco.

Os próprios trabalhadores compravam suas marmitas, que eram guardadas no local por eles construídos. A comida era comumente aquecida com fogo ateado em álcool, de forma perigosa.

Adolescentes

Já no galpão onde estavam sete adolescentes – que tinham entre 15 e 17 anos – e mais três pessoas, havia uma pequena copa para as refeições, com filtro de água à disposição. No entanto, os trabalhadores exerciam atividades sem vínculo algum e em período noturno, o que é proibido por lei. Dependendo do dia, eles trabalhavam mais de 12 h de pé na linha de embalagem, exercendo movimentos repetitivos, forçando a postura e despendendo bastante esforço físico em condições impróprias.

Cinco adolescentes trabalhavam em condições insalubres, sujeitos a problemas ergonômicos e com acesso à câmara fria sem equipamentos de proteção individual (EPIs). A auditoria encontrou uma única blusa comum de frio, que era usada por todos que lá entravam.

Os adolescentes com menos de 16 anos não puderam ter o registro em carteira de trabalho e, devido a isso, houve um acerto do pagamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e das verbas rescisórias, que receberam por meio de seus responsáveis legais. Os outros assinaram rescisão, foram indenizados e também receberam o FGTS na presença de responsável.

O proprietário Jossiel também era proprietário de duas edificações próximas da área urbana do município, onde também eram armazenados, selecionados e embalados os morangos. Ao lado dos imóveis, também eram guardadas grandes quantidades de agrotóxicos junto com outros objetos, em local de acesso livre, sem paredes e sem a sinalização exigida pela norma.

A fiscalização foi composta pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE/MG) e por agentes da Polícia Federal Rodoviária (PRF). “Toda a equipe explicou o ponto de vista legal e médico aos responsáveis dos adolescentes falando sobre os riscos que eles corriam”, comenta a auditora Valéria. Por isso, segundo ela, não foi preciso a intervenção do conselho tutelar no ocorrido. O Ministério Público do Trabalho (MPT) não participou da ação, mas já recebeu o relatório da operação.

Riscos

Não havia, nas lavouras de morango, controle adequado do uso de agrotóxicos e nenhum dos trabalhadores que fazia a aplicação dos produtos químicos tinha capacitação exigida por lei. Os EPIs existentes no local estavam danificados ou eram inadequados. Além de descontar dos próprios trabalhadores o custo dos EPIs – o que resultava no acúmulo de dívidas -, o empregador e proprietário também não disponibilizava vestiários para a troca dos equipamentos. Salvo aqueles que aplicavam agrotóxicos regularmente, não havia sistema de endividamento com relação aos demais.
Segundo a fiscalização, o proprietário fornecia para duas grandes redes de supermercados, que faziam o controle superficial da aplicação de agrotóxicos. Há empregadores, avalia Valéria, que preferem esconder a periculosidade dos químicos e deixam os trabalhadores expostos a riscos de saúde, sem explicar as formas corretas de aplicação dos produtos.

O contato desregrado com os agrotóxicos pode provocar intoxicação aguda (náuseas, tonturas, vômitos, desorientação, dificuldade respiratória, sudorese e salivação excessiva, diarréia, chegando até coma e morte) e intoxicação crônica (distúrbios comportamentais como irritabilidade, ansiedade, alteração do sono e da atenção, depressão, dor de cabeça, fadiga, formigamentos etc.).

Não havia Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) firmados pelo MPT com o empregador em decorrência de problemas trabalhistas anteriores. De acordo com a coordenadora Valéria, como a região é relativamente próxima a grandes centros urbanos como São Paulo (SP), a cooptação de empregados segue estratégia mais sutil, que não necessariamente envolve o cerceamento do direito de ir e vir. “Todos [os libertados] tinham relação próxima do empregador. Era um senhor que tinha trato com eles”, diz.

O proprietário das plantações foi autuado por efetuar o pagamento por diárias trabalhadas. Não estava sendo cumprido o descanso semanal remunerado, previsto na legislação. A cobrança pelas verbas rescisórias foi de R$ 341 mil. Também foram emitidas diversas autuações devido às condições incorretas de armazenamento e aplicação dos agrotóxicos.

A Repórter Brasil tentou entrar em contato com o dono das plantações de morango, Jossiel Virgínio Pimentel, mas não consegui encontrá-lo.

http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1810

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