Conheça história de três estudantes negros que entraram na universidade federal pela Lei de Cotas

Política afirmativa instituiu, em 2012, reserva de 50% vagas para negros e pardos em todas as instituições federais do País

SEPPIR*

Alex, Lucas e Elisandra. Três universitários, três histórias parecidas. Negros ou pardos, moradores da periferia de Brasília e que não tinham a universidade federal como objetivo de vida. Pela garantia da Lei de Cotas (Lei 12.711 de 2012), também tiveram em comum o futuro transformado ao ingressarem na Universidade de Brasília (UnB) pelas cotas raciais. Não foram os alunos que entraram nos cursos, mas a universidade que entrou na vida desses estudantes por meio das cotas raciais.

A norma instituiu reserva de 50% vagas em todos os cursos nas instituições federais de ensino superior levando em conta critérios sociorraciais, a serem cumpridas até o final de 2016. Segundo dados do Ministério da Educação, em 2013 o percentual de vagas para cotistas foi de 33%, índice que aumentou para 40% em 2014. A projeção para o fim deste ano é que a política terá garantido 150 mil vagas para negros no ensino superior.

O estudante de arquivologia Alex Haley tem 19 anos é um dos questão nessa conta. Ele entrou na universidade há pouco tempo por meio das cotas raciais. Morador de Cidade Satélite, Haley trabalhou como Menor Aprendiz no Banco Central e, dessa experiência, teve certeza que queria entrar no universo do ensino superior. Ele tem dúvidas se estaria no espaço universitário se não fosse pela política afirmativa.

Ao contrário do que muitos pensam, não é porque Alex não estudou o suficiente, mas porque suas oportunidades são diferentes. “Eu não sei se teria como disputar com as outras pessoas no mesmo nível de igualdade. São criações e oportunidades muito diferentes, estudei em cursinho gratuito. As cotas me trouxeram para concorrer com quem estava igual a mim, alunos negros de escola pública. Agora, aqui dentro eu faço o curso ombro a ombro com todos”, conta o estudante.

O estudante deixa escapar que se emociona ao pensar sobre como seria o futuro dele sem a política pública. “A universidade é uma coisa muito grande. Eu converso com alguns amigos e me pergunto se teria essa oportunidade sem a Lei de Cotas. A importância de eu estar aqui nesse espaço é a mesma importância das cotas na minha vida, entende?”.

Lucas Ladeira, de 21 anos, ingressou por cotas raciais no curso de Ciências Sociais por influência de amigos, como ele mesmo fala. Com planos de entrar para o mundo da política em 2019, o universitário conta que não tinha nenhuma perspectiva de estar numa universidade porque nunca via negros universitários em seu bairro. Para ele, as cotas foram essenciais para mudar esse estigma.

“Meus pais não tem curso superior, eu sou o primeiro da família a entrar em uma universidade federal. Onde eu moro, o negro ocupa lugares de baixo escalão. Eu não via negro em universidade, eles eram garis, faixineiros. A cota racial foi uma forma de introduzir o negro no ensino superior. Usufrui do meu direito e consegui passar”.

O futuro político, ainda estudante, percebe a falta de negros em vários espaços, não só na universidade. “Faltam negros em todos os âmbitos, na verdade.No baixo, eles estão lá, majoritariamente. Falta negro na política e em cargos grandes, como executivos de empresa. As cotas ajudaram a mudar o panorama pelo menos nas universidades”, diz.

Também moradora do entorno da capital federal, a estudante de serviço social Elisandra Martins, de 21 anos, estudou toda a vida em escola pública. No último ano do ensino médio, conheceu a universidade e teve certeza que queria estar ali. Para ela, as cotas raciais são formas de reparar a dívida histórica da sociedade brasileira com a população negra.

“As cotas não surgiram por acaso. Quando a escravidão foi abolida pela Lei Áurea, não teve nenhum tipo de política pública para essas pessoas. A mão de obra delas passam a ser desespecializada e elas são jogadas na periferia, porque não podem mais trabalhar onde trabalhavam antigamente”, explica.

Elisandra destaca ainda que o motivo de uma sociedade tão diferente para negros e brancos não é de longa data e ainda afeta o dia a dia da população negra. “Meus bisavôs, eu acho, eram escravos. Isso tem aproximação grande com a nossa vivência de preto hoje, em 2015″, opina. “Por isso que é necessário a existência das cotas, mas é óbvio que a gente não quer cota para sempre.  Nós não queremos só igualdade racial, queremos equidade”.

Cotas como dever

Diferente das histórias dos três alunos, a universidade sempre foi presente na vida da estudante de direito Mariana Barbosa, também de 21 anos. Os pais, que têm cursos superior, sempre a ensinaram sobre as dificuldades de ser negro na sociedade.

“Por ser negra, sempre soube que teria que batalhar pelo meu lugar. No ensino médio, entendi que as cotas não buscam somente o ingresso de pessoas negras para colorir a universidade, mas para que nós façamos diferença nesse espaço”, relata.

Ela ainda completa: “essa diferença não está só nos cabelos crespos, nos turbantes e nas cores diferenciadas dos alunos, mas na disputa de uma epistemologia negra. Uma universidde que debata as cotas para além da graduação e que discuta a inserção de um currículo com relação real a isso”.

A estudante relata que foi essa batalha por uma universidade mais diversa que a fez escolher prestar o vestibular na Universidade de Brasília pelas cotas raciais, o que considera uma obrigação. “Era um dever meu, como mulher negra, estar nessa batalha diária pela mudança daquele espaço”. E, para Mariana, assim como muitos alunos negros e pardos, as cotas “não são um final, mas o começo dessa batalha por ações afirmativas”.

*Fonte: Portal Brasil.

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