”O presidente frisou ainda que Belo Monte só será realizado ‘se todos ganharem com isso”’, afirma dom Erwin Kräutler

“fico muito triste quando vejo uma instituição como a OAB/PA ter mudado a tal ponto que se desviou da sua própria missão de defender os direitos de povos indígenas e das populações ribeirinha e urbana de Altamira, que serão tremendamente impactados com as consequências irreversíveis de um projeto megalomaníaco, insano. Aparentemente, abdicou a todo o espírito crítico e de transparência que sempre pautaram a instituição”.

O bispo dom Erwin Kräutler, da Prelazia do Xingu, territorialmente a maior em todo o mundo, manifesta-se decepcionado com a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará, pela forma como conduziu os debates que levaram a entidade a se manifestar favoravelmente à construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu.

Em entrevista ao blog Espaço Aberto, 08-03-2010, o bispo diz que ele e várias outras pessoas agraciadas com o Prêmio de Direitos Humanos “José Carlos Castro” já cogitaram em devolver a distinção à OAB-PA. E só não o fizeram por achar que isso seria injusto com as administrações anteriores.

Para dom Erwin, a OAB, nessa questão de Belo Monte, “abdicou a todo o espírito crítico e de transparência que sempre pautaram a instituição. Na realidade, o impacto social que Belo Monte causará seria o campo específico em que advogados deveriam agir. No entanto, ao aprovar Belo Monte, a OAB/PA toma partido e perde a legitimidade de se tornar a porta voz dos povos atingidos, fazendo coro com aqueles que querem o pseudo desenvolvimento a qualquer custo.”

Dom Erwin mora há mais de 40 anos no Brasil. Austríaco naturalizado brasileiro antes mesmo de ser ordenado bispo, é presidente nacional do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), tem toda uma vida dedicada à defesa dos direitos humanos e é uma das vozes mais influentes da Igreja Católica.

Assim como a missionária norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang, assassinada há cinco anos por contrariar os interesses de grileiros da Amazônia, o bispo da Prelazia do Xingu assume os riscos de sua opção por defender os direitos humanos da população pobre da região.

Ameaçado de morte por ter denunciado crimes, como o abuso sexual de menores por homens ricos de Altamira (PA), e cobrar maiores investigações no caso do assassinato de Irmã Dorothy, dom Erwin, como é conhecido, vive sob proteção ostensiva da Polícia Militar do Estado, inserido no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos do governo federal.

Além disso, sofre críticas das chamadas elites econômicas e políticas por se opor ao projeto do governo federal de construir a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA), obra que irá deslocar famílias ribeirinhas e povos indígenas, modificando a biodiversidade local.

No dia 5 de fevereiro passado, defensores dos direitos humanos reconhecidos nacional e internacionalmente, distinguidos pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará com o prêmio de Direitos Humanos, mostraram-se indignados com decisão da OAB-PA, de apoiar o projeto de construção da hidrelétrica de Belo Monte. Assinaram a nota de repúdio Antônia Melo da Silva, Cacique Dada Borari, Congregação de Notre Dame (pela Irmã Dorothy), padre Edilberto Sena, dom Erwin Krautler e Frei Henri Burin des Roziers.

Eis a entrevista.

O senhor participou da reunião promovida pela OAB/PA para discutir o projeto de belo Monte?

Recebi um convite da OAB, sim, e como sempre, atendi. Mas quando iniciou-se a reunião, a atual gestão da OAB – Seção Pará demonstrou claramente sua posição em relação ao megaprojeto Belo Monte, me decepcionando muito, pois entendo que uma instituição como a Ordem deve cumprir o papel de fiscalizadora dos direitos da sociedade, cobrando os poderes públicos que cumpram com seu dever de casa. Fui oficialmente convidado para um debate sobre Belo Monte a ser realizado no salão nobre da OAB na nossa capital, no dia 26 de fevereiro de 2010. Dei-me conta de que eu, como bispo do Xingu e presidente do Cimi, junto com Claudemir Teodoro do Couto Monteiro, Coordenardor do Cimi Norte II, fomos os únicos a manifestar-nos contra o projeto. Tivemos que ouvir mais uma vez a ladainha de meias-verdades e lugares-comuns dos desenvolvimentistas de plantão – e isso no recinto sagrado da OAB.

Diante disso, qual sua reação?

Quando foi minha vez de falar perguntei primeiro por que aí não se acharam os ilustres professores de renome nacional e internacional que têm argumentos de sobra contra Belo Monte? Por que essa gente perita não tem voz nem vez no âmbito da OAB? Citei apenas os nomes do professor dr. Célio Bermann, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP; do professor Dr. Oswaldo Sevá, da Unicamp; da professora dra. Sônia Magalhães, da UFPA; e do professor dr. Rodolfo A. Salm, também da UFPA. Por que esses cientistas de alto nível e padrão não foram convidados? Insisti no antigo adágio que os velhos romanos já observaram quando se trata de justiça e de direito: “Audiatur et altera pars” e, para ninguém ficar sobrando, traduzi o provérbio latim: “Ouça-se também a outra parte!” Tive oportunidade de manifestar minha indignação e revolta em relação a Belo Monte e à maneira como o assunto está sendo tratado também num fórum como o da OAB.

A representante do Ibama estava lá?

Sim, estavam todos os que querem o projeto e, por incrível que pareça, depois da minha fala, a dra. Andréa do Ibama reagiu, afirmando que as minhas preocupações são exatamente as do Ibama. Nem ela nem os outros que reagiram às minhas ponderações conseguiram desautorizar minhas graves acusações e previsões quanto ao futuro da região do Xingu. Aparentemente, encontraram-se num dilema.

E então?

Agora, estou me dando conta de que não tiveram coragem de rebater no plenário minha posição. Se recolheram para um conselho deliberativo onde sentiram-se mais à vontade para desdenhar de quem não reza pela cartilha da atual gestão da OAB – Seção Pará, chegando a chamar-me de mentiroso pelas costas. É lamentável a forma como usaram de má fé comigo, torcendo minhas palavras como lhes convinha ou aprazia, sem eu estar presente e assim ter condições de defender-me e reafirmar a minha posição.

Diante disso, como ficam as parcerias entre a OAB/PA e a CNBB Norte 2, que, segundo o presidente da Seccional, seriam mantidas?

A OAB sempre foi parceira da CNBB nas causas importantes que a Conferência dos Bispos do Brasil defendeu em nível nacional e regional. Agora, é importante ressaltar que as parcerias interinstitucionais são construídas a partir de princípios defendidos de maneira comum, de bandeiras de lutas semelhantes e estou, no momento, vendo essa OAB daqui se afastando desses princípios e isso, sem dúvida, comprometerá as demais parcerias, o que é uma pena. Mas não é a CNBB que está negando seus princípios.

O presidente da OAB/PA disse em entrevista que promoveu um amplo debate acerca do assunto, o senhor concorda com isso?

Se a entidade alega “um amplo debate” sobre a questão, queria que provasse, onde e quando aconteceu esse amplo debate OAB – Sociedade Civil – CNBB – Professores e cientistas que se manifestam contra o projeto e têm argumentos convincentes para tal. Isso absolutamente não aconteceu. Na gestão anterior, presidida pela dra. Ângela Sales, se iniciou esse debate sim, mas eram outras pessoas, outros conselheiros e parece que outros compromissos, mas na atual gestão não, definitivamente não. Aliás, fiquei logo surpreso ao ver com os ministérios públicos, o Federal e o Estadual, não foram sequer convidados, assim como o painel de especialista da UFPA também. Disseram que o bispo do Xingu havia sido recebido em audiência pelo presidente da República e, ainda, em outra oportunidade falou com o presidente do Ibama, como se tais encontros valessem como audiências públicas. De fato, estive duas vezes com o presidente da República, que me prometeu “não empurrar Belo Monte goela abaixo de quem quer que seja”. Frisou ainda que Belo Monte só será realizado “se todos ganharem com isso” e insistiu que o “debate deve continuar”. Quanto ao presidente do Ibama, foi ele que solicitou uma “audiência” com o bispo do Xingu. Aconteceu, porém, dois dias depois de ele e o ministro Minc tornarem pública a licença prévia.

Qual a conclusão que o senhor tira disso?

Olha, fico muito triste quando vejo uma instituição como a OAB/PA ter mudado a tal ponto que se desviou da sua própria missão de defender os direitos de povos indígenas e das populações ribeirinha e urbana de Altamira, que serão tremendamente impactados com as consequências irreversíveis de um projeto megalomaníaco, insano. Aparentemente, abdicou a todo o espírito crítico e de transparência que sempre pautaram a instituição. Na realidade, o impacto social que Belo Monte causará seria o campo específico em que advogados deveriam agir. No entanto, ao aprovar Belo Monte, a OAB/PA toma partido e perde a legitimidade de se tornar a porta-voz dos povos atingidos, fazendo coro com aqueles que querem o pseudodesenvolvimento a qualquer custo.

Qual seria o papel da OAB/PA esperado pelo senhor?

A previsão de construção da Hidrelétrica deveria pôr a OAB até em estado de alerta, pois cidadãs e cidadãos e povos indígenas, todos eles brasileiros, ficarão aviltados, violados em seus direitos e indelevelmente marcados pelas agressões que sofrerão por determinação de um governo autoritário que se nega a escutá-los como mereceriam. O que falei em plenário no referido “seminário” é que lamentavelmente as condicionantes que acompanham a licença prévia não se referem à desgraça de que milhares e milhares de pessoas humanas serão vítimas. Esperava que a OAB do Pará, de acordo com o seu Estatuto, antes de qualquer manifestação a favor ou contra o empreendimento hidrelétrico de Belo Monte, exigisse do governo explicações detalhadas sobre o futuro das famílias que serão arrancadas de seus lares e a respeito do povo de Altamira que permanecerá na cidade, mas será exposto a toda sorte de pragas e doenças endêmicas, pois terá que viver à beira de um lago de águas estagnadas, podres e mortas. As condicionantes não falam desta tragédia programada. Como então a OAB pode endossar as condicionantes da Licença Prévia qualificando-as como suficientes?

Como vai continuar a luta do senhor daqui pra frente?

Nós havíamos exigido e continuamos a exigir que os povos indígenas e ribeirinhos e a comunidade das cidades de Altamira, Vitória do Xingu, Senador José Porfírio, Anapu e Porto de Moz sejam ouvidos sem constrangimentos e cerceamento de sua liberdade através de um policiamento ostensivo. Que sejam ouvidos nos lugares onde realmente vivem e residem, nas suas aldeias, na Volta Grande do Xingu, nas cidades, nos bairros de Altamira que serão atingidos pela inundação e nas regiões de programada e irreversível deterioração do solo. E pergunto: onde estava o Conselho Deliberativo da OAB Pará para, junto a essa gente, gritar por esses seus direitos inalienáveis?

É verdade que, por conta da posição da OAB/PA, o senhor cogitou devolver o prêmio de Direitos Humanos José Carlos Castro à OAB/PA?

Sim, não somente eu, mas todos que receberam o prêmio, pois nossa indignação foi tão grande que pensamos sim, mas depois ponderamos que isso seria uma grande injustiça com a instituição e com as administrações anteriores, pois essa direção vai passar, mas a OAB permanecerá e certamente voltará a ter pessoas comprometidas com a defesa da vida com dignidade para todos, especialmente os excluídos.

E o Conselho Federal, hoje presidido pelo paraense Ophir Cavalcante Júnior, já se manifestou a respeito disso?

Que eu saiba não, somente quero resgatar que sempre predominou o respeito na relação do dr. Ophir com a CNBB. Inclusive, foi na gestão dele que as parcerias foram intensificadas, mas acredito que a CNBB nacional conversará com ele sobre o assunto.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=30525

Em entrevista ao blog Espaço Aberto, 08-03-2010, o bispo diz que ele e várias outras pessoas agraciadas com o Prêmio de Direitos Humanos “José Carlos Castro” já cogitaram em devolver a distinção à OAB-PA. E só não o fizeram por achar que isso seria injusto com as administrações anteriores.
Para dom Erwin, a OAB, nessa questão de Belo Monte, “abdicou a todo o espírito crítico e de transparência que sempre pautaram a instituição. Na realidade, o impacto social que Belo Monte causará seria o campo específico em que advogados deveriam agir. No entanto, ao aprovar Belo Monte, a OAB/PA toma partido e perde a legitimidade de se tornar a porta voz dos povos atingidos, fazendo coro com aqueles que querem o pseudo desenvolvimento a qualquer custo.”
Dom Erwin mora há mais de 40 anos no Brasil. Austríaco naturalizado brasileiro antes mesmo de ser ordenado bispo, é presidente nacional do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), tem toda uma vida dedicada à defesa dos direitos humanos e é uma das vozes mais influentes da Igreja Católica.
Assim como a missionária norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang, assassinada há cinco anos por contrariar os interesses de grileiros da Amazônia, o bispo da Prelazia do Xingu assume os riscos de sua opção por defender os direitos humanos da população pobre da região.
Ameaçado de morte por ter denunciado crimes, como o abuso sexual de menores por homens ricos de Altamira (PA), e cobrar maiores investigações no caso do assassinato de Irmã Dorothy, dom Erwin, como é conhecido, vive sob proteção ostensiva da Polícia Militar do Estado, inserido no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos do governo federal.
Além disso, sofre críticas das chamadas elites econômicas e políticas por se opor ao projeto do governo federal de construir a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA), obra que irá deslocar famílias ribeirinhas e povos indígenas, modificando a biodiversidade local.
No dia 5 de fevereiro passado, defensores dos direitos humanos reconhecidos nacional e internacionalmente, distinguidos pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará com o prêmio de Direitos Humanos, mostraram-se indignados com decisão da OAB-PA, de apoiar o projeto de construção da hidrelétrica de Belo Monte. Assinaram a nota de repúdio Antônia Melo da Silva, Cacique Dada Borari, Congregação de Notre Dame (pela Irmã Dorothy), padre Edilberto Sena, dom Erwin Krautler e Frei Henri Burin des Roziers.
Eis a entrevista.
O senhor participou da reunião promovida pela OAB/PA para discutir o projeto de belo Monte?
Recebi um convite da OAB, sim, e como sempre, atendi. Mas quando iniciou-se a reunião, a atual gestão da OAB – Seção Pará demonstrou claramente sua posição em relação ao megaprojeto Belo Monte, me decepcionando muito, pois entendo que uma instituição como a Ordem deve cumprir o papel de fiscalizadora dos direitos da sociedade, cobrando os poderes públicos que cumpram com seu dever de casa. Fui oficialmente convidado para um debate sobre Belo Monte a ser realizado no salão nobre da OAB na nossa capital, no dia 26 de fevereiro de 2010. Dei-me conta de que eu, como bispo do Xingu e presidente do Cimi, junto com Claudemir Teodoro do Couto Monteiro, Coordenardor do Cimi Norte II, fomos os únicos a manifestar-nos contra o projeto. Tivemos que ouvir mais uma vez a ladainha de meias-verdades e lugares-comuns dos desenvolvimentistas de plantão – e isso no recinto sagrado da OAB.
Diante disso, qual sua reação?
Quando foi minha vez de falar perguntei primeiro por que aí não se acharam os ilustres professores de renome nacional e internacional que têm argumentos de sobra contra Belo Monte? Por que essa gente perita não tem voz nem vez no âmbito da OAB? Citei apenas os nomes do professor dr. Célio Bermann, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP; do professor Dr. Oswaldo Sevá, da Unicamp; da professora dra. Sônia Magalhães, da UFPA; e do professor dr. Rodolfo A. Salm, também da UFPA. Por que esses cientistas de alto nível e padrão não foram convidados? Insisti no antigo adágio que os velhos romanos já observaram quando se trata de justiça e de direito: “Audiatur et altera pars” e, para ninguém ficar sobrando, traduzi o provérbio latim: “Ouça-se também a outra parte!” Tive oportunidade de manifestar minha indignação e revolta em relação a Belo Monte e à maneira como o assunto está sendo tratado também num fórum como o da OAB.
A representante do Ibama estava lá?
Sim, estavam todos os que querem o projeto e, por incrível que pareça, depois da minha fala, a dra. Andréa do Ibama reagiu, afirmando que as minhas preocupações são exatamente as do Ibama. Nem ela nem os outros que reagiram às minhas ponderações conseguiram desautorizar minhas graves acusações e previsões quanto ao futuro da região do Xingu. Aparentemente, encontraram-se num dilema.
E então?
Agora, estou me dando conta de que não tiveram coragem de rebater no plenário minha posição. Se recolheram para um conselho deliberativo onde sentiram-se mais à vontade para desdenhar de quem não reza pela cartilha da atual gestão da OAB – Seção Pará, chegando a chamar-me de mentiroso pelas costas. É lamentável a forma como usaram de má fé comigo, torcendo minhas palavras como lhes convinha ou aprazia, sem eu estar presente e assim ter condições de defender-me e reafirmar a minha posição.
Diante disso, como ficam as parcerias entre a OAB/PA e a CNBB Norte 2, que, segundo o presidente da Seccional, seriam mantidas?
A OAB sempre foi parceira da CNBB nas causas importantes que a Conferência dos Bispos do Brasil defendeu em nível nacional e regional. Agora, é importante ressaltar que as parcerias interinstitucionais são construídas a partir de princípios defendidos de maneira comum, de bandeiras de lutas semelhantes e estou, no momento, vendo essa OAB daqui se afastando desses princípios e isso, sem dúvida, comprometerá as demais parcerias, o que é uma pena. Mas não é a CNBB que está negando seus princípios.
O presidente da OAB/PA disse em entrevista que promoveu um amplo debate acerca do assunto, o senhor concorda com isso?
Se a entidade alega “um amplo debate” sobre a questão, queria que provasse, onde e quando aconteceu esse amplo debate OAB – Sociedade Civil – CNBB – Professores e cientistas que se manifestam contra o projeto e têm argumentos convincentes para tal. Isso absolutamente não aconteceu. Na gestão anterior, presidida pela dra. Ângela Sales, se iniciou esse debate sim, mas eram outras pessoas, outros conselheiros e parece que outros compromissos, mas na atual gestão não, definitivamente não. Aliás, fiquei logo surpreso ao ver com os ministérios públicos, o Federal e o Estadual, não foram sequer convidados, assim como o painel de especialista da UFPA também. Disseram que o bispo do Xingu havia sido recebido em audiência pelo presidente da República e, ainda, em outra oportunidade falou com o presidente do Ibama, como se tais encontros valessem como audiências públicas. De fato, estive duas vezes com o presidente da República, que me prometeu “não empurrar Belo Monte goela abaixo de quem quer que seja”. Frisou ainda que Belo Monte só será realizado “se todos ganharem com isso” e insistiu que o “debate deve continuar”. Quanto ao presidente do Ibama, foi ele que solicitou uma “audiência” com o bispo do Xingu. Aconteceu, porém, dois dias depois de ele e o ministro Minc tornarem pública a licença prévia.
Qual a conclusão que o senhor tira disso?
Olha, fico muito triste quando vejo uma instituição como a OAB/PA ter mudado a tal ponto que se desviou da sua própria missão de defender os direitos de povos indígenas e das populações ribeirinha e urbana de Altamira, que serão tremendamente impactados com as consequências irreversíveis de um projeto megalomaníaco, insano. Aparentemente, abdicou a todo o espírito crítico e de transparência que sempre pautaram a instituição. Na realidade, o impacto social que Belo Monte causará seria o campo específico em que advogados deveriam agir. No entanto, ao aprovar Belo Monte, a OAB/PA toma partido e perde a legitimidade de se tornar a porta-voz dos povos atingidos, fazendo coro com aqueles que querem o pseudodesenvolvimento a qualquer custo.
Qual seria o papel da OAB/PA esperado pelo senhor?
A previsão de construção da Hidrelétrica deveria pôr a OAB até em estado de alerta, pois cidadãs e cidadãos e povos indígenas, todos eles brasileiros, ficarão aviltados, violados em seus direitos e indelevelmente marcados pelas agressões que sofrerão por determinação de um governo autoritário que se nega a escutá-los como mereceriam. O que falei em plenário no referido “seminário” é que lamentavelmente as condicionantes que acompanham a licença prévia não se referem à desgraça de que milhares e milhares de pessoas humanas serão vítimas. Esperava que a OAB do Pará, de acordo com o seu Estatuto, antes de qualquer manifestação a favor ou contra o empreendimento hidrelétrico de Belo Monte, exigisse do governo explicações detalhadas sobre o futuro das famílias que serão arrancadas de seus lares e a respeito do povo de Altamira que permanecerá na cidade, mas será exposto a toda sorte de pragas e doenças endêmicas, pois terá que viver à beira de um lago de águas estagnadas, podres e mortas. As condicionantes não falam desta tragédia programada. Como então a OAB pode endossar as condicionantes da Licença Prévia qualificando-as como suficientes?
Como vai continuar a luta do senhor daqui pra frente?
Nós havíamos exigido e continuamos a exigir que os povos indígenas e ribeirinhos e a comunidade das cidades de Altamira, Vitória do Xingu, Senador José Porfírio, Anapu e Porto de Moz sejam ouvidos sem constrangimentos e cerceamento de sua liberdade através de um policiamento ostensivo. Que sejam ouvidos nos lugares onde realmente vivem e residem, nas suas aldeias, na Volta Grande do Xingu, nas cidades, nos bairros de Altamira que serão atingidos pela inundação e nas regiões de programada e irreversível deterioração do solo. E pergunto: onde estava o Conselho Deliberativo da OAB Pará para, junto a essa gente, gritar por esses seus direitos inalienáveis?
É verdade que, por conta da posição da OAB/PA, o senhor cogitou devolver o prêmio de Direitos Humanos José Carlos Castro à OAB/PA?
Sim, não somente eu, mas todos que receberam o prêmio, pois nossa indignação foi tão grande que pensamos sim, mas depois ponderamos que isso seria uma grande injustiça com a instituição e com as administrações anteriores, pois essa direção vai passar, mas a OAB permanecerá e certamente voltará a ter pessoas comprometidas com a defesa da vida com dignidade para todos, especialmente os excluídos.
E o Conselho Federal, hoje presidido pelo paraense Ophir Cavalcante Júnior, já se manifestou a respeito disso?
Que eu saiba não, somente quero resgatar que sempre predominou o respeito na relação do dr. Ophir com a CNBB. Inclusive, foi na gestão dele que as parcerias foram intensificadas, mas acredito que a CNBB nacional conversará com ele sobre o assuntoO bispo dom Erwin Kräutler, da Prelazia do Xingu, territorialmente a maior em todo o mundo, manifesta-se decepcionado com a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará, pela forma como conduziu os debates que levaram a entidade a se manifestar favoravelmente à construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu.
Em entrevista ao blog Espaço Aberto, 08-03-2010, o bispo diz que ele e várias outras pessoas agraciadas com o Prêmio de Direitos Humanos “José Carlos Castro” já cogitaram em devolver a distinção à OAB-PA. E só não o fizeram por achar que isso seria injusto com as administrações anteriores.
Para dom Erwin, a OAB, nessa questão de Belo Monte, “abdicou a todo o espírito crítico e de transparência que sempre pautaram a instituição. Na realidade, o impacto social que Belo Monte causará seria o campo específico em que advogados deveriam agir. No entanto, ao aprovar Belo Monte, a OAB/PA toma partido e perde a legitimidade de se tornar a porta voz dos povos atingidos, fazendo coro com aqueles que querem o pseudo desenvolvimento a qualquer custo.”
Dom Erwin mora há mais de 40 anos no Brasil. Austríaco naturalizado brasileiro antes mesmo de ser ordenado bispo, é presidente nacional do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), tem toda uma vida dedicada à defesa dos direitos humanos e é uma das vozes mais influentes da Igreja Católica.
Assim como a missionária norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang, assassinada há cinco anos por contrariar os interesses de grileiros da Amazônia, o bispo da Prelazia do Xingu assume os riscos de sua opção por defender os direitos humanos da população pobre da região.
Ameaçado de morte por ter denunciado crimes, como o abuso sexual de menores por homens ricos de Altamira (PA), e cobrar maiores investigações no caso do assassinato de Irmã Dorothy, dom Erwin, como é conhecido, vive sob proteção ostensiva da Polícia Militar do Estado, inserido no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos do governo federal.
Além disso, sofre críticas das chamadas elites econômicas e políticas por se opor ao projeto do governo federal de construir a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA), obra que irá deslocar famílias ribeirinhas e povos indígenas, modificando a biodiversidade local.
No dia 5 de fevereiro passado, defensores dos direitos humanos reconhecidos nacional e internacionalmente, distinguidos pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará com o prêmio de Direitos Humanos, mostraram-se indignados com decisão da OAB-PA, de apoiar o projeto de construção da hidrelétrica de Belo Monte. Assinaram a nota de repúdio Antônia Melo da Silva, Cacique Dada Borari, Congregação de Notre Dame (pela Irmã Dorothy), padre Edilberto Sena, dom Erwin Krautler e Frei Henri Burin des Roziers.
Eis a entrevista.
O senhor participou da reunião promovida pela OAB/PA para discutir o projeto de belo Monte?
Recebi um convite da OAB, sim, e como sempre, atendi. Mas quando iniciou-se a reunião, a atual gestão da OAB – Seção Pará demonstrou claramente sua posição em relação ao megaprojeto Belo Monte, me decepcionando muito, pois entendo que uma instituição como a Ordem deve cumprir o papel de fiscalizadora dos direitos da sociedade, cobrando os poderes públicos que cumpram com seu dever de casa. Fui oficialmente convidado para um debate sobre Belo Monte a ser realizado no salão nobre da OAB na nossa capital, no dia 26 de fevereiro de 2010. Dei-me conta de que eu, como bispo do Xingu e presidente do Cimi, junto com Claudemir Teodoro do Couto Monteiro, Coordenardor do Cimi Norte II, fomos os únicos a manifestar-nos contra o projeto. Tivemos que ouvir mais uma vez a ladainha de meias-verdades e lugares-comuns dos desenvolvimentistas de plantão – e isso no recinto sagrado da OAB.
Diante disso, qual sua reação?
Quando foi minha vez de falar perguntei primeiro por que aí não se acharam os ilustres professores de renome nacional e internacional que têm argumentos de sobra contra Belo Monte? Por que essa gente perita não tem voz nem vez no âmbito da OAB? Citei apenas os nomes do professor dr. Célio Bermann, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP; do professor Dr. Oswaldo Sevá, da Unicamp; da professora dra. Sônia Magalhães, da UFPA; e do professor dr. Rodolfo A. Salm, também da UFPA. Por que esses cientistas de alto nível e padrão não foram convidados? Insisti no antigo adágio que os velhos romanos já observaram quando se trata de justiça e de direito: “Audiatur et altera pars” e, para ninguém ficar sobrando, traduzi o provérbio latim: “Ouça-se também a outra parte!” Tive oportunidade de manifestar minha indignação e revolta em relação a Belo Monte e à maneira como o assunto está sendo tratado também num fórum como o da OAB.
A representante do Ibama estava lá?
Sim, estavam todos os que querem o projeto e, por incrível que pareça, depois da minha fala, a dra. Andréa do Ibama reagiu, afirmando que as minhas preocupações são exatamente as do Ibama. Nem ela nem os outros que reagiram às minhas ponderações conseguiram desautorizar minhas graves acusações e previsões quanto ao futuro da região do Xingu. Aparentemente, encontraram-se num dilema.
E então?
Agora, estou me dando conta de que não tiveram coragem de rebater no plenário minha posição. Se recolheram para um conselho deliberativo onde sentiram-se mais à vontade para desdenhar de quem não reza pela cartilha da atual gestão da OAB – Seção Pará, chegando a chamar-me de mentiroso pelas costas. É lamentável a forma como usaram de má fé comigo, torcendo minhas palavras como lhes convinha ou aprazia, sem eu estar presente e assim ter condições de defender-me e reafirmar a minha posição.
Diante disso, como ficam as parcerias entre a OAB/PA e a CNBB Norte 2, que, segundo o presidente da Seccional, seriam mantidas?
A OAB sempre foi parceira da CNBB nas causas importantes que a Conferência dos Bispos do Brasil defendeu em nível nacional e regional. Agora, é importante ressaltar que as parcerias interinstitucionais são construídas a partir de princípios defendidos de maneira comum, de bandeiras de lutas semelhantes e estou, no momento, vendo essa OAB daqui se afastando desses princípios e isso, sem dúvida, comprometerá as demais parcerias, o que é uma pena. Mas não é a CNBB que está negando seus princípios.
O presidente da OAB/PA disse em entrevista que promoveu um amplo debate acerca do assunto, o senhor concorda com isso?
Se a entidade alega “um amplo debate” sobre a questão, queria que provasse, onde e quando aconteceu esse amplo debate OAB – Sociedade Civil – CNBB – Professores e cientistas que se manifestam contra o projeto e têm argumentos convincentes para tal. Isso absolutamente não aconteceu. Na gestão anterior, presidida pela dra. Ângela Sales, se iniciou esse debate sim, mas eram outras pessoas, outros conselheiros e parece que outros compromissos, mas na atual gestão não, definitivamente não. Aliás, fiquei logo surpreso ao ver com os ministérios públicos, o Federal e o Estadual, não foram sequer convidados, assim como o painel de especialista da UFPA também. Disseram que o bispo do Xingu havia sido recebido em audiência pelo presidente da República e, ainda, em outra oportunidade falou com o presidente do Ibama, como se tais encontros valessem como audiências públicas. De fato, estive duas vezes com o presidente da República, que me prometeu “não empurrar Belo Monte goela abaixo de quem quer que seja”. Frisou ainda que Belo Monte só será realizado “se todos ganharem com isso” e insistiu que o “debate deve continuar”. Quanto ao presidente do Ibama, foi ele que solicitou uma “audiência” com o bispo do Xingu. Aconteceu, porém, dois dias depois de ele e o ministro Minc tornarem pública a licença prévia.
Qual a conclusão que o senhor tira disso?
Olha, fico muito triste quando vejo uma instituição como a OAB/PA ter mudado a tal ponto que se desviou da sua própria missão de defender os direitos de povos indígenas e das populações ribeirinha e urbana de Altamira, que serão tremendamente impactados com as consequências irreversíveis de um projeto megalomaníaco, insano. Aparentemente, abdicou a todo o espírito crítico e de transparência que sempre pautaram a instituição. Na realidade, o impacto social que Belo Monte causará seria o campo específico em que advogados deveriam agir. No entanto, ao aprovar Belo Monte, a OAB/PA toma partido e perde a legitimidade de se tornar a porta-voz dos povos atingidos, fazendo coro com aqueles que querem o pseudodesenvolvimento a qualquer custo.
Qual seria o papel da OAB/PA esperado pelo senhor?
A previsão de construção da Hidrelétrica deveria pôr a OAB até em estado de alerta, pois cidadãs e cidadãos e povos indígenas, todos eles brasileiros, ficarão aviltados, violados em seus direitos e indelevelmente marcados pelas agressões que sofrerão por determinação de um governo autoritário que se nega a escutá-los como mereceriam. O que falei em plenário no referido “seminário” é que lamentavelmente as condicionantes que acompanham a licença prévia não se referem à desgraça de que milhares e milhares de pessoas humanas serão vítimas. Esperava que a OAB do Pará, de acordo com o seu Estatuto, antes de qualquer manifestação a favor ou contra o empreendimento hidrelétrico de Belo Monte, exigisse do governo explicações detalhadas sobre o futuro das famílias que serão arrancadas de seus lares e a respeito do povo de Altamira que permanecerá na cidade, mas será exposto a toda sorte de pragas e doenças endêmicas, pois terá que viver à beira de um lago de águas estagnadas, podres e mortas. As condicionantes não falam desta tragédia programada. Como então a OAB pode endossar as condicionantes da Licença Prévia qualificando-as como suficientes?
Como vai continuar a luta do senhor daqui pra frente?
Nós havíamos exigido e continuamos a exigir que os povos indígenas e ribeirinhos e a comunidade das cidades de Altamira, Vitória do Xingu, Senador José Porfírio, Anapu e Porto de Moz sejam ouvidos sem constrangimentos e cerceamento de sua liberdade através de um policiamento ostensivo. Que sejam ouvidos nos lugares onde realmente vivem e residem, nas suas aldeias, na Volta Grande do Xingu, nas cidades, nos bairros de Altamira que serão atingidos pela inundação e nas regiões de programada e irreversível deterioração do solo. E pergunto: onde estava o Conselho Deliberativo da OAB Pará para, junto a essa gente, gritar por esses seus direitos inalienáveis?
É verdade que, por conta da posição da OAB/PA, o senhor cogitou devolver o prêmio de Direitos Humanos José Carlos Castro à OAB/PA?
Sim, não somente eu, mas todos que receberam o prêmio, pois nossa indignação foi tão grande que pensamos sim, mas depois ponderamos que isso seria uma grande injustiça com a instituição e com as administrações anteriores, pois essa direção vai passar, mas a OAB permanecerá e certamente voltará a ter pessoas comprometidas com a defesa da vida com dignidade para todos, especialmente os excluídos.
E o Conselho Federal, hoje presidido pelo paraense Ophir Cavalcante Júnior, já se manifestou a respeito disso?
Que eu saiba não, somente quero resgatar que sempre predominou o respeito na relação do dr. Ophir com a CNBB. Inclusive, foi na gestão dele que as parcerias foram intensificadas, mas acredito que a CNBB nacional conversará com ele sobre o assunto.

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