Voz silenciada: notícia e editorial do jornal O POVO sobre o assassinato do líder comunitário Zé Maria

Assassinato de José Maria levou comoção à região jaguaribana.  Ativista atuava junto à Igreja Católica e pela preservação ambiental  (FOTO: DEIVYSON TEIXEIRA)
Ambientalista executado com 19 tiros em Limoeiro do Norte
Rita Célia Faheina (Enviada a Limoeiro do Norte)

O ambientalista José Maria Filho, um dos principais líderes populares da região jaguaribana, foi morto na última quarta-feira com 19 tiros. A Polícia trabalha com a possibilidade de pistolagem

“Hoje é um dia muito triste para a família do Zé Maria, mas também para as comunidades da Chapada do Apodi porque morreu aquele que estava todos os dias denunciando a concentração de terras, as injustiças, o uso indiscriminado de agrotóxicos na região. Mas se pensavam que matando o Zé Maria iam acabar com a luta, estão enganados. A luta continua. A comunidade do Tomé não está sozinha. A igreja está junto. Vamos todos dizer agora: José Maria, a luta continua”.

Quando o padre Júnior Aquino, de Limoeiro do Norte, acabou de falar, todos que estavam na pequena capela de Nossa Senhora de Fátima repetiram a frase: “José Maria, a luta continua”.

A capelinha, onde o ambientalista e líder comunitário José Maria Filho, 44, assistia a missa todos os dias 13 em honra de Nossa Senhora de Fátima, ontem, não comportou o número de pessoas que foram acompanhar a concelebração eucarística antes do sepultamento de Zé Maria, assassinado na tarde da última quarta-feira, com 19 tiros e claras características de pistolagem, conforme apuração da Polícia.

O Zé Maria ou o Zé do Tomé (Sítio Tomé, na divisa entre Limoeiro do Norte e Quixeré) era o maior defensor das comunidades que ficam na Chapada do Apodi. Abraçou a luta em defesa do meio ambiente e do combate às injustiça sociais do seu povo. “Perdemos um herói na terra”, dizia a jovem integrante da Associação dos Desapropriados da Comunidade São João. “O que aconteceu com o Zé Maria aconteceu com Jesus Cristo que foi crucificado porque defendia os pobres e injustiçados”, comparava o pároco de Quixeré, padre Alessandro de Souza.

Inconformados

Ontem à tarde, os moradores do Sítio Tomé estavam inconformados com a morte “do filho e do pai da comunidade; do homem que lutou bravamente por justiça social e pelo direito à vida”, como definiam os conterrâneos. “Ele era muito querido por nós porque estava sempre pedindo para melhorar nossa água, nossas moradias. Pedia que acabassem com esse agrotóxico que faz muito mal pra gente”, dizia Maria de Lourdes Ribeiro. Ela participou do cortejo pelas ruas da pequena localidade seguindo o caixão com o corpo do ambientalista morto a tiros na tarde da última quarta-feira.

O corpo de José Maria ficou exposto da capela onde houve a concelebração eucarística presidida pelo bispo diocesano de Limoeiro do Norte, dom José Haring. Após a missa, outro cortejo seguiu para Quixeré, onde houve o sepultamento. E, em seguida, as associações, movimentos e pastorais sociais promoveram um ato público, na praça da cidade, clamando punição aos culpados e reafirmando que a luta pela defesa do meio ambiente e da vida continua na Chapada do Apodi, região jaguaribana do Ceará.

E-Mais

>José Maria Filho tinha 44 anos, era casado com Maria Lucinda Xavier e deixou três filhos. Todos estavam na missa de corpo presente na capela de Nossa Senhora de Fátima.
> Zé Maria presidia a Associação dos Desapropriados Trabalhadores Rurais Sem Terra – Chapada do Apodi, uma liderança social e era muito ligado à igreja católica (Cáritas e pastorais sociais). Sua luta começou na década de 90 quando começou o agrohidronegócio na Chapada do Apodi.
> Após a concelebração eucarística, presidida pelo bispo diocesano de Limoeiro do Norte, dom José Haring, várias notas de solidariedade foram lidas pelo pároco de Quixeré, Alessandro de Souza. Eram mensagens de associações, escolas, comunidades e dos familiares que lamentável a morte “daquele que pregava a justiça e o direito à vida”, “o defensor dos recursos naturais e dos direitos humanos”, segundo as notas.
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Editorial do jornal O POVO

Voz silenciada

O assassinato do líder comunitário José Maria Filho, no município de Limoeiro do Norte comove a opinião pública democrática

23 Abr 2010 – 01h17min

A opinião pública do Ceará foi surpreendida, nesta quarta-feira do feriado de Tiradentes, pela notícia da execução do líder comunitário José Maria Filho, na localidade de Sítio Tomé, em Limoeiro do Norte. O corpo foi encontrado por populares. A vítima tinha 18 perfurações a bala.

José Maria vinha se destacando pela luta contra o uso de agrotóxicos na Chapada do Apodi, além de ser porta-voz da comunidade nas reivindicações desta, envolvendo várias questões que englobavam também denúncias sobre injustiças nas desapropriações, dos que foram desapropriados pelos grandes projetos de irrigação na Chapada do Apodi.

Chama atenção o caráter provocativo da execução realizada com quase duas dezenas de tiros, o que supõe uma tentativa de intimidação e não apenas o propósito de calar uma boca. Ou seja, um recado para os movimentos sociais que atuam na área.

Sabe-se que o uso de agrotóxico se, em si mesmo, já oferece um grande perigo para a saúde humana e animal, torna-se um verdadeiro atentado à vida humana, da forma descuidada com que é utilizado e propagado, em vista do completo descuido dos responsáveis, seja em relação aos usuários, seja aos consumidores dos produtos cultivados através desse método de prevenção ou tratamento das pragas da lavoura.

Aqui, mesmo, neste espaço, já levantamos essa questão por diversas vezes. Pesquisas realizadas no Estado demonstram que nas áreas contaminadas por agrotóxicos é grande a incidência de doenças de alta letalidade, sobretudo, a leucemia. As borrifações das lavouras são feitas descuidadamente & inclusive as aéreas & contaminando o entorno, inclusive, os mananciais. Além disso há o fato de que os próprios agricultores que a manuseiam não são devidamente instruídos sobre os perigos do manuseio.

Não faz muito expusemos aqui as denúncias formuladas pelo pesquisador José Júlio da Ponte, Presidente da Academia Cearense de Ciências e comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico que, em artigos publicados por este jornal: “Mapeamento dos agrotóxicos“ e “Frutas e Verduras: a Dieta do Câncer“ expôs o perigo a que está exposta a sociedade cearense. Chegou a apresentar alternativas de combate às pragas: defensivos agrícolas naturais. Ele próprio, um cientista, se sente discriminado em sua campanha contra os agrotóxicos, imagine-se o que podia esperar um líder comunitário, enfrentando a pressão do meio em que se encontra.

Mas, isso não pode ficar assim. O repto lançado pelos assassinos à sociedade cearense extrapola todos os limites. Não se pode permitir que permaneçam impunes e zombando da ordem legal. A sociedade exige uma resposta rápida e demolidora, a fim de que este novelo seja desenrolado até o fim e os responsáveis, que estão ocultos, sejam alcançados pelo braço da Justiça. É o mínimo que se exige das autoridades do Estado.

O Povo

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