Degradação ambiental na sociedade do risco. Até onde podemos ir? Entrevista especial com Carlos Machado

Unisinos – “O consumo médio de um cidadão de um país rico pode ser até 40 vezes maior do que outro cidadão vivendo em um país pobre”. Essa é a contastação do professor Carlos Machado de Freitas, que, em entrevista à IHU On-Line, realizada por e-mail, apontou que vivemos uma importante melhoria na qualidade de vida, mas que os indicadores ambientais têm piorado, cada vez mais, em função do aumento do consumo e da degradação e uso dos recursos naturais. Para ele, essa questão também “se acopla ao crescimento tanto da população como ao consumo per capita, que também cresceu ao longo do século XX, ao mesmo tempo acompanhado de grandes desigualdades”.

Carlos Machado de Freitas é historiador formado pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Realizou o doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz e obteve o título de pós-doutor pela Universidade de São Paulo. Em suas pesquisas, o professor tem relacionado a ideia de sociedade do risco à questão da saúde. Confira a entrevista.

IHU On-Line – O senhor tem analisado a questão dos riscos aplicados aos problemas ambientais. Que tipo de riscos estão presentes nesse cenário atual?

Carlos Machado – Temos pesquisado sobre os problemas ambientais porque consideramos que apontam para os processos de degradação que vêm atingindo os sistemas de suporte à vida, como os ciclos das águas, do clima e dos solos, o fornecimento de alimentos e de água, a disponibilidade de recursos naturais fundamentais a nossa vida. Assim, podemos falar que há melhoria da qualidade de vida (acoplada à ideia de que quanto mais consumo, melhor a qualidade de vida) tendo ao mesmo tempo a piora dos indicadores ambientais (quanto mais consumo, mais recursos naturais são utilizados ou degradados, de modo que não há uma fórmula mágica que permita aumentar o consumo sem aumentar os danos ambientais).

E isto também se acopla ao crescimento, tanto da população como ao consumo per capita, que também cresceu ao longo do século XX, ao mesmo tempo acompanhado de grandes desigualdades, já que o consumo médio de um cidadão de um país rico pode ser até 40 vezes maior do que outro cidadão vivendo em um país pobre. Assim, consideramos que não podemos tratar de melhoria da qualidade de vida, sem tratar dos sistemas de suporte à vida, sendo que, na inter-relação entre um e outro, temos a questão do crescimento e das desigualdades.

IHU On-Line – E como o senhor avalia a agenda ambiental brasileira no que diz respeito aos projetos em desenvolvimento?

Carlos Machado – Tem avançado em muitos aspectos em termos de diagnósticos e até de proposições. Porém, creio que o mais importante é destacar que se encontra subordinada a um modelo de desenvolvimento econômico que considera que crescer explorando recursos naturais é o único caminho (uma visão do século passado ainda dominante nas mentes dos gestores) e é bastante setorial, não tendo avançado efetivamente na transversalidade fundamental para as ações. Um exemplo disto pode ser visto na   questão da poluição atmosférica por veículos automotores.

Enquanto o Ministério do Meio Ambiente procurava demonstrar os veículos automotores mais poluentes, colocando em discussão este tema até para as questões ligadas ao consumo, o governo incentivava que os consumidores comprassem mais carros novos, ao invés de investir na manutenção dos empregos do setor a partir de investimentos na produção de transportes coletivos. Não precisamos ir muito longe para ver os resultados disto, pois basta ficar refletindo sobre o tema em um engarrafamento nas grandes cidades, seja em um ônibus, seja em um carro.

IHU On-Line – O Brasil viveu, nos últimos verões, grandes problemas em função de causas naturais. Onde a ideia de sociedade do risco se apresenta em situações como essa?

Carlos Machado – Quando Ulrich Beck [1] trata da questão da sociedade do risco, aponta para a capacidade das tecnologias perigosas tornarem-se difusas por cada parte, ao mesmo tempo em que temos a inadequação das formas tradicionais de processos políticos decisórios (que não incorporam os novos atores sociais) e do reducionismo científico (que não consegue tratar estes riscos e incertezas  inerentes a este processo). Com isto, temos não só a reconfiguração de riscos tradicionais como o surgimento de novos.

O debate sobre os eventos com causas “naturais” (que são determinadas socialmente em vários aspectos) também se reconfigura neste processo. Isso porque temos hoje eventos como enchentes e inundações que embora sejam em termos objetivos iguais as do passado, trazem  como novidade o fato de muitas das suas causas estarem relacionadas desde o precário ou ausente planejamento urbano até as mudanças ambientais mais globais, como as climáticas, o que significa que as causas atuais e associadas ao homem podem ter consequências que transcendem as gerações presentes e que não encontram, nos mecanismos correntes, formas de controle (basta ver o fracasso do último acordo sobre o clima).

É na reinterpretação destes riscos “antigos” ou mesmo no surgimento de novos riscos  (nanotecnologia, por exemplo) que a sociedade do risco se aplica, pois, já não podemos separar o que é natural do que é social, ao mesmo tempo em que os mecanismos de decisão e compreensão se apresentam como insuficientes. Estes são sinais de uma crise que não é só ambiental, mas também social.

IHU On-Line – O progresso implica, necessariamente, em algum momento, efeitos catastróficos?

Carlos Machado – A trajetória do homem sempre acompanhou história das mudanças ambientais em função da apropriação dos recursos naturais. Em um primeiro momento, relacionadas à sobrevivência,  e num segundo momento, relacionadas às diversas formas de acumulação de poder, riquezas e distinção social. O que temos hoje é a potencialização do uso da natureza em uma escala muito maior, mediada pelas tecnologias que propiciam a acumulação de recursos.

Até 1800, nunca havíamos ultrapassado um bilhão de habitantes. A partir daí, rapidamente passamos para seis bilhões em apenas 200 anos, sendo que demoramos cerca de 150 mil anos para chegar ao primeiro bilhão. Mas não só isto. Cada um de nós consome hoje, em média, uma quantidade muito maior de água, alimentos, energia etc. Nesta lógica, não temos como ter este crescimento (que é bastante desigual) sem gerar uma crise. A questão é até onde podemos ir.

IHU On-Line – O senhor estuda a caso de Manaus. Esta cidade está inserida dentro da ideia de sociedade do risco?

Carlos Machado – Não estudamos Manaus dentro da ideia da sociedade do risco, embora os argumentos anteriores possam também ser aplicados a este caso. Estudamos porque boa parte do debate sobre a Amazônia está centrada na questão ambiental, esquecendo ou ocultando que lá vivem milhões de pessoas, concentradas principalmente nas cidades, cercada por florestas. Trabalhamos em uma perspectiva de que não é possível pensar a questão ambiental sem pensar a questão dos humanos e sua saúde, assim como o inverso.

IHU On-Line – Quais são os principais riscos que Manaus corre?

Carlos Machado – Os principais riscos ambientais à saúde em Manaus encontram-se associados ao processo de urbanização. Manaus possui os mesmos problemas que muitas das cidades do país, como poluição, doenças crônicas, acidentes de trânsito e violências. Estas questões estão associadas ao precário desenvolvimento, expresso na precária infra-estrutura de saneamento e ocupação do solo (dengue e doenças diarréicas, agravadas em casos de enchentes, por exemplo), assim como  doenças associadas à pobreza  (tuberculose e leishmaniose) e a expansão urbana nas bordas da floresta (malária, por exemplo). Ou seja, Manaus vivencia uma situação bastante complexa, com riscos associados ao processo de urbanização, à pobreza e à precária infra-estrutura urbana, com riscos que podem ser agravados por mudanças ambientais globais, como dengue e malária.

Notas:
[1] Ulrich Beck – sociólogo  alemão que leciona na Universidade de Munique e na London School of Economics. Beck estuda aspectos como a modernização, os problemas ecológicos, a individualização e a globalização. Nos últimos anos, também tem estudado a exploração das condições de mudança no trabalho em um  mundo que vive o crescimento do capitalismo global, a perda de poder dos sindicatos e a flexibilização dos processos do trabalho.

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