Em 1º de janeiro de 2015 as Ligas Camponesas completaram 60 anos. Elas nem existem mais, porém seu legado histórico ainda está aí, vivo e pulsando. Surgiram no Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, em 1º de janeiro de 1955, e foram extintas logo após o golpe militar de março de 1964
Vandeck Santiago – Diário de Pernambuco / CPT
Em 9 anos de existência, conseguiram levar o camponês para a sala de estar da política nacional – a reivindicação de reforma agrária conseguiu assento na agenda de prioridades do Brasil e tornou-se o principal item das Reformas de Base idealizadas pelo governo João Goulart.
Tamanha foi a repercussão das Ligas que elas chegaram às páginas da imprensa mundial (incluindo o New York Times) e despertaram a atenção do recém-iniciado governo John Kennedy, dos EUA.
A ação das Ligas Camponesas teve papel de destaque no rol de tensões sociais na América Latina que preocupavam os EUA, a ponto de o governo Kennedy ter criado um programa destinado a evitar que elas descambassem para revoluções esquerdistas (o Aliança para o Progresso). Alguns dos principais integrantes da administração Kennedy (como o historiador Arthur Schlesinger) estiveram no Nordeste para avaliar a situação social e política da região.
Nos anos 40 já tinha havido em Pernambuco uma organização com o nome “Ligas Camponesas”, mas de atuação efêmera e sem nenhum destaque. A que fez a diferença mesmo foi a de 1955, no Engenho Galileia, onde moravam pouco mais de mil pessoas (104 famílias).
Curioso que esta entidade foi criada com outro nome, o de Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPPP). O grupo que a criou teve a liderança de dois militantes ligados ao PCB, os irmãos José Ayres dos Prazeres e Amaro dos Prazeres (conhecido como “Amaro do Capim”).
Num primeiro momento a SAPPP não teve resistência do proprietário, mas logo depois surgiram os problemas. Foi quando uma comissão decidiu ir ao Recife tentar a ajuda de um deputado estadual recém-eleito, ligado aos camponeses, o advogado pernambucano Francisco Julião (1915-1999). Deu-se aí o encontro da chispa com a palha seca.
Sob um ponto de vista estritamente burocrático, Julião não criou as Ligas (quando ele chegou, a entidade geradora do movimento já estava fundada). Mas foi ele quem deu notoriedade, dimensão e relevância política ao movimento. O próprio nome – Ligas Camponesas – é responsabilidade dele: na época, na tentativa de dizer que a entidade tinha ligações com comunistas, os seus opositores a chamavam de “Liga”.
Julião resolveu apropriar-se do nome – já que os adversários vão chamá-la assim, então vamos nós mesmos batizá-la como tal. A palavra de ordem mais lembrada da entidade – “Reforma agrária na lei ou na marra” – é também obra de Julião, um defensor assumido na época da agitação social.
Todas as medidas tomadas em favor dos camponeses no período de 1955 a 1964 (como o Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963) e até depois do golpe (como o Estatuto da Terra, de novembro de 1964) foram motivadas pela agitação do campo provocada pelas Ligas.
As terras do Engenho Galileia foram desapropriadas em 1959 – o primeiro ato de reforma agrária no Brasil do pós-guerra. Dos que moram lá hoje, pelo menos um tem ligação com as lutas daquela época: Zito da Galileia, neto de um famoso líder do movimento, Zezé da Galileia, já falecido. Zito mantém viva a memória das Ligas e no próximo dia 11 vai inaugurar lá a biblioteca José Ayres dos Prazeres. Sessenta anos depois, a história do Galileia ainda rende inspiração.
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Foto: site Documentos Revelados