Heitor Scalambrini Costa*
Com o anúncio e a repercussão da instalação da usina termelétrica mais suja do mundo no Cabo de Santo Agostinho, a 10 km do balneário de Porto de Galinhas, vários posicionamentos prós e contras foram apresentados. A decisão solitária e incompreensível do governo de Pernambuco de atrair esta usina provocou um debate indesejável para aqueles que não querem discutir os rumos do desenvolvimento sustentável no Estado, e consequentemente a qualidade de vida de sua população.
Não se pode continuar fingindo não saber que o uso de combustíveis fósseis na geração elétrica e em outras atividades, da produção ao transporte, é a principal causa do aquecimento global, com consequências diretas nas mudanças climáticas e assim na intensificação de fenômenos como inundações, estiagens, extinção de espécies, entre outros.
Verifica-se neste episódio da termelétrica a existência de uma deliberada e provocada ignorância em relação aos ciclos energéticos, pois ao mesmo tempo, que se valorizam os combustíveis fósseis, se deprecia as fontes renováveis de energia: solar, eólica, biomassa, energia das ondas dos mares. O governo estadual, na mídia, tenta confundir a opinião pública com promessas de que está apoiando fontes renováveis de energia, com anúncios pontuais de instalações de empresas e de usinas com aerogeradores, com energia solar fotovoltaica e térmica no interior do Estado.
Ao compararmos estes empreendimentos anunciados, com os subsídios fornecidos, recursos investidos e potências elétricas instaladas, verifica-se que representam valores muito inferiores ao de Suape III, a usina térmica a óleo combustível anunciada. Todavia as iniciativas para beneficiar as fontes limpas devem ser incentivadas, mas com a participação mais efetiva das universidades pernambucanas, praticamente desconsideradas e alijadas do processo.
Ao longo dos últimos anos constata-se que a Matriz Energética Estadual (MEE) tem sofrido modificações. Ao analisar o Balanço Energético de Pernambuco (BENPE), referente aos anos de 1989 até 1998 (último ano disponível do BENPE pela ex-Secretaria de Infra-estrutura), nota-se que apesar das fontes renováveis de energia (hidroeletricidade, carvão vegetal, lenha, álcool e bagaço de cana) ainda contribuírem com a maior parcela na oferta total de energia; estes energéticos vêm, ano a ano, reduzindo sua contribuição. Por sua vez as fontes não renováveis (derivados do petróleo e gás natural), vêm a cada ano aumentando em muito sua participação na matriz, mostrando assim que a prioridade ao longo dos últimos anos, foi e é de apoiar os combustíveis “sujos” para atender a demanda energética do Estado.
O anuncio da maior e mais suja termelétrica do mundo vem ao encontro desta tendência, e atropela simultaneamente a política climática (PNMC – Plano Nacional sobre Mudança do Clima), o Plano Brasil Maior, e o Documento de Contribuição Brasileira à Conferência Rio+20, pois se opõe – em gênero, número e grau a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Estudos mostram que caso as termelétricas previstas no País sejam instaladas (incluindo Suape III), haverá um aumento de 172% nas emissões de GEE em relação ao ano de 2008.
Mesmo (re)conhecendo as conseqüências da instalação de termelétricas a óleo combustível, houve por parte dos gestores públicos uma tentativa de minimizar as críticas feitas contra este empreendimento. Neste sentido ocorreram declarações individuais de agentes do governo estadual, ocorrência de audiência pública (cujo representante do governo estadual não compareceu), entrevistas coletivas de secretários estaduais das áreas envolvidas, nota paga nos jornais de grande circulação, declarações de engenheiros com cargos de direção em companhias elétricas. Todas manifestações admitiram a existência de riscos e perigos para a população, todavia tentaram minimizá-los. Inclusive com argumentos de que esta usina não irá funcionar, pois é de reserva (ou seja, gerarão temporariamente energia quando as hidroelétricas não tiverem capacidade para atender a carga). Também afirmaram que a instalação da usina no Estado é uma decisão do governo federal, e como tal cabe simplesmente acatar, e não dispensar os recursos previstos para sua construção da ordem de 2 bilhões de reais. Outra justificativa foi no sentido de que o parque de tancagem de 200 mil toneladas a ser construído, definido no protocolo de intenção assinado entre o governo estadual e o empreendedor, não só atenderá a termelétrica, como permitirá abastecer navios que circularem por lá, e assim gerando renda adicional ao Porto de Suape. Enfim o que conta é o dinheiro e não a vida das pessoas e a preservação ambiental.
Entende-se, mas não se justificam alguns posicionamentos, que por razões de oficio, são de pessoas que tem o dever de aplaudir e de bajular, senão não estariam nos cargos por indicação política. Houve na realidade, uma movimentação entre políticos e técnicos para justificar o injustificável. No afã, de apoiar a decisão tomada por um pequeno núcleo do executivo estadual, de receber em seu território “a maior termelétrica do mundo”; informações inverídicas, contraditórias, incorretas, dúbias foram divulgadas na tentava confundir e de minimizar o impacto e os riscos ambientais, econômicos, sociais e de saúde pública, que esta usina acarretará, caso seja instalada.
Não podemos repetir erros passados cometidos no Brasil e em outras partes do mundo. Esta lógica em que os problemas são reconhecidos, mas não corrigidos não deve prevalecer. Tenta-se impor em Pernambuco, que a única verdade é a verdade do poder vigente – e ai de quem ousar contrapor às fabricações do oficialismo, baseada em uma visão ultrapassada da realidade, calcada em conceitos pré-estabelecidos do século passado.
A população que vive no entorno da usina, será afetada pelas emissões de gases poluentes, e de particulados. Sem dúvida as atividades turísticas daquela região, as praias do litoral sul, do município do Cabo, e do balneário de Porto de Galinhas serão afetadas; e mais drasticamente, caso ocorram derramamentos e/ou vazamentos de óleo, tão comuns nos dias atuais.
Além do custo da energia produzida pelas termelétricas, ser cara, incidindo assim na fatura elétrica do consumidor; os empregos resultantes da instalação e do funcionamento da usina serão irrisórios comparados com aqueles que são gerados na indústria do turismo.
Em função da polêmica levantada, dos questionamentos e críticas realizadas contra este empreendimento, são apresentados a seguir pontos que merecem destaques e esclarecimentos junto à opinião pública. Assim, espera-se melhor qualificar o debate e contribuir com as escolhas que podem ou não tornar nosso Estado/País/planeta mais solidário, justo, equitativo e respeitoso com a natureza.
1. Algumas informações sobre o combustível utilizado na termelétrica: óleo combustível
O óleo combustível utilizado em Suape II (pronta para entrar em operação desde janeiro de 2012) e Suape III (lançamento do empreendimento em setembro/2011 e previsão de conclusão 2013) é o marítimo bunker C, descrito na Ficha de Informação de Segurança de Produto Químico – FISPQ da BR distribuidora (subsidiária da Petrobras), como sendo causador de efeitos nocivos a saúde humana: “um produto cujos perigos mais importantes estão no líquido e seus vapores ser inflamável, causar irritação moderada à pele, suspeito de causar câncer, causar irritação respiratória, causar sonolência e vertigem (efeitos narcóticos). Também é nocivo em caso de ingestão e por penetração das vias respiratórias. Este produto contém gás sulfídrico, extremamente inflamável e tóxico”. Os efeitos ambientais também são destacados “podendo apresentar perigo para o meio ambiente em casos de grandes derramamentos, de emissões de gases como o CO2 e óxidos de enxofre e nitrosos”. Aqui merece destaque o fato conhecido que quando estes óxidos expelidos pela combustão do óleo, reagem com o vapor de água existente na atmosfera é produzido ácido sulfúrico e acido nítrico, que se precipitam produzindo a chuva ácida, de grande impacto ambiental.
O óleo combustível tem enormes restrições ao seu uso nos países desenvolvidos, em várias partes do mundo e também no sul, sudeste do País. Neste caso os órgãos ambientais e a sociedade civil são implacáveis tornando muito difícil à concessão de licenças ambientais para termelétricas a óleo nestes locais.
O enxofre é um constituinte natural de todos os combustíveis fósseis. Durante a combustão, a maior parte dele é convertida em compostos sulfurosos gasosos. Praticamente 99% do enxofre presente nos combustíveis líquidos são convertidos em compostos gasosos e lançados na atmosfera, se não houver equipamento de controle de emissões.
Ao ser queimado, o enxofre forma uma série de óxidos (SO, S02, S203, S03, S207, S04), mas apenas o dióxido (S02), o trióxido de enxofre (S03) e o íon sulfato têm importância como poluentes.
O S03 se combina rapidamente com água, formando ácido sulfúrico. Devido ao seu baixo ponto de orvalho, esta mistura ácida produz sérios danos em chaminés não tratadas convenientemente. Na presença de metais ou amônia, o ácido reage formando sulfatos metálicos, de amônia ou mistos.
Os sulfatos têm dimensões de alguns mícrons (0,001 mm), podendo ser captados em grande parte por precipitadores eletrostáticos. Sua origem é a oxidação catalítica do SO2 na superfície do material particulado (MP) volante. Este MP contém na sua superfície metais que produzem o S03, o qual reage com metal formando o sulfato metálico.
O SO2 é um gás incolor com cheiro irritante. É altamente solúvel em água: 11,3 g/100 ml comparado com 0,169g/100 ml para o C02. Em contato com a água ele forma o ácido sulfuroso (H2S03). No ar limpo, o SO2 se oxida lentamente para SO3. Esta oxidação é mais rápida na presença de aerossóis aquosos na atmosfera. Íons de metais pesados em solução catalisam a reação, que cessa quando o aerossol torna-se ácido. A amônia presente na atmosfera neutraliza o ácido, formando bissulfito que rapidamente se oxida para sulfato. Se a quantidade de amônia na atmosfera for suficiente, teremos a total neutralização do ácido, caso contrário haverá um resíduo ácido que aparecerá na próxima chuva. A concentração do SO2 é dada em ppm (partes por milhão) ou ?g/m3 (micro-gramas/m3 de ar), sendo 1 ppm = 2620 ?g/m3.
É importante notar que o impacto ambiental das emissões aéreas de poluentes ocorre em duas escalas bem distintas. O impacto local depende tanto das emissões próximas quanto da altura da chaminé. Uma fábrica com pequena emissão mas com uma chaminé baixa pode causar um impacto local mais forte do que uma termelétrica com chaminé mais elevada. A fábrica produz uma alta concentração de poluentes aéreos no nível do solo enquanto que as emissões da usina sofrem uma grande dispersão e diluição antes de atingir o ambiente da superfície.
O impacto em escala estadual não depende das características das chaminés mas somente das emissões globais na região. É o caso das emissões no nordeste dos EUA que causam chuva ácida no Canadá. A chuva ácida afeta a germinação de sementes, afeta a disponibilidade de nitrogênio no solo, faz diminuir a respiração do solo e aumenta a lixiviação de nutrientes presentes no solo original.
Este é o combustível (veneno) que se pretende utilizar nas termelétricas projetadas para serem instaladas no município do Cabo de Santo Agostinho, em particular por Suape III.
2. Argumenta-se que o Complexo Portuário Industrial de Suape necessita de energia frente ao crescimento econômico e a instalação de novas indústrias e empreendimentos em Pernambuco
A resposta a esta afirmativa vem de setores da própria área energética do governo federal. Segundo informações divulgadas pela imprensa, o presidente da Empresa de Planejamento Energético – EPE, afirmou que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) estava avaliando se os projetos termelétricos da empresa Bertin Energia (empreendedora de Suape II e III) terão ou não condições de entrar em operação. O que não afetaria o fornecimento elétrico, pois existe atualmente uma sobra, de energia no sistema da ordem de 5.000 a 6.000 MW médios. Portanto usar o argumento que estas usinas são importantes para atender ao consumo de energia do Estado não é verdade, pois não existe falta de energia que afetaria nem o Complexo Industrial e Portuário de Suape e nem Pernambuco.
A linhas de transmissão poderiam transportar energia de outras partes do Brasil caso fosse necessário atender a demanda em Pernambuco. Além da possibilidade de incrementar a utilização dos recursos solar e eólico tão abundantes em Pernambuco, mas muito pouco aproveitados. Hoje somente existem 25 MW de potência eólica, e aproximadamente 50 kWp de potência fotovoltaica (em sua maioria dispersa em comunidades rurais) instalados no Estado. Além das medidas de eficiência energética que poderiam ser adotadas, e que postergariam a construção de novas usinas geradoras. Lamentavelmente tais medidas passam ao largo das decisões do governo pernambucano, onde para ele ofertar energia significa apenas construir usinas.
3. Defesa do empreendimento sob a justificativa de que a emissão de poluentes será pequena, pois a usina só será acionada em situações de emergência. No atual modelo de oferta de energia elétrica a usina está sendo construída para não operar, o que a diferencia de qualquer outro empreendimento, pois é uma térmica que produzirá energia de reserva
A Energia de Reserva foi inicialmente prevista na Lei nº 10.848/2004, e regulamentado posteriormente por meio do Decreto nº 6.353/2008. A Energia de Reserva contratada deverá ser proveniente de novos empreendimentos ou empreendimentos existentes. Conforme previsto neste Decreto, a finalidade da realização do Leilão de Energia de Reserva – LER foi a de contratar uma oferta adicional destinada a aumentar a segurança no fornecimento de energia elétrica ao Sistema Interligado Nacional – SIN. Também foi estabelecido que o valor necessário para o pagamento desta contratação fosse arcado pelos consumidores finais do SIN, cujo valor foi fixado de R$ 149,00/MWh que remuneraria os investimentos na geração de energia de reserva para as condições encontradas no primeiro Leilão de Energia de Reserva de 2008. Ou seja, mesmo sem funcionar o empreendedor estaria recebendo, o que mostra o excelente negócio de um capitalismo sem risco.
O caso de Suape III se enquadra na tentativa do empreendedor (Grupo Bertin,) vencedor do leilão de 2008, em reunir em uma só usina 5 empreendimentos previstos inicialmente para serem implantados em 4 estados nordestinos. Portanto a maior termelétrica a óleo do mundo é o resultado da combinação de 5 usinas em uma única. Para isto acontecer necessita do acordo da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o que vem sendo negociado.
A afirmativa do governo estadual de que ela não funcionará, enseja questões que merecem explicações mais claras, pois existe uma enorme contradição entre o que diz o governo e o empreendedor. Este afirma que a termelétrica vai gerar energia durante 25% do ano, ou seja, haverá um consumo diário de 8.000 toneladas de óleo, despejando assim 24.000 toneladas/dia de CO2 na atmosfera. Logo, ao longo de um ano, funcionando 25% do tempo, estima-se algo em torno de 2 milhões de toneladas emitidas. E caso funcione o ano todo serão 8 milhões de toneladas. Já o governo afirma que a termoelétrica não funcionará, e portanto não poluirá.
A preocupação quanto a emissões de gases e particulados (concentração de metais pesados, como o mercúrio) não vem somente de Suape III, mas com a instalação de outras termelétricas na região. Suape II já pronta para funcionar, também com óleo combustível, localizada no município do Cabo de Santo Agostinho, com uma potência instalada de 380 MW. Emitirá diariamente em torno de 6.000 toneladas de CO2, além de gases a base de enxofre, óxidos nitrosos, dióxido de carbono, entre outros. Sem esquecer da termelétrica TermoPE já instalada, com uma potencia de 520 MW, e que a plena carga consome 2 milhões de m3 por dia de gás natural, e emite em torno de 5.000 toneladas diárias de CO2. Além da instalação prevista da termelétrica com óleo combustível, que ira atender as necessidades elétricas da Refinaria Abreu e Lima, com uma potencia prevista de 200 MW. Logo se estará concentrando 4 termelétricas de médio e grande porte em um único território, causando uma grande preocupação.
Para amenizar a critica sobre o uso do óleo combustível, hoje se fala em converter Suape III para funcionar a gás natural. O que é uma falácia, visto não haver disponibilidade de gás natural na região para atender as necessidades desta usina, que seria algo em torno de 5 milhões de m3/dia. É uma resposta falsa, para um problema cuja única solução consiste em não construir a usina. A proposta que parte agora da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade – SEMAS de reconversão para uma outra fonte energética (também um combustível de origem fóssil) é uma tentativa de iludir a opinião pública, diante do absurdo da opção de fazer em Suape um pólo de termelétricas a combustível fóssil.
4. E o papel da Agencia Estadual do Meio Ambiente-CPRH, órgão subordinado a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade?
Em Pernambuco, em nome de um crescimento econômico predatório, está sendo permitido que se acabe com os recursos naturais em virtude da realização das obras de Suape, cujas dragagens e outras intervenções têm modificado as condições do bioma, expulsado as populações nativas e impedido a pesca na região em completo desrespeito aos direitos fundamentais e à proteção estabelecida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, além de passar por cima de outras convenções internacionais. Predomina neste território o desmatamento autorizado e não autorizado do pouco que resta da Mata Atlântica e de manguezais, a implantação de indústrias nocivas à saúde publica e ao meio ambiente, e a contaminação de rios e do Oceano Atlântico. E tudo isto ocorre sem o mínimo de discussão com a sociedade. As chamadas audiências públicas que teriam o objetivo de discutir com os envolvidos destes empreendimentos, tem um formato que na verdade é uma mera encenação, simples formalismo para atender a legislação vigente, sem efeitos concretos.
Já a recente Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade –SEMAS, a quem está vinculado o órgão ambiental, a Agência Estadual de Meio Ambiente-CPRH, é quem tem a responsabilidade pela “execução da política estadual de meio ambiente e de recursos hídricos, com atuação na proteção, conservação e pesquisa aplicada às atividades do controle ambiental, para o aproveitamento dos recursos naturais do Estado”. Esta Secretaria tem a função de analisar os Estudos de Impacto Ambiental – EIA e os Relatórios de Impacto Ambiental – Rima, a elas encaminhadas, concedendo as licenças ambientais para os empreendimentos se instalarem, serem construídos e funcionarem. Além de ter a responsabilidade de fiscalizar as compensações sócio- ambientais quando exigidas do empreendedor.
É aqui que repousa a critica mais veemente para o não cumprimento da lei que deu origem a sua criação em janeiro de 2003. O (não) papel que o CPRH tem cumprindo no chamado processo de crescimento econômico de Pernambuco é lamentável sobre todos os ângulos da questão. O que ocorre é uma relação promiscua entre SEMAS/CPRH com aqueles que não respeitam o meio ambiente e que só enxergam os aspectos econômicos envolvidos. Esta afirmativa é corroborada pelos inúmeros termos de compromissos assinados entre Suape e CPRH, para garantir a compensação ambiental, em decorrência das autorizações para supressão da vegetação nativa e de infrações pelo desmatamento não autorizado, que foram desrespeitados.
Muito se esperou e pouco aconteceu com a indicação do ex-ambientalista Sergio Xavier para o cargo de secretário da SEMAS. No discurso de posse era dito, que buscaria imprimir uma visão transversal no governo, trazendo para as discussões sobre o desenvolvimento do Estado, as questões ambientais. Nada disso ocorreu.
Mesmo admitido por todas as partes que o uso do óleo combustível causará a emissão de gases impróprios à saúde publica e ao meio ambiente, afirma-se erroneamente que com as tecnologias modernas e com o “rigor” das leis ambientais e sua “fiscalização”, que praticamente seriam evitadas tais emissões com a colocação de filtros, implicando assim em um impacto relativamente pequeno. Sabe-se que os filtros podem diminuir a emissão para a atmosfera de gases, mas não impedi-la completamente. No caso do dióxido de carbono não é possível utilizar filtros para impedir que chegue a atmosfera.
5. O Governo comemorou a instalação da termelétrica Suape III afirmando que vão ser investidos R$ 2 bilhões no Estado e assim serão gerados 500 empregos diretos e alguns milhares indiretos
“Não é o combustível dos sonhos de ninguém, mas é um investimento de R$ 2 bilhões”. Esta foi a declaração do ex-Secretário de Recursos Hídricos do Estado de Pernambuco (atual presidente da CHESF), publicada no Jornal do Comércio, de 17 de setembro de 2011, em resposta aos argumentos dos ativistas, ambientalistas e engenheiros do setor elétrico sobre os impactos poluentes da usina termelétrica Suape III.
O que chama a atenção nesta declaração é como persiste nos membros do governo estadual (do Partido Socialista do Brasil) a cultura de que o dinheiro resolve tudo. Ou seja, uma visão arcaica frente aos grandes desafios do século XXI, sendo o principal deles o aquecimento global. A frase atribuída pelo grande pernambucano, economista ecólogo, professor e pesquisador Clovis Cavalcanti, mostra bem este sentimento “é evidente que, em Suape, ama-se o dinheiro e odeia-se a vida”.
Ao mesmo tempo ressalta-se o aspecto contraditório deste argumento, pois o investimento da ordem de 2 bilhões de reais, terá 20% de recursos próprios do empreendedor, e o restante captado junto ao BNDES, para um empreendimento que não irá funcionar, ficando na reserva.
Fazendo a analogia com o futebol, seria a mesma coisa que contratar o atacante Neymar (mais caro jogador do Brasil) e deixá-lo na reserva, impedi-lo de participar do jogo. Isto seria um contra-senso pois seria muito dinheiro investido para que não atuasse. O mesmo se pode dizer da termelétrica Suape III. Muito dinheiro investido para não funcionar.
A questão dos empregos gerados devido à construção e operação de Suape III é falsamente apresentada. Como exemplo de outra opção de geração de empregos é a industria do turismo, que na região pode ofertar muito mais empregos, com a construção e operação de hotéis de médio porte.
6. O governo estadual se apressou a anunciar a construção de usinas térmicas, sobretudo movidas a óleo combustível altamente poluente, sem uma análise mais profunda e um debate mais democrático com a sociedade
Uma das marcas registradas do crescimento econômico predatório que ocorre em Pernambuco é o uso intensivo do marketing, da propaganda e da mídia, e ao mesmo tempo uma ausência total de democracia e participação da sociedade nas decisões tomadas.
Alegar que o programa Todos por Pernambuco, as Plenárias Regionais, o Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico (CEDES) e os Conselhos Regionais constituem instrumentos de uma gestão democrática, e que são inovações modernas de uma gestão modelo (?) para aumentar a participação popular é falácia. Só quem já participou destas plenárias e reuniões sabem como são conduzidas. E do CEDES nem se fala, pois as reuniões são escassas (uma única reunião em 2011).
Os recursos alocados nas obras de infra-estrutura energética são gigantescos, e em grande parte alocados pelo tesouro nacional, através do BNDES; e sua aplicação deve ser responsável, olhando para o futuro. Assegurando benefícios e melhor qualidade de vida para a sociedade, e principalmente, consultando-a para a tomada de decisão. Se forem mal gastos ou desperdiçados, estaremos expostos a riscos, principalmente aqueles causados a natureza e a saúde das pessoas. Não se pode dar um passo atrás, em um momento no qual a chamada economia do carbono esta em cheque frente às exigências da sustentabilidade.
Se as usinas termelétricas previstas (e algumas já instaladas) a combustíveis fósseis, vierem a serem construídas, teremos ai um parque de geração da ordem de 2.600 MW em um território de 13500 ha (Suape), abrangendo os municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, tornando esta região muito poluente.
7. O discurso da compensação ambiental por conta deste projeto, e outros que estão diretamente impactando a região e os municípios estratégicos do Complexo Portuário-Industrial de Suape. E que a Semas – Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Sustentabilidade, por meio do órgão de licenciamento, CPRH, seguirá todas as determinações legais com respeito ao processo de instalação desta usina em Pernambuco
Para amenizar os danos causados ao meio ambiente, já que todos concordam que é uma instalação com alto potencial de risco e agressão ambiental, e conseqüentemente a saúde das pessoas; é alegado que a planta industrial de Suape III será construída atendendo aos parâmetros mais modernos no mundo.
O vazamento de petróleo ou de derivados, como o óleo combustível, no complexo portuário industrial de Suape e algo possível e provável de acontecer em vista das inúmeras indústrias instaladas que necessitam do petróleo (derivados) como matéria prima. Mesmo não sendo uma atividade de exploração e extração de petróleo, o manuseio e a manipulação poderá provocar danos e desastres ambientais de graves proporções. Não é isto que se espera que ocorra, todavia em engenharia não existe risco zero para a ocorrência de incidentes. Desastres ambientais com morte de aves e animais marinhos, afetando populações costeiras e atividades econômicas de uma região, têm ocorrido com uma freqüência assustadora, causando graves prejuízos, sociais e econômicos.
Um exemplo ocorrido nos dias de hoje, foram os vazamentos de petróleo, na Bacia de Campos, em poços explorados pela empresa norte-americana Chevron. Verificou-se nesses episódios à total negligência, ausência de empenho e de usos de meios preventivos para a atividade que ali estava sendo desenvolvida. Além da omissão governamental em admitir a participação de uma empresa na exploração do petróleo em território brasileiro que não goza de nenhuma credibilidade, pois detêm má reputação, e um passado repleto de acidentes e problemas, que mais se aproximam de uma folha corrida. Este acidente é um alerta, para o Complexo de Suape, onde serão instaladas indústrias como refinaria, petroquímica, estaleiros e termelétricas envolvidas com a descarga, transporte, manuseio, e estocagem do petróleo e de seus derivados.
Nestes desastres ambientais com vazamento de petróleo no Rio de Janeiro e São Paulo revelam que as informações são confusas, mentirosas, e as empresas envolvidas (muito poderosas) e o governo brasileiro, lidam com estas situações com muita falta de transparência e arrogância, sem o mínimo de respeito à população.
Com relação ao licenciamento ambiental, as compensações ambientais e as exigências para diminuir a poluição na geração de energia, são asseguradas pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade. Os gestores prometem que estes preceitos serão rigorosos e obedecerão as regras vigentes no País e estabelecidas pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Essas regras determinam, por exemplo, que as compensações devem representar 0,5% do total do investimento. No caso da Suape III, seriam R$ 10 milhões arrecadados, e que se prestaria para as compensações ambientais devido à supressão da vegetação. Apesar da garantia de que estes recursos estão sendo aplicados, muitas dúvidas permanecem.
Garantir que as normas técnicas de proteção ao meio ambiente e à saúde pública sejam cumpridas pelo empreendedor e pelo órgão licenciador, não é uma certeza de que vá ocorrer se analisarmos acontecimentos recentes.
Segundo relatório da Agência Pernambucana de Meio Ambiente (CPRH) apresentado por exigência do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), o próprio Porto de Suape não tem honrado termos de compromisso ambiental. Nos últimos 10 anos, dez grandes empreendimentos provocaram a supressão de 365,36 hectares de mangue, restinga e mata atlântica. De todos esses, apenas um realizou as contrapartidas acordadas Foi necessária à intervenção dos ministérios públicos, federal e estadual para que a empresa Suape apresentasse um plano para zerar o passivo, estimado hoje em 210 hectares de área desmatada no complexo. Mesmo a propaganda intensa com matérias pagas em jornais pernambucanos de que este passivo foi zerado não há provas de que isto realmente aconteceu, pois não se conhecem em detalhes os lugares de tal reflorestamento.
Apesar da possibilidade da compensação ambiental por conta dos grandes projetos, e daí dos recursos originados, o que se constata no Complexo de Suape é o descumprimento reincidente dos acordos nesta área.
Todavia a população deve ser alertada, em particular a de Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca, que mesmo que as compensações que vierem ser oferecidas pelo governo e pelo empreendedor (construtor da usina) serão insuficientes para repor a vegetação natural (mangues em particular) suprimida e manter a qualidade de vida das pessoas.
8- E para dizer que não falei sobre o empreendedor das termelétricas Suape II e Suape III, o Grupo Bertin
A presença do Grupo Bertin no setor elétrico começou a ser fortalecida em 2008, durante uma das maiores crises financeiras e econômicas do mundo. Naquele segundo semestre de 2008, a empresa (em alguns casos, em parceria com a Equipav) criou a CIBE que foi grande vencedora dos leilões promovidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O grupo empreendeu uma corrida desenfreada no setor elétrico, vencendo leilões para a construção de 42 usinas geradoras pelo Brasil afora, capazes de gerar 6,7 GigaWatts, quase metade da potência instalada de Itaipu, o que exigiria um desembolso de R$ 10 bilhões.
Enfrentando problemas financeiros em 2009, foi levada a vender 80% da sua divisão de frigoríficos para a concorrente JBS-Friboi. Aventurou-se no consórcio montado pelo governo para disputar o bilionário e polêmico projeto da Hidrelétrica de Belo Monte, e no início de 2010, desistiu dessa participação. Recentemente controladores do grupo passaram por dificuldades financeiras junto a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Pendências estas com a CHESF, referente a dívidas relacionadas às usinas termelétricas de Borborema (PB) e Maracanaú (CE).
Pelo histórico do grupo empreendedor constata-se que a necessidade de captação de capital, é desproporcional a sua capacidade financeira, agora sem a Equipav que saiu da parceria (junho de 2010) que mantinha com o Gupo Bertin no negócio de geração termoelétrica, no grupo CIBE. Neste ponto permanece a dúvida sobre a capacidade da empresa em levar a frente estes empreendimentos. De fato, o governo permitiu o ingresso nos leilões de empresas sem experiência prévia na área, além de não ter exigido garantias financeiras mais consistentes
Ao concentrar seus investimentos na conclusão das térmicas ganhas no leilão A3/2008, o Grupo Bertin através de sua subsidiária a Star Energy (que teve como diretor presidente o Sr. Evandro Miessi MENTE), solicitou autorização a Aneel para transferir a localização das usinas, inicialmente definidas para outros estados nordestinos, para Suape justificando este pedido baseado em questões de sinergia e economia de escala, além de ter a garantia do governo estadual que não teria problemas nas concessões das licenças ambientais. Portanto, Suape III, seria o resultado da fusão de 5 usinas com um montante anunciado pela Star Energy a ser investido de 2 bilhões de reais, sendo 20% de recursos próprios e o restante captado junto ao BNDES.
Para a construção de SUAPE III, considerada a maior termelétrica a óleo combustível do mundo, o governo de Pernambuco, concedeu isenção do ICMS para os próximos 20 anos, e ainda doou ao empreendedor um terreno de 80 ha no município do Cabo de Santo Agostinho com valor estimado de mercado da ordem de R$ 40 milhões, além de outro de 14 ha no município de Ipojuca, para a construção do parque de tancagem de 200.000 toneladas de óleo combustível, com valor aproximado de mercado de R$ 7 milhões.
Enfim, a falta de transparência é outra marca registrada do “governo da poluição” que em Pernambuco, tem usado a mídia, e a mídia usado o governo, numa simbiose que tem calado e anestesiado o espírito de contestação de todo um povo.
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*Professor da Universidade Federal de Pernambuco. Grifos do autor.