O futuro, vítima da eleição

Marcos Sá Corrêa – O Estado de S.Paulo

Quem está perdendo a eleição presidencial é Serra Grande. Não confundir com outro Serra, o “Zé”. Serra Grande é um remoto povoado no litoral baiano. Mal passa dos 3 mil habitantes. E não tem um segundo de horário eleitoral gratuito.

Por isso mesmo, é um exemplo eloquente de que a campanha vai mal, desde que a entrada triunfal dos marqueteiros na disputa transformou o que parecia uma onda de nacional de bem-estar passageiro em conformismo a perder de vista.

Serra Grande, tendo tudo para ser uma solução, virou problema. É uma amostra ainda viva daquele “País tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”, como se dizia do Brasil na década de 1970. Tem baleias-jubartes passando ao largo de suas praias. Florestas nativas beirando o mar, tão exuberantes que os atestados técnicos dos pesquisadores lhes conferem o recorde insuperável de diversidade na Mata Atlântica. E a modéstia das paisagens tão obviamente nativas que nem precisam de rótulos como “ecorresort” ou “beach park” para mostrar que são genuinamente brasileiras.

Seus riachos se chamam Tiguipi ou Ribeira. Mas não querem dizer que seus trunfos naturais são produtos típicos do atraso social e econômico. Parada no tempo ela ficou só até o fim da década de 1980, quando chegou lá a primeira estrada e, com o asfalto, as promessas e ameaças do desenvolvimento.

Serra Grande tomou a tempo um desvio para o crescimento civilizador. Cercou-se de uma área de proteção ambiental, a APA de Itacaré-Serra Grande. Aninhou-se num parque estadual, o do Conduru, com 9,3 mil hectares de florestas, encravados em 100 mil hectares de matas, manguezais e restingas.

Vista dos morros do Conduru, com o Atlântico moldado em contornos mediterrâneos pelas enseadas verdes, dá a impressão de que nasceu para balneário e mafuá. Mas, na região, os passos foram cautelosos e negociados. A hotelaria teve de hospedar, antes de mais nada, vastas áreas da vegetação original em reservas privadas. Os proprietários de lotes aprenderam a olhar a floresta como luxo primordial.

Com eles vieram ONGs, institutos e doadores, que bancaram o reflorestamento de matas degradadas, receberam bairros populares com arquitetura e saneamento, trocaram invasões de morros por reassentamentos agrícolas ligados a feiras de produtos orgânicos.

Brotaram em Serra Grande programas de pós-graduação para aplicar lá mesmo os derivados práticos das últimas palavras em teoria da conservação. A cidade tem sonhos de ser um polo de conhecimento aplicado ao uso racional da terra. Quem sabe, ressuscitar a economia do cacau, transformando sua secular parceria com a floresta na base de uma indústria de chocolates finos, com marca de origem.

Nada disso impediu que o governo Jacques Wagner desse, nesta semana, o passo decisivo para sacrificar a APA de Itacaré ao Porto Sul. Trata-se de abrir passagem na floresta protegida para a Bamin – ou seja, a Bahia Mineração, um consórcio de empresas da Índia e do Casaquistão, para vender à China 18 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. Baianos mesmo, na Bamin, fora o minério, é a ferrovia de 700 quilômetros, que o Estado construirá da mina em Caitités até o mar, e o porto. No caminho fica Serra Grande e uma tal de Lagoa Encantada.

Com a obra, Ilhéus amanheceu outro dia sob o letreiro “de braços abertos para o futuro”. Com esse futuro, Serra Grande é empurrada de volta ao passado, sem que ninguém na campanha presidencial se lembrasse de discutir que Brasil será esse que se constrói há mais ou menos 510 anos.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100820/not_imp597628,0.php

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