Alertamos os povos tradicionais de Terreiro, que se faz extremamente necessário engajarmos com mais veemência no combate à intolerância. Perpetuando o pensamento que nos momentos das ações nossa presença não fará diferença, acreditando que tudo será resolvido, seremos exterminados. Somente expondo a sociedade que não somos uma minoria conforme dados do Censo, seremos mais respeitados pelo Estado. Leia a reflexão de nosso Oju Oba:
Porque ocupar Brasília no dia 10 de junho
Todos os dias, quando um dos nossos é agredido por “filho do capeta”, nós morremos. Em cada ação arquivada nos Juizados Especiais Brasil à fora, quando juízes ou conciliadores não reconhecem a intolerância religiosa contra nossos ancestrais como violação a um direito fundamental, nós morremos. Todos os dias, quando traficantes proíbem que usemos nossos fios de contas e guias nas favelas e periferias, nós morremos. Mas, mesmo esta morte simbólica, ainda parece muito pouco.
Conforme vocês poderão conferir, nas reportagens anexadas a esta carta, vinte e dois sacerdotes de matriz afro-brasileira foram assassinados nos últimos nove anos. 15 deles apenas no estado do Amazonas. Pode parecer um número pequeno, mas se considerarmos que, segundo o Censo 2000, os candomblecistas e umbandistas somam 0,8% da população brasileira, a impressão que temos é que algo de muito ruim está acontecendo conosco. Quando pensamos que esses casos são os únicos que conseguimos ter acesso, porque publicados pela imprensa, ficamos com a sensação de que eles podem ser muito mais… Principalmente porque crimes de intolerância religiosa sequer são notificados como tal – seja pelas Polícias ou pelo Poder Judiciário. Para o Brasil, candomblecistas e umbandistas são invisíveis… tanto que um magistrado, sem nenhum prurido, se recusou a liberar uma medida liminar pedida pelo Ministério Público Federal porque não nos considera como religião.
Realmente somos muito poucos. Alguns pesquisadores mais otimistas, ao incluírem os espíritas na contagem do Censo, chegam a 1,7% do total de cidadãos deste país. Isso, transformado em números não soma mais de dois milhões de pessoas. Assistimos todos os dias um dos nossos perder um emprego, sofrer uma violência verbal, ter o terreiro incendiado, perder a guarda de um filho na Justiça… tudo porque o Candomblé e a Umbanda são religiões minoritárias, que jamais foram curral eleitoral de políticos, e que atuam sob a lógica da ancestralidade – que nos permite pensar uma unicidade diversa.
Por todos esses motivos, e por mais alguns que nos escapam – sabemos que as escolas expulsam nossas crianças, os hospitais não atendem nossos filhos e até mesmo nossos vizinhos se sentem incomodados com os sons dos nossos atabaques (mesmo que toquemos de dia, respeitando a Lei do Silêncio) – é que precisamos mostrar ao Brasil quem somos.
Ocupar a Praça dos Três Poderes em 10 de junho não é pedir clemência, muito menos favor aos deputados, senadores e ministros. É exigir que o Estado brasileiro cumpra os acordos internacionais de proteção aos povos de matrizes africanas e que nos garanta os direitos constitucionais previstos como cláusulas pétreas de livre expressão religiosa e de direitos invioláveis como de crença e de consciência.
Estaremos todos juntos com o povo da Casa Branca, do Tumba Junsara, do Bogum, do Gantois, do Oxumarê, do Alaketu, do Tumba Junsara, do Omiojuaro, do Opo Afonjá, Bogun, Opo Afonjá, do Movimento Umbanda do Amanhã e de tantos outros que virão. Ir à Brasília para ocupar o Congresso Nacional é dever de todo aquele que carrega um adoso ou que foi confirmado para servir os nossos ancestrais.
Marcos Rezende Oju Oba, Casa de Oxumarê.