PSDB, Cunha e ministros do Judiciário já não escondem conspiração. Mas ela só avança porque Dilma continua rendida à oligarquia financeira — e pode terminar de maneira indigna
Por Guilherme Boulos, da coordenação nacional do MTST – Outras Palavras
A convenção do PSDB em 5 de julho domingo selou a guinada lacerdista do partido de Franco Montoro e Mario Covas. Com discursos recheados de meias palavras, os tucanos deixaram claro o que ainda não podem dizer abertamente: o apoio à interrupção do mandato de Dilma e sua prontidão para ocupar o posto.
Coube a Aécio Neves, em entrevista a uma rádio gaúcha, expressar a meia palavra num ato falho. “A convenção me reelegeu presidente da República”, disse o presidente reeleito do PSDB. Os atos falhos, mostrou Freud, são sempre reveladores. Neste caso, revelou aquilo que o também psicanalista Christian Dunker chamou de uma “falta de luto” de Aécio em relação à derrota eleitoral de 2014. E uma sobra de despudor.
O despudor, aliás, é o que melhor define o tom das articulações entre líderes do PSDB e do PMDB sobre as “saídas políticas”. Cassação via TSE? Impeachment a partir do TCU? Parlamentarismo com Cunha? Temer ou novas eleições? Tudo isso abertamente nos jornais e, ao que parece, em conexão com ministros de tribunais superiores, numa perigosa escalada de judicialização da política.
Numa palavra, o nome destas articulações é golpismo. Primeiro se constroem as saídas, depois buscam-se os argumentos que podem legitimá-las. Nenhum golpe se deu sem argumentos e muitos deles pretenderam-se constitucionais. Não deixaram de ser golpes por isso.
O tom da convenção tucana forçou Dilma a reagir numa entrevista dizendo que não irá cair. Para logo na sequência anunciar que serão tomadas novas medidas de ampliação do ajuste fiscal. Melhor teria sido o silêncio.
As reações de Dilma ao fogo cerrado contra seu governo parecem um caso grave da síndrome de Estocolmo. Quanto mais a direita a ataca, mais a presidenta a afaga. Repete o mesmo erro de outubro. Ao ser eleita, Dilma deu todos os sinais à direita acreditando que, com isso, garantiria governabilidade.
Deu no que deu. Agora, mais enfraquecida, repete o mesmo gesto, esperando resultados diferentes.
É claro que há um cálculo. Dilma e sua equipe sabem que nenhum golpe prospera sem apoio da elite econômica. Em particular do mercado financeiro. E este não tem razão alguma para queixas do governo Dilma até aqui. Aprofundar o ajuste antipopular poderia ser uma forma de garantir a governabilidade com a banca.
Mas este cálculo parece subestimar os efeitos da perda de governabilidade nas ruas. O governo tem hoje 9% de aprovação. O ajuste fiscal é um dos grandes responsáveis por isso e tudo indica que as consequências mais duras ainda estão por vir. Um governo tão impopular é um governo fraco.
E a banca não costuma se destacar pela lealdade. Se o governo não tiver força para aprovar as políticas de seu interesse – ainda que demonstre disposição para isso – será atirado aos cães sem qualquer remorso. A cada recuo, Dilma vai tornando-se refém desta possibilidade, que seria a mais indigna: ser derrubada não por contrariar os grandes interesses econômicos, mas por não ter condições de defendê-los.
O cenário é complexo. Aos movimentos sociais, cabe ter a firmeza de fazer o enfrentamento em duas trincheiras. De um lado, combater o golpismo sem tréguas, sabendo que – se prosperar – dará expressão a uma ofensiva reacionária de longo alcance. De outro, combater as políticas antipopulares deste governo, que se mostra incapaz de construir uma agenda que seja defensável.
Movimentos golpistas marcaram um ato para 16 de agosto. Importantes movimentos populares, sindicais e estudantis já começaram a se articular para construir uma grande mobilização em 20 de agosto.
Neste cenário de polarização e incerteza, o que é seguro é que a política transbordará cada vez mais para as ruas.