No dia 6 de fevereiro, policiais das Rondas Especiais (Rondesp) da Bahia executaram 13 negros e feriram pelo menos outras duas pessoas no bairro Vila Moisés, no Cabula, Salvador. Desde essa data, a Campanha Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto, com apoio da Justiça Global e outros parceiros, tem denunciado que a Polícia Militar, ao contrário do que alegou, não reagiu a uma troca de tiros, mas sim executou sumariamente os jovens. A partir daí, foram feitas várias ações para se dar visibilidade nacional e internacional ao caso.
A Reaja incitou a OAB/Bahia a realizar uma audiência pública sobre o tema e por reiteradas vezes denunciou não só o extermínio, mas as ameaças que atingiam parentes das vítimas e militantes da luta contra o racismo. O caso, conhecido como a Chacina do Cabula, também foi abordado pelo coordenador da Reaja, Hamilton Borges, em audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), em março.
Não foi por outro motivo que o Ministério Público da Bahia decidiu por uma investigação independente, divulgada nesta segunda-feira (19/05), em que denuncia formalmente nove policiais militares pela chacina e pede a prisão preventiva dos envolvidos. São eles: subtenente Júlio César Lopes Pitta, identificado pelo MP como o mentor da chacina e envolvido em outras cinco execuções com a Rondesp em 2009, quando alegou, como no Cabula, morte derivada de confronto, os soldados Robemar Campos de Oliveira, Antônio Correia Mendes, Sandoval Soares Silva, Marcelo Pereira dos Santos, Lázaro Alexandre Pereira de Andrade, Isac Eber Costa Carvalho de Jesus e Lucio Ferreira de Jesus, e o sargento Dick Rocha de Jesus.
Para o promotor Davi Gallo, que chefiou o grupo de investigações, os laudos apontam que as vítimas estavam em posição de defesa quando atingidas. “Houve tudo nessa vida, menos confronto. O que ocorreu foi verdadeira execução. Execução sumária”. Ao todo, vítimas fatais e feridos levaram 88 tiros. Embora o MP trabalhe com 12 execuções, é bom ressaltar que uma das vítimas morreu no hospital. Portanto, são 13 e não 12 execuções.
Embora seja louvável o resultado da investigação do Ministério Público da Bahia, não se pode deixar de notar a tentativa de isentar autoridades do resultado da ação. O promotor Davi Gallo diz que a operação policial foi “clandestina”, uma vingança ao fato de um policial ter sido ferido anteriormente em suposto confronto na região onde ocorreu a chacina. “Eles (os militares) agiram em razões próprias e alheios a determinação da PM”.
Se de fato fosse uma ação “clandestina”, como o órgão público explicaria, por exemplo, as declarações do Secretário de Segurança da Bahia, Maurício Barbosa, defendendo a “razoabilidade” da ação da Rondesp no dia 6 de fevereiro: “Eu defendo muito a vida dos meus policiais, e isso é o que importa: a vida dos policiais e a vida da sociedade, que está sofrendo com essas ações delituosas”?
Como o promotor Davi Gallo pode falar em ação clandestina, se o governador do Estado, Rui Costa, ao se referir às mortes no Cabula, elogiou a sua tropa. Para ele, a PM tem que “ter a frieza e a calma necessárias para tomar a decisão certa”. O governo, sabendo ou não antecipadamente do crime, concordou com a atuação da Rondesp. Usando o futebol como metáfora, Rui Costa disse que a PM “é como um artilheiro em frente ao gol que tenta decidir, em alguns segundos, como é que ele vai botar a bola dentro do gol, pra fazer o gol. Depois que a jogada termina, se foi um golaço, todos os torcedores da arquibancada irão bater palmas e a cena vai ser repetida várias vezes na televisão. Se o gol for perdido, o artilheiro vai ser condenado, porque se tivesse chutado daquele jeito ou jogado daquele outro, a bola teria entrado”.
Tanto as declarações do secretário de Segurança, como do governador estão documentadas. Portanto, não há nada que justifique a isenção do governo da Bahia no inquérito do MP sobre as 13 mortes no Cabula. Bom que se diga também que na mesma noite, a Rondesp matou mais três pessoas e feriu outra em Cosme de Farias.
Importante acompanhar de perto o desfecho do caso. Isto porque, a PM está convocando greve tartaruga e uma marcha em apoio aos “irmãos da Rondesp” para o dia 26 de maio. O histórico de execuções em massa durante greves da PM exige uma atenção de autoridades, inclusive federais, para evitar não só as mortes de testemunhas, militantes, sobretudo os da Reaja, que têm sido alvo de ameaças policiais. Interessante relembrar que na greve da PM em 2012, ocorrida entre 31 de janeiro a 11 de fevereiro, 187 pessoas foram assassinadas. O próprio governo à época atribuiu aos grevistas a sequência de homicídios e admitiu que boa parte das “mortes tinham características de extermínio”.
Em parceria com a Reaja e Quilombo Xis, a Justiça Global e entidades continuarão acompanhando de perto os desdobramentos da Chacina do Cabula e a reação da Polícia Militar da Bahia. Há um genocídio em curso e, diante da conclusão da investigação do MP, é preciso que a denúncia alcance não apenas os PMs envolvidos, mas principalmente o estado, que deve ser responsabilizado pelas 13 execuções do Cabula e por manter e incentivar a violência policial. Segundo o 8º Anuário do Fórum de Segurança Pública, a PM da Bahia é a terceira tropa mais letal do país, perdendo apenas para Rio de Janeiro e São Paulo.
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Foto: Rafael Bonifácio /Ponte Jornalismo.