Carta Final da XXVII Assembleia Nacional da CPT – [Beleza, sô!]

Faz escuro, mas eu canto: memória, rebeldia e esperança

Reunidos/as em assembleia confirmamos nossa caminhada de Pastoral da Terra. Animados/as pela organização do IV Congresso da CPT em julho de 2015, reconhecemos a noite dos tempos difíceis que vivemos e celebramos a madrugada camponesa no compromisso radical de 40 anos com as lutas dos povos da terra.

“Nenhuma família sem casa! Nenhum camponês sem terra! Nenhum trabalhador sem direitos!”(Papa Francisco).

Faz escuro, companheirada!

a bancada ruralista, o agro e hidronegócio, as mineradoras, madeireiras, os grandes projetos do capital, o trabalho escravo, o judiciário criminalizador, as empresas de veneno e transgênico, o Legislativo que constantemente ameaçam  reduzir direitos  já conquistados, os governos e suas polícias, as mídias golpistas e os setores conservadores do país fazem a noite demorada, obscurecem a democracia na negação de direitos dos povos da terra e da cidade. Não querem permitir que a luz apareça!

Faz escuro, companheirada!

os direitos já fragilizados dos povos indígenas, quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, seringueiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros e camponeses são esmagados pelos interesses de um modelo de desenvolvimento que devora terras, territórios, tradições e modos de vida distorcendo a lei a seu dispor, cooptando e corrompendo processos e lideranças, usando a força e até assassinatos. Sofrem a juventude, as mulheres e crianças das comunidades. É uma noite escura e de medo: fica difícil de andar na escuridão. Querem os povos parados no escuro do medo.

Faz escuro, companheirada!

conquistas importantes acenderam luzes nos últimos anos fruto da luta no voto e nas lutas nas bases. Essas luzes prometiam a claridade de acesso aos direitos de terra, pão, trabalho e casa, saúde e dignidade. Mas o direito e o poder de “acender e apagar” continuou fora das nossas mãos. As reformas necessárias não vieram! Nem reforma agrária! Nem reforma urbana! Nem reforma política. Nem reforma do marco regulatório da mídia! Os governos negociam e negam nossas conquistas para contentar as elites e impedem que programas e políticas acendam os caminhos da igualdade e da dignidade.

Faz escuro, companheirada!

em nome de Deus setores das igrejas cristãs apóiam políticos, governos e polícias que criminalizam a luta pela água, pela terra e na terra e abençoam o latifúndio e a privatização da natureza… querem apagar a luz do evangelho subversivo de Jesus vivo na vida dos pobres, homens e mulheres lutadoras do campo e da cidade. Querem fazer virar mercadoria o pão e a água da vida. Querem apagar as luzes das religiões de outras matrizes, altares de terreiros e rituais de torés. Faz escuro e silêncio na longa noite da religião do patriarcalismo, individualismo e consumismo.

Faz escuro companheirada!

Às vezes dentro de nós. Tantos desafios que não fomos capazes de enfrentar. Tantas novas relações entre nós que ainda não aprendemos a cuidar, conviver.

…faz escuro MAS eu canto! cantamos porque a manhã vai chegar!

estendemos  a mão mesmo no escuro e  vamos ao encontro de quem está do nosso lado. Aprendemos a ver no escuro! Somos nós companheirada na rebeldia necessária de forçar o dia. Nos reconhecemos como comunidades de iguais: novas formas de ser igreja no meio do povo, na luz de mártires da caminhada: Cristo vivo ressuscitado na humana solidariedade e no amor pelo mundo e seus viventes. Haja luz! (Gênesis 1, 3)

cantamos a luta e a esperança  no trabalho de base, na educação popular, na espiritualidade, nas diversas experiências da agricultura agroecológica, na formação permanente, na celebração dos saberes de ervas medicinais e valorização das sementes nativas e crioulas; com estas práticas adiantamos o dia,  iluminamos nosso cotidiano… ninguém acende uma luz pra ficar escondida! (Lucas 8, 16)

somos parte das ocupações de terra, denunciamos empresas e políticos, documentamos os conflitos e fazemos memória ativa das violências. Junto de nós nessa madrugada de rebeldia nos encontramos com os povos indígenas e quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros, nas lutas pelos territórios e contra o avanço do capitalismo no campo. A luz brilha nas trevas! (João 1, 5)

confirmamos na tradição de profetas que vieram antes de nós na luta radical contra o capitalismo no campo nas formas do trabalho escravo, latifúndio e o agronegócio e afirmamos a luta pela reforma agrária e um projeto camponês para agricultura brasileira, condições necessárias para a soberania alimentar, a defesa e vivência da natureza e a saúde de todos/as no campo e na cidade… O povo que andava em trevas viu grande luz! (Isaías 9, 2)

sonhamos com a sociedade do bem viver e do conviver rumo a Terra sem Males. Nós somos o povo da esperança, o povo da Páscoa. O outro mundo possível somos nós! A outra Igreja possível somos nós!(Pedro Casaldáliga).

convocamos todos e todas companheiros/as, parentes e amigos/as da CPT e da luta pela terra e na terra a caminhar conosco rumo ao IV Congresso fazendo memória, vivendo a rebeldia e antecipando a esperança.

 

Já é quase tempo de amor. Colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana, minha alma no seu pendão.

Madrugada camponesa. Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
Faz escuro mas eu canto porque amanhã vai chegar.

Thiago de Mello

 

Luziânia, 19 de março de 2015.

XXVII Assembleia Nacional da CPT

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