Brasil, a agenda ‘esquecida’: Trabalho Escravo

Trabalho Escravo: vamos abolir de vez essa vergonha

O capitalismo agrário brasileiro vive um boom de crescimento e expansão espetacular. “O agronegócio brasileiro tem uma história de sucesso. Somos, hoje um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo. (…) Não fosse o agronegócio brasileiro, nossa balança comercial seria deficitária. É ele que equilibra o sistema de comércio externo brasileiro”, analisa Sergio Abranches. Uma vitalidade de dar inveja a qualquer governante.

Entretanto, essa pujança ofusca e minimiza questões sociais a ele relacionados. Compagina aspectos antagônicos de um Brasil, por um lado, extremamente moderno, e de outro, extremamente conservador. O campo brasileiro sintetiza uma faceta obscura da história de nosso país: faz conviver um progresso tecnológico e econômico e um atraso nas relações sociais de produção; um Brasil que se projeta para dentro do século XXI, mas imiscuído num caldo cultural que o mergulha nas sombras mais profundas do século XIX escravocrata.

Como o agronegócio ganhou peso na economia nacional e projeção internacional, as sequelas sociais e ambientais por ele produzidas são minoradas.

Olhar para o agronegócio é exaltar a capacidade criadora e a força exuberante do agronegócio, orgulho nacional. Referir-se aos resquícios do passado ainda presentes é descobrir-se nas mazelas deste sistema, algo sempre abjeto. Preferível olhar o vistoso, o esbelto, do que enfrentar as próprias sombras, que são sempre “chagas sociais” doloridas e difíceis de serem enfrentadas.

Mais concretamente, o capitalismo agrário brasileiro utiliza-se de trabalhadores em condições análogas às da escravidão. As denúncias de trabalho escravo ou do trabalho realizado em condições extremamente precárias e subumanas ou de maus tratos estão ligadas à expansão agropecuária em nosso país.

Poder-se-ia ser levado a pensar que o trabalho escravo seja algo que acontece em lugares do Brasil profundo e atrasado. Ledo engano. Ao contrário, as denúncias recobrem praticamente todo o mapa do país, de norte a sul, leste a oeste. Verificaram-se denúncias de trabalho escravo na Amazônia, em Goiás, mas também no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo, entre outros Estados. A tendência é de aumento dos casos justamente nas regiões mais ricas, como o Sudeste e o Sul. Além disso, estão presentes nos setores mais modernos do capitalismo agrário brasileiro, envolvendo, pois, o setor da cana-de-açúcar, matéria-prima do etanol, que recentemente ganhou “passaporte para o mundo”.

Desde 1995, mais de 36 mil pessoas foram libertadas pelo governo federal trabalhando em condições análogas às da escravidão. Um número nada desprezível para um setor que se orgulha de ser moderno. Ainda mais considerando-se que a escravidão moderna caracteriza-se justamente pela privação da liberdade e usurpação da dignidade.

Vemos, pois, um setor produtivo prosperar às custas – também – da exploração do trabalho degradante, como é o caso do trabalho escravo. Essas formas de trabalho não são, portanto, exógenas ao capitalismo mais moderno, mas sabem perfeitamente conviver com ele.

É no contexto da luta para coibir a prática e a existência dessas relações de trabalho em nosso país que nasceu, em 2001, a Proposta de Emenda Constitucional 438. Ela prevê o confisco de terras onde trabalho escravo for encontrado e as destina à reforma agrária. A PEC 438/2001 passou pelo Senado Federal, em 2003, e foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados em 2004. Esses passos morosos são sintoma das dificuldades que a PEC encontra para ser aprovada. Como lembra a jornalista Maria Inês Nassif, “a emenda foi apresentada ainda no governo de FHC, foi votada pelo Senado em dois turnos e apenas conseguiu ser apreciada no primeiro turno pela Câmara em 2004, em meio à comoção do massacre de Unaí, quando fiscais do trabalho foram massacrados a mando de um fazendeiro. Espera a votação em segundo turno até hoje”. A bem da verdade, a primeira proposta feita neste sentido remonta a 1995, com a PEC 232.

O movimento social se organizou em torno do “Movimento Nacional pela Aprovação da PEC 438 e pela Erradicação do Trabalho Escravo” para a aprovação da PEC. Para tanto, está mobilizando toda a sociedade com um abaixo-assinado.

Após sua aprovação em primeiro turno na Câmara dos Deputados, em 2004, a PEC está parada no Congresso, esperando aprovação. Após seis anos “congelada”, ela corre sério risco de ser esquecida. Talvez isso já tenha acontecido se o movimento social não cutucasse permanentemente o Congresso e a sociedade para a urgência de sua aprovação.

Algumas ações mais recentes. No final de maio passado, aconteceu o I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Nele se coloca o problema como política pública que envolve Executivo, Legislativo e Judiciário, por demanda de setores sociais engajados em apagar a escravidão da triste história brasileira.

Antes disso, em março, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) havia realizado a “Mesa de Diálogos da CNBB: Trabalho Escravo no Brasil hoje: O que fazer?”, para discutir proposições.

As resistências mais duras e firmes à aprovação da PEC são interpostas justamente pelos ruralistas, “o setor mais conservador da sociedade brasileira e mais super-representado no Congresso Nacional. É enorme o poder de veto da bancada, no que se refere a qualquer assunto que envolva a propriedade rural”, avalia a jornalista Maria Inês Nassif.

O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, admitiu durante o I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo que a questão da erradicação do trabalho escravo não é unanimidade no Brasil. Segundo ele, alguns nichos da sociedade alegam que há exageros quando se fala em exploração de mão de obra e, por isso, não aderem à política dos direitos humanos para o setor.

Mas, o monstro também tem seus pés de barro. Uma das fragilidades reside no “pacto empresarial firmado em torno da Lista Suja divulgada pelo Ministério do Trabalho, com o nome de empresas e pessoas físicas que tenham feito uso do trabalho escravo. Os integrantes dessa lista são excluídos do rol de fornecedores das duas centenas de empresas e os bancos oficiais têm suspendido crédito a eles”, comenta ainda Nassif. A Lista Suja tem o apoio de aproximadamente 200 empresas, que representam uma boa fatia do PIB nacional, e representa um passo importante para a erradicação da irresponsabilidade empresarial.

As forças sociais progressistas se mobilizam pela aprovação da PEC do Trabalho Escravo por acreditar na sua importância como instrumento de desestímulo a essa prática ainda vigente em pleno século XXI, mesmo sabendo que a PEC não será definitiva na erradicação do trabalho escravo em nosso país.

(Ecodebate, 10/06/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

http://www.ecodebate.com.br/2010/06/10/brasil-a-agenda-esquecida-trabalho-escravo/

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