Uma tribo na rota da fibra óptica

Na trilha que leva o Brasil para a inclusão digital, o trajeto desenhado para a expansão das redes de fibra óptica passa pela necessidade de equilibrar o interesse social às motivações políticas e empresariais. Um capítulo atual desse percurso encarado pela operadora de telecomunicações Oi na região Norte do país, no entanto, é o exemplo claro de que em algumas situações esse roteiro exige habilidade extra de diplomacia e capacidade de negociação. A reportagem é de André Borges e publicada pelo jornal Valor, 16-07-2010.

A Oi precisa instalar uma rede de fibra óptica entre as capitais de Roraima e Amazonas. O projeto, que vai interligar as cidades de Boa Vista (RR) e Manaus (AM), foi uma das exigências feitas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em dezembro de 2008, para autorizar a companhia a adquirir a Brasil Telecom. O cabo de fibra parte de um tronco nos Estados Unidos, entra no mar, cruza o Caribe e corta a Venezuela até chegar ao Brasil. O que acontece é que há uma reserva indígena no meio do caminho.

A construção da rede deve ser feita ao longo da rodovia BR-174, que liga Manaus a Boa Vista, mas dos 758 quilômetros de estrada que separam as duas capitais, 125 estão dentro da reserva dos índios Waimiri Atroari. Neste trecho, quem manda são os índios.

A parte da estrada que corta a reserva é controlada pelos Waimiri Atroari. Diariamente, às 6h da manhã, os índios liberam o acesso à estrada e às 18h eles fecham a BR. “Eles decidiram parar com o tráfego noturno porque os carros estavam matando muitos animais da região”, diz Cristiano Oliveira, gerente de desenvolvimento e diversidade cultural da Secretaria dos Povos Indígenas do Amazonas.

O resultado é que a dificuldade em negociar com os índios atrasou os planos da Oi. Durante encontro com representantes da operadora realizado em abril, o governador do Amazonas, Omar Aziz (PMN), lembrou que a previsão inicial era ter a obra concluída em março. Na ocasião, o gerente de operação e implantação de rede da Oi, Afonso Fernandes de Vasconcelos Neto, afirmou que 47% do total da obra estava pronta e que sua previsão era ativar o sinal da rede neste mês. “Até agora, a obra nem chegou até a reserva”, diz Marcelo Cavalcante, coordenador do Programa Waimiri Atroari.

Procurada pelo Valor, a Oi informou, por meio de nota, que “não considera adequado divulgar informações sobre as negociações [com os índios].” Segundo a operadora, sua equipe “trabalha para concluir no menor tempo possível a ampliação da rede de fibra óptica até Manaus” e acrescenta que está dentro do prazo estabelecido pela Anatel para o projeto. De acordo com a Anatel, a empresa tem até dezembro para concluir a instalação da rede.

Para o governador do Amazonas, os contratempos na obra têm razões bem claras. “A previsão inicial era que em março deste ano nós teríamos a rede de fibra óptica já instalada e funcionando na cidade de Manaus”, disse Omar Aziz, conforme ata de reunião com a Secretaria de Planejamento do Amazonas, com participação da Oi. “Vocês já estão há um tempo bastante razoável fazendo isso [a obra] e não conseguiram ainda negociar com os Waimiri Atroari. Eu lhes aconselho a negociar diretamente com as lideranças dos Waimiri Atroaris e até nem esperar pela Funai, senão [esse projeto] não vai sair”, acrescentou Aziz.

Durante o encontro, o governador lembrou uma situação anterior vivida com os Waimiri Atroari, para asfaltar a BR-174. “A negociação foi feita diretamente com eles e eu estive na tribo naquela época. Eles não aceitam imposição de ninguém, tanto é que chega um certo horário eles fecham [o acesso à estrada] e passa se eles quiserem.”

Embora a Oi não tenha revelado detalhes sobre a negociação com os índios, a secretária do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS) do Amazonas, Nádia Ferreira, afirma que operadora e tribo já chegaram a um acordo, após intermediação da SDS. Os índios fizeram uma lista de exigências para permitir que a obra avance. Na relação de pedidos está a instalação de telefones, câmeras e acesso à internet em quatro postos de fiscalização ao longo da estrada. A relação inclui a distribuição de aparelhos de comunicação via rádio entre as 22 aldeias da tribo, celulares com tarifação livre e servidores (computadores de grande porte) para gerenciar dados entre os postos de vigilância.

“No início das negociações, a empresa resistiu em atender alguns dos pedidos, como as câmeras e os aparelhos de rádio, já que ela não trabalha diretamente com isso”, diz Nádia. “Mas depois mostramos para a operadora que a proposta era bem razoável e ela concordou em cumprir com as exigências.”

Segundo Marcelo Cavalcante, do Programa Waimiri Atroari, será feita uma análise sobre o local para instalação dos postos. “Se tudo der certo, acho que serão instalados em cerca de dois meses”, afirma.

O acordo pode ter saído bem barato para a Oi. “Só para fazer a BR-364, que liga Boca do Acre a Rio Branco, tivemos que pagar para as tribos indígenas em torno de R$ 15 milhões para que eles pudessem autorizar a gente a passar por aquele trecho”, disse Aziz no documento.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=34397

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