Relatório pede o banimento de todo o tipo de amianto. Votação será quarta-feira

Técnicos da Comissão de Meio Ambiente da Câmara veem risco de câncer em todas as versões do mineral. Votação é quarta-feira

Andrea Vialli – O Estado de S.Paulo – 26/06/2010

O Brasil deverá dar o primeiro passo para banir definitivamente o amianto crisotila. O Estado teve acesso ao dossiê preparado pelo Grupo de Trabalho do Amianto, da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, que propõe o banimento de todas as formas de amianto em todo o território nacional e será apresentado para votação na quarta-feira.

Na contramão, há um projeto de lei na Assembleia Legislativa de São Paulo, do deputado Waldir Agnello (PTB-SP), que pretende anular o efeito da lei estadual 12.684/2007, que proíbe a produção, transporte e manuseio do amianto no Estado. A reportagem tentou ouvi-lo, mas não obteve retorno.

O dossiê, cujo relator é o deputado federal Edson Duarte (PV-BA), levou dois anos para ser concluído e reúne, em 683 páginas, informações sobre a cadeia de produção do mineral no Brasil. Foram visitadas fábricas, minas desativadas e em operação e realizadas entrevistas com trabalhadores, médicos e executivos da indústria.

O relatório sugere a desativação da única mina de amianto ainda em operação no Brasil, localizada em Minaçu (GO). Entre outros pontos, propõe a inclusão da substância na lista de substâncias cancerígenas e a criação de uma política de incentivo às indústrias que atuam com amianto para que façam a transição para outra tecnologia. Também critica a atual posição do governo federal em relação à continuidade do uso da substância.

“O atual governo tomou posição pelo “uso controlado do amianto”. A postura é constrangedora diante das demais nações, uma vez que vai em direção contrária à onda mundial, que é pelo banimento do amianto (…) É vexatório saber que, ao tempo que o mundo inteiro fecha as portas ao amianto, o Brasil continua levando a fibra aos trabalhadores pobres de outros países”, diz o relatório.Cerco. Fibra natural muito utilizada na fabricação de telhas, caixas d”água e pastilhas de freio para carros, o amianto crisotila é a única variedade do mineral cuja exploração ainda é permitida no Brasil, de modo controlado. A substância, no entanto, já foi banida em 58 países e hoje há cerca de 70 projetos de lei, nas três esferas, que sugerem seu banimento. A exposição ao amianto está ligada a doenças como câncer de pulmão, asbestose (fibrose pulmonar) e males gastrointestinais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o potencial carcinogênico do amianto. Segundo a OMS, o modo mais eficiente de controlar essas doenças é interromper o uso do mineral. Além disso, dados da Organização Mundial do Trabalho (OIT) apontam que, por ano, 100 mil trabalhadores morrem em decorrência à exposição ao amianto, em todo o mundo.

Hoje a indústria do amianto movimenta R$ 2,6 bilhões/ano no Brasil e emprega cerca de 170 mil trabalhadores, em todos os elos da cadeia, sendo 600 na mineração. A produção anual é da ordem de 300 mil toneladas, e 53% desse volume é exportado para países onde a substância é permitida, como Índia, Tailândia e países africanos.

“O grande argumento a favor do amianto é de que seu banimento pode provocar a perda de empregos. Mas isso é uma balela”, afirma João Carlos Duarte Paes, presidente da Associação Brasileira das Indústrias e Distribuidores de Produtos de Fibrocimento (Abifibro). Segundo ele, o banimento do amianto geraria perda de empregos apenas na mineração, pois as indústrias poderiam se adaptar a tecnologias substitutas, como a fibra de polipropileno, em menos de seis meses. “Hoje 80% das empresas no Brasil já produzem fibrocimento (usado para fazer telhas) sem amianto. Manter o uso do crisotila não faz sentido. É um prejuízo à saúde da população.”

Países que baniram

África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Áustria, Bahrein, Bélgica, Brunei, Bulgária, Burkina Faso, Chile, Chipre, Cingapura, Coreia do Sul, Croácia, Dinamarca, Egito, Emirados Árabes, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Gabão, Grã-Bretanha (Escócia, Inglaterra, Irlanda do Norte, País de Gales)Grécia, Holanda, Honduras, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Jordânia, Kuwait, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Noruega, Nova Caledônia, Nova Zelândia, Omã, Polônia, Portugal, Principado de Mônaco, Qatar, República Checa, Romênia, Ruanda, Seychelles, Suécia, Suíça, Taiwan e Uruguai.Estados que baniram

Doenças do amianto não ocorrem mais no País, diz setor

Andrea Vialli – O Estado de S.Paulo

O Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC) classificou como “parcial” o conteúdo do relatório do Grupo de Trabalho do amianto, que deve ir a votação na quarta-feira. “As conclusões do dossiê nos deixam preocupados, pois não refletem a atual realidade do uso seguro que o Brasil faz do mineral”, afirma Marina Júlia de Aquino, presidente executiva do IBC. Segundo ela, o relator do dossiê, deputado Edson Duarte (PV-BA), já havia tomado posição contrária ao uso do amianto antes da elaboração do relatório.

“Não existe um reconhecimento da realidade atual do setor, que investiu em controle, em segurança do trabalhador”, diz Marina. “Não existem registros de doenças ligadas ao amianto desde a década de 1980”, completa.

Segundo ela, os casos de doenças relatados no dossiê por ex-trabalhadores da indústria refletem são fruto da falta de cuidado com o mineral que ocorreu no passado.

“A tecnologia de controle foi aplicada a toda cadeia produtiva, o que nos leva a afirmar que as doenças do amianto estão erradicadas no Brasil”, diz Marina. “Esse relatório tende a falar do passado.”

O que pega mesmo é a questão política

Fernanda Giannasi* – O Estado de S.Paulo

Está mais que patente que a proibição do amianto só não aconteceu por falta de decisão política, pois há interesses de se manter essa indústria decadente e que só sobrevive por conta do apoio governamental de incentivo à exportação. O mercado interno só absorve 35% da produção nacional e ainda assim mais por desinformação que opção; haja vista as caixas d”água e tubulações, que ninguém mais quer de cimento-amianto. Os tradicionais produtores de fibrocimento já oferecem essas caixas e tubulações feitas de plástico, que substituem com muita eficiência o mineral cancerígeno. É uma gama de produtos que cabem no gosto e no bolso do consumidor.

Com as telhas ocorre o mesmo. É falacioso o discurso de que o pobre vai ficar sem teto se o amianto for banido. A cobertura representa menos de 15% do custo final da obra, se contarmos apenas a edificação. Os postos de trabalho ameaçados pelo banimento são outro artifício empregado pelos defensores do amianto. Os números são fantásticos; chegam a falar em até 200 mil empregos gerados pela indústria do amianto. Mentira deslavada. São apenas 3 mil postos de trabalho gerados pelo setor, sendo que menos de 600 correm real risco de extinção, que são os trabalhadores da mineração do amianto.

Então quem é que ganha com a manutenção de uma tecnologia condenada em todo mundo? São políticos, sindicalistas, acadêmicos, entre outros, que se beneficiam diretamente de um setor agonizante, que paga uma fortuna para manter uma bancada de parlamentares para barrar qualquer avanço social ou mesmo promover o retrocesso no caso de leis aprovadas.

No vale-tudo dos lobistas do amianto, comparados em eficiência à indústria do tabaco, ameaças, processos e todo tipo de intimidação são usados para calarem os defensores do banimento. Subestimam nossa inteligência, garantindo que tudo será diferente e que não haverá mais nenhum doente, mesmo sabendo que as doenças do amianto podem levar até 50 anos para se manifestar. Eis a pergunta que não quer calar: o que dirão os candidatos à presidência da República e outros cargos eletivos sobre suas atuações em relação à catástrofe sanitária que presenciamos?

*É PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EXPOSTOS AO AMIANTO (ABREA)

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