Contra o terror, a coragem Tupinambá

A obscura prisão de Rosivaldo Ferreira da Silva é mais um capítulo da luta pela terra de um dos primeiros povos indígenas a ter contato com a invasão Portuguesa

Cristiano Navarro
de Buerarema (Bahia)

Ao reorganizar seu povo e acatar a decisão de liderar a reconquista de sua terra original, Rosivaldo Ferreira da Silva chocou-se de frente contra a decadente sociedade cacaueira do sul da Bahia. Desde 1989, a região foi fortemente afetada pela praga da “vassoura de bruxa”, que fez cair em mais de 40% a produção do cacau.

A partir dessa decisão, tomada em 2004, quando as primeiras fazendas encontradas praticamente abandonadas foram recuperadas, os Tupinambá saltaram de 15 hectares para os cerca de 3 mil hectares em 20 fazendas que atualmente ocupam.

A conquista das terras propiciou a criação de pequenos animais, pomares e roças, onde se produzem variados tipos de alimentos para subsistência, o que erradicou a epidemia de subnutrição que, na época, afligia 30 crianças da comunidade.

Hoje, preso há mais de 1.300 km de sua casa na serra do Padeiro, aldeia Tubinambá, município de Buerarema, Rosivaldo, mais conhecido como cacique Babau, envia cartas à sua família e sua comunidade aconselhando a continuarem na luta.

Além da prisão de seu cacique, os Tupinambá se depararam com reações racistas e truculentas. Na mais virulenta delas, em junho de 2009, uma mulher e quatro homens da comunidade foram gravemente feridos pela Polícia Federal, cujos agentes desferiram chutes, coronhadas, spray de pimenta e choques elétricos, entre outras agressões.

A prisão

Na madrugada de 10 de março, por volta das duas horas, três homens armados, camuflados e não identificados invadiram a casa do cacique Babau, o algemaram e o levaram. Sua irmã, Magnólia Jesus da Silva, ainda o avistou ser levado pelos três homens mato adentro pela serra do Padeiro.

Sem saber o paradeiro do cacique ou quem o havia carregado, a notícia de que ele estava preso na delegacia da Polícia Federal de Ilhéus chegou até a família somente seis horas depois. “Até as oito da manhã, estávamos apavorados. Não sabíamos o que tinha acontecido. Para onde ele tinha sido levado ou quem tinha levado”, lembra Magnólia.

A única testemunha ocular da prisão é o filho de Babau, “Tiri”, de três anos, que dormia no mesmo quarto. “Meu filho ficou traumatizado, não quer comer, emagreceu muito. Ficou introvertido e só falava da prisão do pai. Quando chega um carro estranho, ele estranha e imagina ser da polícia”, lamenta Joscelia Santos da Silva, professora indígena e mãe de Tiri.

O Ministério Público Federal (MPF) de Ilhéus afirma ter provas materiais e testemunhais das irregularidades na prisão, confirmando a violação a domicílio durante a madrugada e o abuso de autoridade por parte dos policiais. Ainda segundo o MPF, Babau teria sido levado para um posto de gasolina, onde se esperou o amanhecer para se efetuar a prisão.

Acusações

Dez dias depois, Givaldo Ferreira da Silva, irmão de Babau, foi preso com base nas mesmas acusações: crime contra a paz pública e formação de quadrilha ou bando, o que provocou a prisão preventiva dos dois ainda na fase de investigação do inquérito policial.

“Quadrilha ou bando é, por sinal, o clássico crime imputado às lideranças de movimentos sociais, porque permite enquadrar a conduta delas na previsão legal do tipo penal que é: ‘Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes’. Comete-se, assim, a insensatez jurídica de achar que, ao se juntarem para ocupar uma fazenda no intuito de pressionar o governo para demarcar uma área, os índios estão formando uma quadrilha para cometer delitos. O juiz raciocina da mesma forma com que julga um grupo de mais de três pessoas que se associam para roubar um banco”, esclarece Luciano Reis Porto, advogado de defesa dos dois irmãos e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Transferência

Na perseguição a Babau, Luciano Reis ressalta a grande quantidade de acusações incluída em inquéritos, termos circunstanciados e ocorrências contra seus clientes: “Há cerca de duas dezenas de procedimentos contra Babau, seu irmão e outras lideranças da serra do Padeiro, sob acusação de esbulho possessório, roubo, dano qualificado, ameaça, quadrilha ou bando, sequestro e cárcere privado, constrangimento ilegal, resistência, desacato, dentre outros”.

No dia 17 de abril, Babau foi transferido da superintendência da Polícia Federal em Salvador para Mossoró, na Paraíba, sob a alegação de que em 19 de abril (Dia do Índio) poderiam acontecer fortes manifestações na capital baiana.

“A superintendência pediu para que houvesse transferência temporária com medo de que poderia haver uma manifestação no Dia do Índio, uma manifestação na porta [da superintendência]. E que dentro desta manifestação poderia haver um confronto entre manifestantes e policiais. E até, talvez uma ocupação”, alega o juiz federal Pedro Holliday que concedeu a transferência e que cuida do caso.

De homem a monstro

Enquanto isso, nos últimos meses, dar a Babau adjetivos superlativos, responsabilizá-lo por atos que não aconteceram ou simplesmente duvidar de sua identidade, faz parte da rotina na imprensa local que chegou a alcançar, inclusive, uma das publicações de maior vendagem do Brasil, a revista Época, da Editora Globo.

Na matéria intitulada “O Lampião Tupinambá”, publicada em novembro do ano passado, a repórter Mariana Sanches afirma que Babau seria um dos que “se autointitulam tupinambás”, “cujos traços faciais revelam mais sua ascendência negra do que a indígena”, e que, por seus feitos, “é uma espécie de versão cabocla de Lampião”.

Seguindo o tom da reportagem, o juiz Holliday aponta que “o modus operandi do grupo que se diz indígena é semelhante ao dos sem-terra”.

“A mídia vem, a gente dá entrevista, mas nunca sai o que dissemos. Essa menina mesmo da revista foi muito bem tratada. Teve a chance de conhecer nossa comunidade, nossas produções, nossas casas de farinhas, a escola, nossas crianças. Aproveitou de toda nossa hospitalidade. Mas mentiu, desviou todas as informações que passamos”, critica a professora Joscelia Santos da Silva.

Terras ancestrais

A Fundação Nacional do Índio (Funai) já realizou estudos antropológicos nas terras ancestrais dos cerca de 4.700 tupinambás (segundo a Fundação Nacional de Saúde – Funasa) que se encontram espalhados em 23 comunidades, entre serras e litoral.

O levantamento confere ao território 47.376 hectares de área. Nele, ficaram de fora perímetros urbanos e a maior parte de faixas do litoral exploradas pelo turismo.

Mesmo assim, Armínio Fraga, o ex-presidente do Banco Central e dono de um hotel na região, é um dos que se sente lesado pelo fato da demarcação pegar parte de seu empreendimento. A “desconfiança” do setor de turismo é que a presença dos verdadeiros donos da terra afastem os visitantes.

Se, por um lado, os interesses turísticos apenas levantam questionamentos, por outro, o conflito com fazendeiros – que estimulam pequenos agricultores, ocupantes de parte das terras presentes no estudo, contra os índios – é o mais preocupante.

“Há muita incitação por parte dos políticos e dos fazendeiros contra os Tupinambá, principalmente via rádio. E isso eleva muito o clima de tensão, que pode levar a conflitos na região”, observa Haroldo Heleno, coordenador do Cimi na região.

Entre os pequenos agricultores, há ainda os como o senhor José Faustino de Oliveira Filho, proprietário de 30 hectares, que entendem os direitos indígenas e se relacionam bem com os vizinhos. “Trabalhamos juntos nas feiras e posso dizer que eles são bons vizinhos. Eles estão no direito deles. Agora, a gente espera é que a Funai indenize a gente e resolva a situação logo”. (Leia mais na edição 375 do Brasil de Fato).

http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/contra-o-terror-a-coragem-tupinamba

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