Mudanças políticas não são efetivas

Alcida Rita Ramos

O que há para comemorar neste Dia Internacional dos Povos Indígenas? O que têm a dizer as 370 milhões de pessoas ao redor do mundo que se auto-identificam como indígenas? O que dirão, por exemplo, os Guarani Kaiowá de Dourados, Mato Grosso do Sul, ao se verem confinados em irrisórios retalhos de sua antiga terra indígena, contaminados com agrotóxicos disseminados pelos plantadores de soja, abandonados pelo governo federal, assistindo impotentes ao suicídio de seus jovens?

Depois de cinco séculos de conquista europeia, continuamos a ver a sua face perversa exposta na má vontade da esmagadora maioria dos Estados-nações para com os povos autóctones submetidos ao seu controle. Constatamos uma rara unanimidade mundial: os povos indígenas seguem sendo o segmento mais pobre das nações. Países sul-americanos, como o Brasil, a Colômbia, a Venezuela, o Equador, a Bolívia, cederam à força das demandas políticas indígenas e inscreveram em suas novas constituições direitos inéditos concedidos aos originais donos do continente.

No entanto, muitos dos ganhos constitucionais não passam de efeitos de papel, sem a regulamentação necessária para que se tornem instrumentos eficazes. Em não poucos casos, trata-se de mudar para não mudar, mantendo-se basicamente intacta a arraigada estrutura de desigualdade étnica. Os grandes vilões dos tempos atuais são os projetos de desenvolvimento que deslumbram os Estados, especialmente aqueles em franca ascensão econômica. Hidrelétricas, rodovias e agroindústria nunca combinaram com direitos indígenas e continuam sendo a grande ameaça à integridade social e física dos povos aborígines, como bem sabem os Guarani de Dourados.

Então, não há nada a comemorar neste dia? Há. Podemos celebrar a força e determinação dos povos indígenas de todo mundo que, contra tudo e contra todos, continuam vivos e atuantes na arena política local e global. No Brasil, podemos aplaudir as iniciativas que estão levando cada vez mais indígenas às universidades, transformando sua anunciada “incapacidade civil” em sofisticação interétnica, capacitando-os para fortalecer suas tradições através da aquisição de conhecimentos de várias ordens. Quanto mais estudam, mais fortes ficam suas convicções culturais e étnicas. Conhecimento acadêmico transforma-se então em fortalecimento cultural e político.

Isso é especialmente evidente nos foros internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), pois graças ao protagonismo indígena mundial, hoje temos valiosos instrumentos de defesa indígena contra os abusos dos Estados-nações, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração de Direitos Indígenas, aprovada pela Assembleia Geral da ONU a 13 de setembro de 2007. Representantes indígenas do Brasil participaram do processo que culminou na aprovação desse importante documento.

No entanto, como dizem os próprios índios, “o importante agora é pensar na implementação dos nossos direitos ali reconhecidos, em como torná-los realidade para nossos povos que vivem nas aldeias”. Que o respeito pelos índios demonstrado na ONU contamine a nação brasileira e atinja a todos com o desejo de alcançar a tão almejada justiça étnica.

http://www.unb.br/noticias/unbagencia/artigo.php?id=291

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