Os impactos da crise do euro e a possibilidade de ruptura social. Entrevista especial com Alain Touraine

Unisinos – Analisando os impactos das crises financeiras dos últimos anos, sobretudo a recente crise do euro, o sociólogo francês Alain Touraine, em entrevista, por email, à IHU On-Line,  constata o enfraquecimento das instituições políticas, “o que reforça a probabilidade de ruptura social”. De acordo com ele, frente à “dominação da economia globalizada, não se pode mais encontrar, no interior da sociedade, forças de resistência. Nem os partidos, nem as crenças, nem as classes sociais têm, hoje em dia, a possibilidade de armar os descontentamentos e as recusas que correm o risco de se esgotar em ações negativas”. Os movimentos sociais, aponta, estão em crise e têm “cada vez menos expressão política”. De outro lado, surgem “movimentos culturais, como a ecologia política, o feminismo, a defesa das minorias, que devem poder encontrar novas expressões na política e na mídia”. A respeito do desmantelamento do estado de bem-estar social na zona do euro, Touraine é categórico: “Não se deve, em nenhum caso, aceitar um recuo da proteção e da redistribuição social, uma vez que, em escala mundial, as desigualdades aumentaram”.

Touraine é autor, entre inúmeros livros, de O mundo das mulheres (Petrópolis: Vozes, 2006), Penser autrement (Paris: Fayard, 2007), Um novo paradigma para compreender o mundo de hoje (Petrópolis: Vozes, 2006) e A sociedade pós-industrial (Lisboa: Moraes, 1970). Touraine tornou-se conhecido por ter sido o pai da expressão “sociedade pós-industrial”. Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que novo modelo de organização da sociedade está se descortinando a partir das crises financeiras que vêm abalando o mundo recentemente?

Alain Touraine – A crise financeira e, agora, a crise monetária, que, provavelmente, será seguida de uma crise do crescimento, mostram que se constituiu um mundo financeiro cujas finalidades são estranhas àquelas da economia e de seus necessários investimentos. Vemos desenvolver-se uma sociedade firmada sobre ela mesma, porque está privada de toda a ação sobre o sistema econômico. As instituições políticas se encontram enfraquecidas, o que reforça a probabilidade de ruptura social.

IHU On-Line – Qual deveria ser o papel do Estado em pensar um modelo econômico e social ideal para a sociedade do futuro?

Alain Touraine – Pode-se esperar que, após a crise de 2008, todos os países reconhecerão a necessidade de pôr fim às ilusões neoliberais e, por exemplo, ao Consenso de Washington. Os países europeus, em particular, privados de crescimento, sobrecarregados de déficits e de dívidas, obrigados a impor medidas de rigor, necessitam, para ser aceitos pelas populações, propor objetivos socialmente positivos para o futuro próximo. Ainda é necessário que os Estados transformem sua concepção deles próprios, aliviem sua função administrativa, para dar prioridade ao combate ao desemprego, à elevação do nível de vida e à cobertura dos novos riscos.

IHU On-Line – Quais são as principais necessidades do ser humano moderno e por que a chamada organização dos mercados e do capitalismo não atende a essas necessidades? Que alternativa o senhor vislumbra no sentido de suprir essa carência humana?

Alain Touraine – Face à dominação da economia globalizada, não se pode mais encontrar, no interior da sociedade, forças de resistência. Nem os partidos, nem as crenças, nem as classes sociais têm, hoje em dia, a possibilidade de armar os descontentamentos e as recusas que correm o risco de se esgotar em ações negativas.

IHU On-Line – Qual deve ser, na sua visão, a real função do setor financeiro de uma nação?

Alain Touraine – O setor financeiro de uma nação tem, normalmente, duas funções complementares: financiar os investimentos na produção e dar crédito aos indivíduos e aos negócios para a organização de sua vida e, em particular, para sua moradia. O imenso setor financeiro que se criou, em particular, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, não tem nenhum cuidado dos investimentos; ele procurou e obteve lucros enormes por usa capacidade de dispor de informação em tempo real. Este sucesso de certos financistas enfraqueceu a economia e, por consequência, as condições de vida da população.

IHU On-Line – Se considerarmos, como dizem alguns autores, que “Estado” e “mercado” foram dois meios de opressão nos últimos 100 anos, o que podemos esperar para o futuro?

Alain Touraine – Os que consideram o Estado e o mercado como dois meios de opressão se colocam numa situação irreal. Não há sistema econômico que funcione sem mercado e sem Estado. Opostamente, é indispensável que existam movimentos de base que apelem às necessidades mais reais contra as especulações mais abstratas. Aquilo de que provavelmente tenhamos mais necessidade é de aprender a combinar o mercado e o Estado após um período absurdo que queria dar tudo ao mercado.

IHU On-Line – Considerando um possível desmantelamento do estado de bem-estar social na zona do euro, quais elementos da sociedade sofrerão as piores consequências?

Alain Touraine – Os países europeus e outros têm a escolha entre duas políticas face ao déficit do estado de bem-estar social. A primeira é de diminuir os fornecimentos e as garantias, o que parece uma provocação, uma vez que a parte do trabalho na renda nacional baixou, e a outra solução consiste em mudar a concepção sobre a proteção social. O estado de bem-estar social foi concebido como realidade sendo financiada e como servindo os trabalhadores, incluindo suas empresas. É preciso, agora, considerar que o conjunto dos rendimentos, os do capital ainda mais do que os do trabalho, devem participar na manutenção da proteção social. Também é preciso, com total urgência, responder a novos riscos e a novas demandas. Pensa-se, em particular, nos problemas acrescidos pela longevidade cada vez maior da vida humana. A dependência sob todas as suas formas e o aumento das doenças, como certos cânceres junto às pessoas idosas, criam problemas urgentes, mas sabe-se bem, hoje em dia, que as novas formas de trabalho e, principalmente, as novas políticas das empresas criavam novos riscos para os trabalhadores. No caso francês, a opinião pública foi golpeada pelas ondas de suicídio nas empresas, embora modernas. Não se deve, em nenhum caso, aceitar um recuo da proteção e da redistribuição social, uma vez que, em escala mundial, as desigualdades aumentaram.

IHU On-Line – Por que o senhor afirma que os movimentos sociais vivem uma crise? Como eles têm reagido, na Europa e sobretudo na França, à crise econômica?

Alain Touraine – O que se chamou de movimentos sociais foi definido em termos que correspondem às sociedades industriais. Antes de seu desenvolvimento, conheceram-se, principalmente, movimentos políticos. Hoje, esses movimentos sociais têm cada vez menos expressão política, mas vê-se surgir movimentos culturais, como a ecologia política, o feminismo, a defesa das minorias, que devem poder encontrar novas expressões na política e na mídia.

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