Bruno Calixto
Está para ser julgada, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que pode modificar as regras de demarcação das terras de remanescentes de quilombos.
A ação direta 3.239, proposta pelo Partido da Frente Liberal (PFL), hoje Democratas (DEM), pede que seja considerado inconstitucional o decreto 4.487/03, que regulamenta os procedimentos para identificação, reconhecimento, demarcação e titulação de terras ocupadas pelos quilombolas.
O processo conta com mais de cinquenta documentos, desde a petição inicial de junho de 2004, passando por manifestação da Advocacia Geral da União, petições de diversas organizações de defesa dos quilombolas de ingresso como “amicus curiae” e requerimentos de audiências públicas para se debater a ADI.
Segundo a ADI, o decreto que regulamentou a demarcação de terras quilombolas permite ao Poder Público desapropriar propriedades privadas que estivessem em áreas remanescentes de quilombos, e essa desapropriação seria inconstitucional. “O papel do Estado limita-se a meramente emitir os respectivos títulos”, e não desapropriar, argumenta a petição.
A ação direta também considera inconstitucional a regulamentação dos titulares ao direito a terra. Para poder ter direito a terra, basta que a comunidade se considere quilombola – o chamado critério de auto-definição. “O texto regulamentar resume a rara característica de remanescente das comunidades quilombolas numa mera manifestação de vontade do interessado. Não seria razoável determinar [a extensão dos direitos] mediante critérios de auto-sugestão”, diz o texto da petição do DEM.
O argumento da petição dos Democratas foi contestado pelo sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, que redigiu um abaixo-assinado em defesa do decreto que regulamenta a demarcação de terras quilombolas.
Segundo o texto do abaixo-assinado, o decreto questionado tem como parâmetro instrumentos internacionais de direitos humanos, que preveem a “auto-definição das comunidades e a necessidade de respeito de suas condições de reprodução histórica, social e cultural e de seus modos de vida característicos num determinado lugar”.
O texto lembra que, antes do decreto, o Estado era obrigado apenas a emitir os títulos das terras, mas não existiam condições para esse direito. “[Com o decreto], ficou estabelecido, como forma de defesa da comunidade contra a especulação imobiliária e os interesses econômicos, que tais terras fossem de propriedade coletiva e inalienáveis. Esta condição de “terras fora de comércio”, aliada ao grau de preservação ambiental, é que explica, em parte, a cobiça de mineradoras, empresas de celulose e grandes empreendimentos”.
Santos acredita que a revisão dos direitos dos quilombolas pelo STF poderia resultar no “acirramento da discriminação anti-negros e a conflagração de novos conflitos fundiários, num país com histórica concentração de terras em poucas mãos”.
Boaventura também faz coro com as diversas organizações que reivindicam a realização de audiências públicas para discutir a ação. “Uma audiência pública para maiores esclarecimentos, tal como ocorreu nas ações afirmativas, células-tronco e anencefalia, seria importantíssima”, diz. Entretanto, os pedidos por audiências públicas não foram acatados pelo relator.
O relator da ação é o atual presidente do STF, Cezar Peluzo.
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