A contra-reforma urbana em Fortaleza

* Igor Moreira

Muito se fala da atual onda de crescimento econômico no Brasil. Porém, mais uma vez o país está perdendo a oportunidade de ir além do aumento da capacidade de consumo de bens e serviços por uma classe média, acompanhado da inclusão de novos setores da massa popular a este mercado, consolidando a expansão e acumulação do capital em nosso país. Nada de reformas estruturais que transformem de fato a sociedade, uma das mais injustas do mundo.

No campo, aprofundou-se a concentração de terras (IBGE) e o processo de desterritorialização de populações. É o império do latifúndio e de grandes empreendimentos que, no interior e litoral do país, promovem a grilagem, a violência, assassinatos, expulsões, visando o enriquecimento da minoria “proprietária” voltada ao capital transnacional. Isso tudo sustentado por um poder político autoritário, clientelista, patrimonialista e corrupto, com tentáculos nos três poderes da república.

Se a reforma agrária vai perdendo espaço na agenda política, a reforma urbana não consegue pôr o pescoço para fora. De acordo com o professor Marcelo Lopes de Souza, os principais objetivos da reforma urbana são: “a) coibir a especulação imobiliária; b) reduzir o nível de desigualdade socioeconômica e de segregação residencial intra-urbana, ou seja, diminuir as desigualdades entre bairros ricos e pobres; c) democratizar o máximo possível o planejamento e a gestão do espaço urbano, ou seja, fazer que a população participe efetivamente da elaboração e da gestão de políticas públicas e projetos para sua cidade”.

As grandes intervenções atualmente em Fortaleza vêm se dando na contramão destes objetivos. Centro de Eventos, Aquário e Estaleiro. Tais empreendimentos privilegiam os interesses da especulação imobiliária, produzem concentração econômica, degradam a qualidade de vida de comunidades e são tocados sem nenhuma discussão com a população. Aliás, é sintomático que o governador esbraveje contra os que se opõem a qualquer destas intervenções. Na sua concepção política, cabe aos governantes e às elites econômicas definirem o futuro da cidade, restando aos cidadãos a aceitação passiva. Nossa população seria completamente desprovida de cidadania se não questionasse os rumos de investimentos de centenas de milhões de reais de dinheiro público na quarta cidade mais desigual do mundo (ONU). Tais investimentos atenuam a chaga da desigualdade? Respondemos que não, e o governo ao invés de nos ouvir responde com arrogância, dando de ombros aos anseios populares.

O Centro de Eventos está orçado em R$ 307 milhões (inicialmente R$ 279 milhões). Isso só a obra, pois muito mais terá de ser gasto para bancar o local escolhido, impróprio do ponto de vista urbano e ambiental, mas que satisfaz interesses de grupos econômicos que levam  nomes de tradicionais famílias da burguesia de Fortaleza. Sé em desapropriação foram gastos em torno de R$ 50 milhões de reais, boa parte abocanhada pelo grupo M. Dias Branco, grande especulador imobiliário que faturou alto sem precisar sequer roçar os terrenos, já que a valorização destes se deveu a investimentos públicos. Além disso, juntamente com grupo Edson Queiroz, viu sua reserva de terras na região (uma das mais urbanizadas da cidade) ganhar nova valorização pelo equipamento em si e pelas intervenções viárias que custarão R$ 78 milhões. Ótimo negócio também para o grupo Jereissati que verá o faturamento do seu shopping bombar em dias de eventos. Ou seja, mais concentração de infra-estrutura urbana e mais lucro para a especulação imobiliária. Enquanto isso centenas de milhares de pessoas não têm acesso a terra e infra-estrutura. E não têm direito de reivindicar que os R$ 50 milhões sejam investidos em desapropriações para terrenos aptos a moradia e equipamentos públicos, nem que os R$ 78 milhões sejam usados para urbanização de favelas.

O Aquário custará R$ 250 milhões, beneficiará grandes hotéis e companhias de turismo de capital estrangeiro (a CVC, p. exemplo, pertence a norte-americanos, os grandes hotéis…). Enquanto isso os parques naturais estão abandonados à degradação e apropriação criminosa pelo mercado imobiliário. O governo investe num modelo de turismo espetacularizado que não valoriza a natureza, a cultura nem a gente de Fortaleza. Assim como o Centro de Eventos, é um caso de socialização dos custos e concentração dos lucros – viva o capitalismo tupiniquim!

O Estaleiro do Titanzinho. Enquanto o governo gasta milhões para construir um aquário artificial com espécies exóticas, investe R$ 60 milhões para destruir um aquário natural, uma praia belíssima rica em espécies marinhas, em ondas para o surfe, paisagem magnífica e porto para pescadores. É um dos mais escandalosos casos de racismo ambiental da história recente de Fortaleza. A comunidade local se levantou contra, os movimentos sociais, ambientalistas, urbanistas, artistas… Poucas vezes se viu tamanho consenso entre a cidadania de Fortaleza contra um empreendimento. Mesmo assim, após um ano do seu anúncio, o risco continua vivo. Um possível deslocamento de metros ou quilômetros, não afasta a inviabilidade de sua construção em nossa orla, inviabilidade comprovada em estudo técnico encomendado pela PMF. Como dizem os movimentos de justiça ambiental, e repetem os movimentos do Serviluz, “não no meu quintal, nem em quintal algum!” O grito a “cidade tem prefeita” finalmente surgiu, tentando recuperar um pouco do poder da municipalidade se auto-planejar – esperemos que não seja engolido por acordos eleitorais.

Cabe ao povo de Fortaleza se organizar. Sobretudo porque virão grandes intervenções na infra-estrutura da cidade no bojo da preparação para a Copa. Precisamos impedir o avanço irremediável de uma cidade opressora para a maioria de seu povo. É hora de lutarmos pela democratização do acesso a terra e a infra-estrutura urbana e social, termos moradia de qualidade e desenvolvimento econômico e social com base na apropriação coletiva das potencialidades humanas e ambientais da cidade.

* Advogado e militante do Movimento dos Conselhos Populares-MCP.

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