A praça dos Povos Originários

As principais reivindicações dos povos indígenas são por terra e contra as indústrias extrativistas. Foram recebidos por Cristina Kirchner. A reportagem é de Darío Aranda e publicada no Página/12, 21-05-2010. A tradução é do Cepat.

Nunca em 200 anos os povos indígenas haviam chegado em número tão grande ao centro do poder político da Argentina. E as reivindicações, unívocas e contundentes, foram as mesmas nos últimos dois séculos: terra, recusa das empresas que os desalojam, respeito à sua cultura ancestral e justiça diante das violências do passado e do presente. “A terra, roubada, será recuperada”, foi o canto com o qual as comunidades indígenas de dez províncias entraram nesta quinta-feira pela tarde na Praça de Maio. Todos os discursos denunciaram o papel extrativista e poluidor das companhias mineradoras, agropecuárias e petrolíferas, e também os dirigentes políticos, “que por ação ou omissão permitem a nossa opressão”. Esclareceram que não marcharam para festejar o Bicentenário, mas para “mostrar que continuamos vivos”. A presidenta Cristina Fernández Kirchner os recebeu na Casa de Governo e prometeu atender as suas reivindicações. Após oito dias de marcha, Jorge Nahuel, da Confederação Mapuche de Neuquén, garantiu que esperavam “anúncios concretos para as suas demandas históricas”.

A mobilização foi organizada pela Confederação Mapuche de Neuquén, União dos Povos da Nação Diaguita (UPND de Tucumán), Kollarmarka de Salta e pelo Conselho de Autoridades Indígenas de Formosa. Também participou o Movimento Camponês de Santiago del Estero (Mocase-Via Campesina) e contou com o apoio fundamental da organização Tupac Amaru, dirigida por Milagro Sala.

“É uma marcha histórica, nos animamos para vir a este mundo de prédios, asfalto, e viemos com respeito, mas também vigor. Queremos que fique bem claro que os grandes negócios das empresas acabam com as nossas terras e levam a nossa vida”, disse, no começo da marcha, Félix Díaz, pilagá da comunidade La Primavera de Formosa, um dos 8.000 indígenas que chegaram a Buenos Aires.

As colunas de comunidades indígenas ocuparam sete quadras da Avenida 9 de Julho. A pista inteira estava transbordando de rostos curtidos, avós, muitas mulheres, crianças e grande quantidade de jovens. Em Diagonal Norte esperavam por elas organizações sociais, Mães da Praça de Maio Linha Fundadora e a Central de Trabalhadores Argentinos (CTA). No caminho para a Praça, jogavam papel dos prédios, aplaudiam a passagem indígena e as bandeiras argentinas se misturavam com as wiphala, emblema multicolorido dos povos originários.

“Caminhando pela verdade, rumo a um Estado Plurinacional”, foi a consigna da marcha, que começou no dia 12 de maio em Jujuy, Misiones e Neuquén, atravessou dez províncias e contou com a presença dos povos kolla, mapuche, qom-toba, diaguita, lule, huarpe, wichi, mocovi, guarani, vilela, sanavirones e guaycuru. Elías Maripan, da Confederação Mapuche de Neuquén (CMN), discursa. “Os povos originários estão de pé, dignos e conscientes de seus direitos”, gritou com o braço levantado. A multidão o ovacionou.

Desde a entrada das colunas na cidade de Buenos Aires insistiram nas reivindicações fechadas antes de começar a marcha: território, cultura-educação, “mãe natureza” e reparação econômica. Com base em leis já vigentes, exigem imediato reconhecimento e restituição de terras, a urgente aplicação do direito à consulta e o consentimento sobre os fatos e ações que os afetam, e a efetiva colocação em prática da lei 26.160, de emergência territorial, já vigente há quatro anos e muito demorada em sua aplicação.

No plano cultural, solicitaram o reconhecimento das línguas indígenas como idiomas oficiais, a inclusão dos planos de estudos interculturais, a criação de universidades e institutos de formação indígena e a troca do 12 de outubro por datas significativas dos povos originários. “Solicitamos a derrogação do Código de Mineração”, deixam claro desde a convocação – como freio para o avanço da mineração metalífera em grande escala – e impulsionam a criação de um “Tribunal de Justiça Climática”.

David Sarapura, da Coordenação de Organizações Kollas Autônomas (Kollamarka, de Salta), esclareceu que a marcha “não é para festejar o Bicentenário, marchamos para demonstrar que estamos vivos, que somos os antigos moradores desta terra e que resistimos e seguiremos resistindo, é isto que levou todos os irmãos a estar nesta marcha. O que festejamos é que estamos vivos”.

A Presidenta recebeu cerca de trinta delegados durante uma hora. “Propôs uma agenda de trabalho para a primeira quinzena de junho. Disse que está de acordo em muitos pontos, e em outros não. Supomos que não compartilha a nossa oposição à mineração, às petroleiras e empresas que saqueiam e poluem nossos territórios, não disse isso, mas deu a entender”, explicou Jorge Nahuel, da Confederação Mapuche, e reconheceu que esperam “anúncios concretos. Teríamos gostado de respostas claras às nossas demandas, mas sabemos que o Estado tem dificuldades para entender a nossa realidade, mesmo que tenha claro que estamos organizados e não desistiremos das demandas”. O direito e a proteção do território é a demanda histórica de todos os povos indígenas, sem distinção de etnias e regiões.

Uma pesquisa do Página/12 revelou em 2007 que existem ao menos 8,6 milhões de hectares de terras em conflito entre comunidades indígenas e mineradoras multinacionais, os Estados provinciais e Estado nacional, multimilionários privados – ainda que também alguns menos endinheirados –, empresários do turismo, fábricas de celulose, empresas de soja, Universidades nacionais e, segundo apontam as comunidades, “um sistema político e judiciário que desobedece as leis”. Na mesma linha, um trabalho da organização Red Agroforestal Chaco Argentina (Redaf) destacou seis províncias do noroeste argentino e trouxe dados inéditos: cinco milhões de hectares em conflito, quase 600 mil pessoas atingidas, e confirma que o setor privado e estatal são os principais adversários dos camponeses e indígenas. O relatório mostra que os conflitos aumentaram na década de 90, por conta do avanço da soja sobre o norte do país.

Jorge Nahuel, mapuche, garantiu que agora os povos indígenas estão “mobilizados, se fazem ouvir e são mais fortes que há décadas”.

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