Os excluídos da Europa

Com a deportação de milhares de ciganos romenos e búlgaros para seus países de origem por ordem do governo francês nas últimas semanas, mais uma vez a atenção do mundo volta-se para a minoria mais desprivilegiada do continente — a maior parte vivendo no Leste Europeu. Mesmo com o ingresso dos países dessa área na União Europeia (UE), os milhões de ciganos de Romênia, Hungria ou Bulgária continuaram a viver em guetos, como ilhas do Terceiro Mundo na rica UE. Alvos da violência neonazista na Hungria, ameaçados na Romênia, os ciganos tornam-se bodes expiatórios também nos seus países de origem.

— Sempre que a situação fica mais difícil, os ciganos voltam a ser perseguidos, como em tantas vezes na História — lamenta Florian Cioaba, de Sibiu, na Romênia, vice-presidente da Associação Mundial dos Ciganos.

A reportagem é de Graça Magalhães-Ruether e publicada pelo jornal O Globo,, 19-09-2010.

Embora a situação geral tenha melhorado na Europa Oriental com o fim do comunismo há 20 anos e ingresso na UE, para a minoria, as mudanças trouxeram retrocesso.

Na era comunista, eram integrados ao sistema de produção, embora em profissões simples.

Muitos trabalhavam como ajudantes na construção civil. Com a privatização e o fechamento de empresas, foram os primeiros demitidos em consequência da baixa qualificação. E perderam de novo com o ingresso na UE. Com a pressão pelo saneamento das finanças públicas, foram cortadas verbas para minorias pobres, agravando a situação.

Autoproclamado rei dos ciganos, Cioaba, de 57 anos, diz recear o pior. Segundo ele, a ação francesa poderia desencadear “uma reação em cadeia” na Europa. Cioaba teme que mesmo os ciganos da Alemanha ou França, há séculos nesses países, poderiam terminar vítimas de mais discriminação. O medo não é gratuito: uma pesquisa da Comissão Europeia, em 2008, mostrou que 25% dos cidadãos da UE sentiriam desconforto em ter um cigano como vizinho, contra 6% que manifestaram o mesmo em relação a outra minoria. Romani Rose, presidente do Conselho Central dos Ciganos da Alemanha, vê com preocupação o anticiganismo.

Segundo ele, a discriminação atinge um nível nunca visto desde a Segunda Guerra, quando o nazismo assassinou 500 mil ciganos.

Outros países já seguiram trilhas semelhantes à da França. Em 2007, as eleições italianas foram palco de uma inflamada discussão sobre a “ameaça” dos ciganos do leste, que terminou favorecendo a vitória do premier Silvio Berlusconi. Recentemente, acampamentos ciganos têm sido alvo da polícia. Por sua vez, a Alemanha deu inicio à deportação de 12 mil ciganos de Kosovo, que imigraram para o país nos anos 1990 durante a guerra na Iugoslávia.

Em 2009, um acampamento no centro de Berlim foi desmontado sem alarde. Cada um recebeu G 250 para deixar a cidade. Como têm passaporte da UE, eles podem ir para qualquer país sem visto de entrada.

— Aqui acontecem muitas coisas que não despertam a atenção pública como na França — Ines Biesewinkel, da ONG Rom e.V., ressaltando que o governo alemão age na surdina.

Muitos dos deportados pela França vão para Prislop, um gueto cigano a 15 quilômetros de Sibiu, na Romênia, que simboliza a segregação no Leste Europeu. Se em Sibiu 18% da população têm educação superior e quase 100% nível médio, em Prislop a taxa de analfabetismo é grande. Apenas uma minoria termina o Ensino Médio e faz um curso profissionalizante.

A jornalista Ruxandra Stanescu afirma que a minoria foi a que mais perdeu com as transformações dos últimos anos. Eles já eram pobres e foram praticamente abandonados nos guetos, separados e discriminados pelas populações locais.

O retrato disso — e de como a situação pode piorar — está na Hungria, onde o partido Jobbik tornou-se a terceira força no Parlamento com uma campanha contra a “criminalidade cigana”. O deputado Csanad Szegedi apresentou no Parlamento Europeu a proposta de criação de campos de concentração para os ciganos com toque de recolher às 22h. Esse populismo de extrema-direita levou ao aumento de ataques aos ciganos — 20 nos últimos dois anos, com duas mortes. Em Sajokaza, a 200 quilômetros de Budapeste, o gueto cigano pode ser reconhecido pelos casebres de barro. Nas ruas, não há asfalto ou urbanização.

Para Liviya Yaroka, deputada húngara de origem cigana, o problema já existia quando o comunismo acabou, e depois nada foi feito para melhorar seu padrão de vida. Sem emprego, educação nem condições materiais aceitáveis, os ciganos começaram a emigrar para a Europa Ocidental, onde chamam a atenção como pedintes. Segundo a deputada, quase 80% dos europeus julgam que ser cigano é uma desvantagem.

Talvez isto tenha levado Dzoni Sichelschmidt, cigano kosovar de 39 anos, a contar à família da mulher alemã que era albanês. Só mais tarde, o assistente social teve coragem de dizer a verdade.

A deputada Yaroka confirma alguns dos clichês sobre os ciganos, como o de que muitas famílias exploram suas crianças obrigando-as a pedir esmola. Já o nomadismo ela contesta.

Apenas 5% são hoje nômades. As migrações para a Europa Ocidental têm por objetivo o acesso a uma vida melhor. Eles esperam conseguir emprego e uma boa moradia. Mas continuam desempregados e excluídos.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=36454

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