“Vai ser a comissão contra os direitos humanos”, diz Domingos Dutra sobre Feliciano

Na visão de deputado do Maranhão, a Câmara deveria estar na vanguarda da luta por direitos das minorias, mas dá demonstrações de ser o poder mais atrasado | Foto: Saulo Cruz / Agência Câmara

Rachel Duarte

As últimas semanas foram marcadas por protestos e muita polêmica envolvendo a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal. Em entrevista ao Sul21, o antigo presidente, deputado federal Domingos Dutra (PT-MA), descreve a negociação política para escolha do seu sucessor como um erro coletivo que está afetando a credibilidade do Congresso. “Foi um vacilo. O PT não quis esta comissão, o que foi um erro na minha opinião”, disse. Mas ele também credita a eleição do pastor Marco Feliciano (PSC-SP) na CDHM a uma articulação do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e os representantes do PSC, atendendo a interesses obscuros ligados a evangélicos e ruralistas.

Domingos Dutra avaliou o trabalho da Comissão de Direitos Humanos e Minorias durante o ano de 2012, que entre outras ações, aprovou a engavetada PEC do Trabalho Escravo e devolveu mandatos aos parlamentares cassados durante a ditadura militar. Ele avalia que, com a nova composição da CDHM, alguns avanços para garantia de direitos às minorias ficarão ameaçados. “No momento em que a gente estava lutando com o presidente Henrique Eduardo Alves, defendendo que a comissão tivesse mais estrutura, mais gente, mais recurso, na hora que a gente tenta melhorar a condição para quem vier depois, aí a gente dá dez passos para trás com a indicação de um deputado cuja história é contrária aos direitos humanos”, falou.

O parlamentar, que participou da fundação do PT, confirmou que está de malas prontas para deixar a sigla. Ele deve ingressar na Rede Sustentabilidade da ex-senadora Marina Silva – decisão motivada por questões locais do PT com o PMDB do Maranhão. Fiel combatente da família Sarney, Domingos Dutra não pretende fazer nova greve de fome para seguir levando a estrela do PT à frente, uma vez que a legenda segue abraçada ao que considera ser a “ditadura de José Sarney”. “Embora eu tenha chances de ser eleito nessa bigamia, eu acho que o problema do Maranhão não se resolve com um mandato de deputado. Nós queremos incluir o Maranhão no mapa do Brasil, porque esse é o único estado do Brasil onde a ditadura não terminou. Por isso que é irreconciliável eu continuar no PT, ser candidato a deputado federal pelo PT enquanto o PT estiver coligado com o grupo político do senador Sarney”, argumentou.

Sul21 – O senhor renunciou à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) na reunião de escolha do novo presidente. O seu gesto foi em oposição ao processo de eleição do novo presidente ou à indicação feita pelo PSC?

Domingos Dutra – Não foi um protesto contra a indicação do deputado (Feliciano), mas sobretudo, contra o modo como foi conduzida a eleição. Eu não poderia convalidar uma eleição para nova presidência feita de portas fechadas, com barreiras nos corredores da Câmara Federal e com a polícia legislativa proibindo o acesso das pessoas ao plenário da Comissão. Eu não tinha outra alternativa que não me rebelar contra isso e renunciar para não fazer a eleição. Se não, restaria suspender novamente a sessão. Porém, como foi uma convocação do presidente da Câmara Federal, Henrique Alves (PMDB), eu não poderia me insubordinar a uma reconvocação para realizar a sessão. É estranho que uma comissão que foi criada por inspiração dos movimentos sociais para ser uma porta de entrada da reivindicação dos seus direitos, agora esteja de portas fechadas (para eles), com a polícia na porta. Nós criamos uma Comissão Nacional da Verdade para revelar os abusos de um regime autoritário. Fazer uma reunião na Comissão de Direitos Humanos e Minorias com as portas fechadas é uma negação disso.

Sul21 – A indicação já estava feita há uma semana. O PT, que teve a presidência desta comissão por tanto tempo, não poderia fazer nada para impedir a indicação de Marco Feliciano?

Domingos Dutra – Este episódio vai deixar lições para todos. Para a atual Mesa Diretora da CDHM, para a futura, para os deputados do PT e bancada do PT, e para todos os partidos. Foi um vacilo da bancada. Mas também há uma alegação de que, diante de tantas comissões importantes, o PT não poderia ficar apenas com uma comissão. Eu acredito que foi um equivoco do PT não ter ficado com esta comissão (CDHM). Primeiro porque agasalha deputados como eu, que dedicam 100% dos mandatos para causas sociais ainda não resolvidas. A mim não interessa ir para uma comissão de Orçamento ou outras. Portanto, estou sendo exilado com esta escolha. Segundo, o que está em jogo são os Direitos Humanos, que não podem ser de direita ou de esquerda, embora esse partido (PSC) seja de direita. Direitos Humanos não é oposição ou governo, é algo que diz respeito a todos os cidadãos. Qualquer violação de direitos coletivos ou individuais tem que ser acolhida nesta comissão. Então, a presidência da CDHM ter caído nas mãos do PSC não foi o maior agravante. O grave foi ter caído nas mãos de um deputado cujo perfil e história são contrários aos direitos humanos. O PSC tinha outros nomes que poderiam conduzir o trabalho da comissão com menos prejuízo. É importante que as bancadas, nas próximas escolhas, mesmo que respeitem a proporcionalidade, escolham um deputado cujo perfil se enquadre com os objetivos da comissão. Não pode botar na comissão de direitos humanos uma pessoa que disse que a África padece na pobreza porque foi colonizada por um ancestral amaldiçoado por Noé, não pode botar na comissão um deputado que considera que as relações homoafetivas são doença, violência, promiscuidade. Então o erro está na escolha do parlamentar, cujo perfil é a negação do objetivo da comissão. E, para o PT, já que esta comissão foi criada por inspiração do PT quando estava na oposição, o debate demonstrou que esta é uma comissão importante para o Brasil. Ninguém imaginava que as reações alcançariam o patamar que alcançaram. Os atos presenciais foram muito maiores do que quando da posse do Renan Calheiros (na presidência do Senado). A CDHM é importante para o Parlamento e para a sociedade. Tenho certeza que a bancada do PT não vai vacilar mais nos próximos anos.

Sul21 – O presidente executivo do PSC, pastor Everaldo Dias Pereira, afirmou que o PT entregou a CDHM ao PSC, que não foi necessário negociar muito e que depois, quando foi indicado o deputado Marco Feliciano, a ministra Maria do Rosário tentou atuar de forma contrária. Qual foi a participação do governo para evitar que isso acontecesse?

Domingos Dutra – Esse episódio teve um conjunto de interesses nem sempre explicitados. Por exemplo, na bancada do PT, o líder escolheu outras comissões que na avaliação do partido, eram mais importantes que a de Direitos Humanos. O PT não quis esta Comissão, o que foi um erro. E as consequências estão aí. Por outro lado, a liderança do PMDB também agiu. O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi o grande arquiteto desse resultado. Porque o Eduardo Cunha entregou duas vagas do PMDB para o PSC, o deputado Eduardo Cunha negociou com o PSDB duas vagas. O PMDB pediu duas vagas para o PSDB na Comissão de Ciência e Tecnologia e pediu duas vagas para o PSDB na Comissão de Direitos Humanos. Ele pediu pra si e repassou para o PSC. Já o PSB indicou um pastor, o que foi um risco. Deixou Janete Capiberibe (PSB-AP) e Luiza Erundina (PSB-SP) de fora. A bancada ruralista há muito tempo tinha interesse na Comissão de Direitos Humanos, então fizeram uma aliança com os evangélicos, de tal forma que podem destravar os projetos de interesse do agronegócio que sempre foram derrotados na CDHM. Houve um conjunto de interesses que desaguaram na CDHM. E os evangélicos, que formam uma bancada bem expressiva, já haviam incomodado com uma agenda na CDHM. Também se articularam. Ocorreram alianças de todos os tipos. O resultado é o que aconteceu.

Sul21 – O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) criticou a cedência de espaço na CDHM também feita pelo PT e PCdoB, dizendo que isto deveria ter sido evitado para que o compromisso da CDHM não ficasse ameaçado pelos fundamentalistas. Qual a sua opinião?

Domingos Dutra – Essa crítica vem sendo feita, sim. Agora, eu soube que o PSC estava contrariado com o governo federal. O governo teria prometido coisas e não deu. Então, o próprio PSC disse: “olha, eu fiquei porque só sobrou essa pra mim, foi o PT que não quis”. O Henrique Eduardo Alves (presidente da Câmara) seguiu essa tese de que o PT não quis a comissão. Nessa selva que a gente vive aqui no Congresso, na hora que o negócio aperta, todos querem transferir a responsabilidade. Por isso, eu acho que não foi só o PSC o responsável nesta história. O PSC está no direito dele, sobrou a eles a CDHM e indicaram o parlamentar (Marco Feliciano), mesmo tendo nomes mais palatáveis como o da deputada Antonia Lúcia (PSC-AC). (A indicação de Feliciano) foi para vingar interesses contrariados junto ao Planalto. A culpa tem que ser dividida entre todos. O resultado desse erro coletivo é o desgaste que está tendo a Câmara Federal. Esse assunto não é mais do PSC, do pastor, do Dutra: é um assunto da Câmara Federal. A Câmara já tem sua credibilidade em um patamar bem baixo junto à sociedade, e ao persistir nesta indicação vai comprometer ainda mais a sua credibilidade. Eu acredito que o resultado disso já ficou entendido: todos têm que tirar lições, a Comissão de Direitos Humanos não pode ser comissão de trampolim. É uma comissão boa para a Casa, e é fundamental para uma boa parte do povo brasileiro, que ainda não está incluído. E não é só minoria não, a comissão se dedica às maiorias. Todos nós vivemos hoje acuados com a questão da violência, e a Comissão de Direitos Humanos tem interesse, tem importância e tem que ajudar a melhorar a segurança pública. O sistema carcerário é fonte permanente de criminalidade, a Comissão de Direitos Humanos tem uma grande contribuição em tentar humanizar o sistema carcerário, para a gente garantir paz para quem está solto. Então eu espero, estou esperançoso ao menos, que nesta semana aconteça a saída do pastor (Marco Feliciano). Ninguém sabe quais são os interesses dele em manter o pé na parede e não aceitar renunciar ao cargo. E a Comissão de Direitos Humanos tem que ser plural. O PSC, que tem 17 deputados na Câmara, tem oito deputados na comissão, entre titulares e suplentes. O PT, que tem 90 deputados, tem quatro deputados na comissão. Na hora que a comissão é de um só partido acabou a diversidade, acabou a pluralidade, que são essenciais na vida desta comissão. Eu sou católico, mas eu não posso, quando na presidência da comissão, colocar a minha religião acima de outra religião. Eu sou heterossexual, e eu não tenho o direito de discriminar os homossexuais. Nós temos que conhecer a realidade em que vivem as prostitutas nesse país, que são vítimas de violência e de todos os tipos de barbaridades. Então todos esses acertos históricos da comissão estão hoje correndo um risco por conta de um erro coletivo e por conta da intransigência de um parlamentar que quer porque quer ficar na presidência da comissão, ignorando as manifestações contrárias pelo Brasil afora.

Sul21 – Os deputados contrários à nova presidência criarão uma Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos nesta semana. Além disso, estão pedindo anulação da eleição de Marco Feliciano junto ao STF. Como avançam estas ações?

Domingos Dutra – Nós tivemos uma audiência com o presidente (Henrique Eduardo Alves) semana passada e foi muito positiva. O presidente já tinha feito gestões junto ao (líder do PSC na Câmara) André Moura (PSC-SE) para operar a saída de Feliciano. Ele tem consciência de que, ao persistir com o pastor, vai contaminar toda a Câmara. Após a primeira sessão da CDHM, na semana passada, o movimento social ocupou a comissão permanecendo no Congresso durante a noite. Na próxima quarta-feira (20), com certeza os movimentos sociais vão estar novamente lá, porque sempre foi o espaço deles. E o presidente da CDHM (Feliciano) pode tentar levar pastores de outros estados, como fez na semana passada, para as próximas sessões que o impasse vai continuar. Naquele corredor das comissões, nenhuma outra comissão vai ter paz para trabalhar se permanecer o Feliciano. Já tem mais de 400 mil manifestações contrárias a ele nas redes sociais. Portanto, a gente está confiando que o presidente Henrique Eduardo Alves, com a experiência que ele tem, possa fazer um esforço para tentar resolver este impasse. O PSC tem deputados que podem ir para a CDHM, mantendo o direito do PSC à presidência, mas que manterão o funcionamento legítimo dela. O prejuízo (com Marco Feliciano) é muito grande. Nós temos brasileiros presos na Bolívia; temos a questão dos estudantes na Bolívia que estão sendo massacrados; temos a questão dos haitianos lá no Acre e no Amazonas; tem uma série de demandas que estão emperradas já nestes dois meses desde que a Câmara recomeçou seus trabalhos e a Comissão de Direitos Humanos está no marco zero.

Sul21 – Quais foram as principais conquistas da CDHM para a sociedade brasileira em 2012?

Domingos Dutra – A CDHM teve balanço positivo. Nós conseguimos dar visibilidade ao trabalho da comissão na imprensa nacional e internacional. Nós desenvolvemos uma pauta de estado bem diversificada. Nós conseguimos aprovar a PEC do Trabalho Escravo, entalada há mais de nove anos no Congresso. E nós conseguimos fazer isso porque conseguimos envolver o movimento sindical, artistas e personalidades nacionais e a Procuradoria do Trabalho e o Ministério Público Federal (MPF). Nós criamos uma Subcomissão da Verdade, Memória e Justiça, coordenada pela deputada Luiza Erundina. Fizemos uma grande solenidade com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), onde devolvemos o mandato dos deputados perseguidos durante a ditadura militar. Foram devolvidos diplomas de 183 brasileiros cassados. Fizemos também uma exposição de 30 dias na Câmara Federal mostrando tudo que aconteceu durante a ditadura. Fizemos também um convênio com a Comissão Nacional da Verdade para compartilhar documentos. Fizemos reuniões conjuntas para detectar os impactos da ditadura nas comunidades indígenas. Fizemos diligências pelo Brasil afora, contra o assassinato de jornalistas, em defesa dos indígenas na Bahia e Mato Grosso do Sul. Fizemos intervenções contra a calamidade das emergências de hospitais de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais, entre outros. Fizemos ainda seminário para discutir o grau de nocividade da propaganda televisiva direcionada ao público infantil, que causa distorções físicas e morais nas crianças brasileiras. Consideramos que o Brasil é um país urbano e semiurbano, mas mesmo no meio rural a maioria das crianças fica horas com os olhos na televisão. Também realizamos um seminário para debater a Lei Maria da Penha, que ainda não garante a proteção das mulheres. A violência contra elas ainda é muito grande. Discutimos ainda a realidade dos quilombolas. Estes segmentos, mulheres e negros, são maioria no país. Mas também nos preocupamos com o nosso dever com as minorias. Fizemos um seminário sobre os homicídios contra a população LGBT. Portanto, o trabalho da CDHM foi muito intenso.

Sul21 – Qual foi o resultado do levantamento feito pela CDHM sobre o impacto da ditadura militar nas comunidades indígenas?

Domingos Dutra – Os índios foram uma das principais vítimas da ditadura militar. O regime tentou instrumentalizar os índios, alistando-os nas Forças Armadas. Existia inclusive um grande agrupamento em Minas Gerais para usar os índios para identificar e denunciar os eventuais comunistas. Teve a abertura da Transamazônica, feita pelo Médici, com a intenção de integrar o território nacional, com o discurso de que a Amazônia estava sendo tomada pelos estrangeiros e sendo infiltrada pelos comunistas. Tanto que a Guerrilha do Araguaia se deu em parte na Amazônia e os representantes do Partido Comunista foram dizimados. Muitos índios também foram vitimados. Faltou fazer o levantamento do impacto da ditadura nas comunidades quilombolas. A CDHM iria fazer isso neste ano. A Comissão Nacional da Verdade segue trabalhando e nós iríamos aprofundar este debate. Mas a Subcomissão da Verdade tem que ser renovada todo ano e com este impasse na CDHM esta e outras ações de continuidade ficam comprometidas.

Sul21 – No tema do sistema prisional, houve uma divergência com os demais membros da CDHM, principalmente o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), sobre os direitos aos apenados. Como avançou este tema?

Domingos Dutra – Vou explicar uma coisa. O deputado Jair Bolsonaro é um franco-atirador. Ele já declarou que o erro da ditadura foi ter matado pouca gente, enquanto nós fizemos a solenidade de devolução do mandato dos deputados perseguidos durante a ditadura. O Jair Bolsonaro não teve condições políticas de ir para a tribuna ser contra o nosso projeto (PL que cria o Estatuto Penitenciário Nacional) porque o debate foi muito grande. Então ele, para se vingar do PT e de mim, resolveu criticar este projeto que é fruto do trabalho da CPI do Sistema Carcerário e aprovado por unanimidade por todos os 23 deputados da CPI. Ele dizia duas coisas: que o Estatuto Penitenciário era para garantir privilégios para os petistas que foram condenados na Ação 470, no chamado mensalão, e que (o Estatuto) queria garantir hotéis cinco estrelas para os presos. Mas isso não tem cabimento nenhum, porque hoje é consenso que o sistema carcerário tem que ser humanizado. É um sistema ilegal. O Jair Bolsonaro, que em plena democracia defende pena de morte e defende que a ditadura matou pouco, não é referência nenhuma (nesse tema). E nós temos hoje 570 mil encarcerados vivendo em condições degradantes, sem política de ressocialização. Quando o apenado volta à sociedade ele volta a delinquir, porque o Estado não garantiu condição nenhuma para que ele tenha uma vida social na legalidade. O que nós ficamos vendo é o aumento da violência, a um custo financeiro enorme para o estado.

Sul21 –  Neste conceito sobre minorias, o senhor separa alguns setores da sociedade que não podem ser qualificados desta forma. Quem é minoria hoje no país?

Domingos Dutra – O Brasil cresceu, melhorou, mas a pobreza do país não está reduzida e as injustiças seguem existindo. Há muita gente que continua catando comida em lixeira, dormindo na rua, há jovens se acabando nas drogas como o crack. Então, a Comissão de Direitos Humanos tem que estar aberta a tudo isso. E nós temos minorias bem identificadas que o Estado brasileiro tem que tratar. O Poder Executivo tem dado atenção a estas minorias, nos governos da presidenta Dilma (Rousseff) e do ex-presidente Lula, com uma série de programas sociais. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem suprido a omissão do Congresso, como na votação unânime da união civil para pessoas do mesmo sexo. E o Congresso, principalmente a Câmara Federal, que deveria estar na vanguarda disso tudo, dá demonstrações de ser o poder mais atrasado. Porque, enquanto o STF valida a união civil, o Pastor Feliciano apresenta um projeto de anular a decisão do Supremo. O Poder Executivo faz uma cartilha sobre orientação sexual, e uma boa parte da Câmara é contra. Então, nós temos que proteger essa população (LGBT), bem como os índios que estão há quinhentos anos sofrendo genocídio. O caso dos Guaranis no Mato Grosso do Sul é crime contra a humanidade. Eles estão sendo executados ou estão se matando porque perderam territórios. Os quilombos também. Apesar dos 24 anos da Constituição Federal, até agora os governos não conseguiram titular os territórios quilombolas. E os ciganos perambulam por esse Brasil afora discriminados, perseguidos. As comunidades tradicionais de terreiros que mantêm as religiões de matriz africana são perseguidas no Brasil inteiro. Aqui em Brasília foram quebrados túmulos, a polícia invadiu seus templos. Portanto, a Comissão de Direitos Humanos tem que estar aberta para fazer as mediações no Parlamento, no Poder Executivo, no Ministério Público, no Poder Judiciário, porque é uma comissão que tem que ser plural. No Poder Judiciário a opinião pública não é refletida, porque os ministros, os juízes, os desembargadores, todos são na maioria originários de carreira. Nos tribunais superiores, os ministros são indicados pelo Executivo. Então o poder mais democrático que temos é o Legislativo, porque estão ali todas as correntes políticas.

Sul21 – Quais as pautas que deveriam entrar no debate da CDHM em 2013? O senhor teme que alguns interesses estejam ameaçados com a nova Mesa Diretora?

Domingos Dutra – Tem o próprio projeto do Pastor (Marco Feliciano), que quer submeter um plebiscito sobre a questão da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Isso não é democrático. Ele querer colocar um plebiscito sobre um tema de interesse de uma minoria é uma ditadura disfarçada. Tem outro projeto do Eduardo Cunha que discrimina a homoafetividade, que não considera homofobia crime. Tem um projeto da bancada ruralista para anular decretos da Presidente da República sobre terras de quilombos e reservas indígenas. Portanto, a comissão já vai ter uma série de projetos que por natureza são extremamente polêmicos. E como nós somos minoria no Congresso, se não tiver um tratamento isonômico, a Comissão de Direitos Humanos passará a ser a comissão contra os direitos humanos. Tem que ter mediações, não pode a maioria passar qualquer coisa que ofende aos princípios constitucionais e que torne as minorias mais diminuídas ainda.

Sul21 – E no sentido mais amplo do Estado brasileiro, saindo um pouco do Legislativo e incluindo também o governo federal e os estados, quais são os obstáculos que precisam ser superados na luta pela defesa dos Direitos Humanos?

Domingos Dutra – É preciso dar agilidade aos programas sociais do governo. Quando é lançado um projeto no Palácio do Planalto e a mídia divulga, dá-se a sensação de que essas políticas no dia seguinte estão chegando aos beneficiários. E não chegam. O país é grande e a estrutura pública é burocrática, além de haver um descompasso muito grande entre o Executivo federal e os Executivos estaduais e municipais. É um descompasso que atrasa. É preciso ainda ampliar a estrutura pública. Por exemplo, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) está falida. É centralizada, burocratizada, tem poucos funcionários, poucos recursos. O INCRA (Insittuto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) não está dando conta da reforma agrária e não consegue avançar na titulação dos territórios quilombolas. O INCRA não tem antropólogos suficientes para fazer os laudos da titulação de terras. A saúde indígena também está um caos. Já saiu da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) porque não dava certo, era um antro de corrupção. Está agora no Ministério da Saúde, mas não chega com rapidez. A educação indígena também não avança, porque os estados não garantem uma educação de qualidade. Portanto, há muitos desafios para gente avançar, para chegarmos a um patamar de desenvolvimento social ao mesmo nível do desenvolvimento econômico. Por isso eu tenho defendido que, assim como o governo executivo federal criou o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), era fundamental que criasse outro PAC, o Programa de Aceleração da Cidadania. Para congregar todas as políticas e ter um órgão, um comitê gestor para acompanhar a execução delas. Hoje, o PAC é centralizado em um único fim e os recursos são abundantes para o desenvolvimento econômico. Porém, o problema  da cidadania fica espalhado em vários ministérios, não tem centralidade. Há também um desafio interno no Legislativo quanto a esta comissão (CDHM). Não temos recursos para agir de forma mais abrangente. Por exemplo, o caso do incêndio na boate de Santa Maria: não pudemos ir porque não tínhamos verba para nos deslocar. No momento em que a gente estava lutando com o presidente Henrique Eduardo Alves, defendendo que a comissão tivesse mais estrutura, mais gente, mais recurso, na hora que a gente tenta melhorar a condição para quem vier depois, aí a gente dá dez passos para trás com a indicação de um deputado cuja história é contrária aos direitos humanos.

Sul21 – O senhor é um dos fundadores do PT e é abertamente crítico ao partido em alguns temas. Quando o senhor afirma que o governo do PT tem dívidas que nunca termina de pagar, o senhor quer dizer o quê?

Domingos Dutra – Essa minha frase diz respeito ao caso específico do Maranhão. A relação do PT e do governo federal com o senador José Sarney (PMDB). Passaram-se dez anos (desde a eleição de Lula) e o Sarney continuou mantendo poder no Maranhão a partir do casamento que ele faz com quem entra no governo federal. O presidente Lula não pisou no Maranhão. Ele passou dez anos sem pisar no Maranhão. E pra piorar, nós ganhamos no encontro estadual do PT de 2010 (o direito) de apoiar o Flávio Dino do PCdoB, e o diretório nacional do PT – por pressão do Sarney – fez uma intervenção, anulou o encontro e entregou o PT do Maranhão para a Roseana (Sarney). Fora isso, o Sarney tem todos os cargos federais do Maranhão, cargos federais do Amapá, cargos federais de Ministério de Minas e Energia, Ministro do Turismo, vice-presidente da Caixa Econômica. Mas mesmo assim ele debochou do Lula na eleição do Senado, disse que não queria ser presidente. O presidente Lula, diante dessa declaração, liberou o Tião Viana (então senador pelo PT-AC, atual governador do Acre) para ser candidato. Chegou na hora, o Sarney botou o nome e derrotou o Tião. Debochou da Ideli Salvatti quando ela era senadora. Então, essa é a dívida que o governo não termina de pagar. Por isso que eu digo que a relação do governo e do PT com o Sarney é muito parecida com o trabalho escravo. Quanto mais o governo paga, mais a dívida cresce, mais o Sarney cobra e mais o governo paga. Então é por conta disso que eu, com 26 anos do PT, estou em processo de saída do partido.

Sul21 – O senhor vai sair mesmo deixar o PT? Vai para a Rede Sustentabilidade, nova legenda que está sendo criada pela ex-senadora Marina Silva?

Domingos Dutra – Estou em processo. Estou ajudando a organizar a Rede, porque se chegar em setembro e o PT continuar no curral do Sarney lá no Maranhão, eu não tenho outro caminho a não ser sair. É uma questão de dignidade. Eu não posso ficar num partido que é controlado pela única e mais antiga oligarquia do Brasil. Uma oligarquia que, no passado e no presente, é o símbolo contrário de tudo que o PT defendia e ainda defende. Então, eu compreendo os interesses nacionais, a prioridade para o PMDB, é importante para a reeleição da presidente Dilma, eu aqui (Câmara Federal) não crio problemas para o governo. Dentro do PT também nunca foi chamada a  minha atenção. Eu continuo defendendo as mesmas causas que justificaram o nascimento do PT. Estou há 26 anos no PT, sou advogado há 30 anos, já cumpri vários mandatos e continuo defendendo os índios, negros, quilombolas e atendendo a causa da justiça. Eu só não posso continuar num partido em que o Sarney manda para perpetuar uma oligarquia que é responsável pelo empobrecimento do estado. Vou para a Rede por dois motivos. Primeiro: como o STF definiu uma fidelidade atravessada, por culpa do Congresso que não legisla, só existem duas maneiras de eu sair do PT e não correr o risco de perder o mandato: entrar com pedido de justa causa no TSE ou ir para um partido novo. E dos partidos novos que estão em formação, o único que me agrada é esse, a Rede. Porque a Marina foi fundadora do PT, tem uma história decente, tem uma proposta diferente, tem vários petistas que estão lá. Então se eu sair para um partido já existente, eu corro o risco de perder o mandato.

Sul21 – O senhor já estava insatisfeito com o PT ou pesou o convite da Marina Silva?

Domingos Dutra – A decisão é por conta da questão local. O vice-governador do Maranhão (Washington Oliveira) é do PT. Eles (família Sarney) fizeram a intervenção e o pagamento pela intervenção foi dar a posição de vice-governador para o PT. Na verdade, o Sarney não gosta do PT, não gosta de petistas. Mas ele precisa do PT para manter o poder dele, porque é através do governo federal que ele mantém o Maranhão na escravidão. E eles querem usar o símbolo do PT, a estrela do PT, e a partir dessa aliança eles têm o Lula no palanque da Roseana ou do futuro candidato deles. Eles têm a presidenta Dilma no palanque deles. Eles se apropriam das ações federais como se todas as bondades do governo fossem esforços deles. Porque se você for no Maranhão e tirar os programas do governo federal, as obras do governo federal, fica só a cumbuca. Em 2010 eu fiz greve de fome por conta desta intervenção. Depois de dez dias de greve de fome, nós não conseguimos anular a intervenção. Nós entramos na Justiça com o MPF e a ação caiu na mão de um juiz cuja mulher estava para ser nomeada pelo presidente Lula. O resultado foi que nós perdemos a causa e a mulher ganhou o cargo de procuradora. E aí depois de dez dias nós fizemos um acordo escrito onde eu e outros companheiros ficamos liberados para fazer campanha contra Roseana. Mas essa situação de 2010 não se repete em 2014. Não me resta outro caminho a não ser procurar outro abrigo.

Sul21 – O que já está acordado para 2014?

Domingos Dutra – Eu sou de um partido que está coligado com o PMDB, então legalmente não posso fazer campanha em outra coligação. Em 2010, por conta de um acordo decorrente da greve de fome, fizemos uma combinação que foi respeitada. Eu só fui candidato em 2010 pelo PT por conta desse acordo. Se nós tivéssemos perdido o encontro estadual, eu não seria candidato. Então, seria uma incoerência eu estar num partido coligado com um político que faz tudo contrário do que a gente defende. Em 2014 eu não vou fazer greve de fome e não há ambiente para se continuar no partido coligado com o candidato do Sarney, fazendo campanha para outro candidato. É uma questão de dignidade. Embora eu tenha chances de ser eleito nessa bigamia, eu acho que o problema do Maranhão não se resolve com um mandato de deputado. Nós queremos incluir o Maranhão no mapa do Brasil, porque esse é o único estado do Brasil onde a ditadura não terminou. Por isso que é irreconciliável eu continuar no PT, ser candidato a deputado federal pelo PT enquanto o PT estiver coligado com o grupo político do senador Sarney.

Sul21 – Em seu discurso antes da renúncia na CDHM, o senhor defendeu sua honestidade enquanto sujeito político e a frente da Comissão. O senhor declarou que nunca aceitou dinheiro de empresário para fazer campanha e disse que fez a última a pé. Como fazer isso no sistema político atual?

Domingos Dutra – A minha origem é pobre. Eu nasci num quilombo chamado Cabo das Almas. A minha mãe está com 97 anos e teve 20 filhos. Destes, seis morreram antes de completar dois anos de idade. Ela era quebradeira de coco, trabalhadora rural. O meu pai, falecido há 32 anos, era um trabalhador rural. Eu estou no PT há 33 anos, desde 1980, já fui duas vezes deputado estadual, fui vice-prefeito de São Luiz com Jackson (Lago), e fui deputado federal em 1995. Renunciei no meio do mandato para ser vice. Agora estou no segundo mandato de deputado federal. E eu nunca tive contribuição de ninguém com poder econômico. Todas as minhas campanhas são feitas caminhando. Na ultima, em 2010, eu andei 450 quilômetros a pé, em 82 municípios, puxando um carro de som no gogó. Com apenas um boneco, uma música de campanha, um carro de som e algumas pessoas distribuindo panfleto. Eu nunca tive aproximação com poder econômico, o nosso mandato é 100% dedicado aos segmentos mais pobres e de classe média. E eu evoluí, porque quando o PT nasceu nós queríamos destruir a ditadura do governo e implantar a ditadura do proletariado. Hoje, eu não discrimino empresários. Têm empresários decentes, que são solidários, a sua atividade econômica gera empregos e pagam seus impostos. Portanto, eu não peço nada para empresário porque eu acho que é irreconciliável você receber dinheiro de um poder econômico e depois você ser contra esse poder econômico na sua atividade parlamentar ou executiva. Como a minha vida é ligada à luta pela reforma agrária, à defesa de quilombolas, negros, índios e outros grupos desfavorecidos, eu não tenho como conciliar receber dinheiro de empresários, qualquer que seja o ramo econômico, e depois ficar defendendo segmentos de luta contra esse poder econômico.

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

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