Leonardo Sakamoto
Eduardo Campos, pré-candidato à Presidência da República pelo PSB, disse que era contra o aborto e a favor de políticas de contracepção em entrevista à Rede TV.
Ele poderia também ter respondido com outra obviedade, como o céu ser azul e as árvores, verdes.
Pois não há alguém, em sã consciência, que seja a favor do aborto. “Puxa, que dia lindo! Estou tão feliz que vou fazer um aborto hoje! E depois, comprar morangos e creme.” Aborto é uma merda, é um ato traumático para o corpo e a cabeça da mulher, tomada após uma reflexão sobre uma gravidez indesejada ou de risco. Ninguém fica feliz ao fazê-lo, mas faz quando não vê outra saída.
O que se discute aqui é o direito ao aborto e não o aborto em si. A repórter fez a pergunta corretíssima ao candidato, questionando-o sobre a “ampliação do direito à interrupção da gravidez”. Mas ele não respondeu sobre o direito ao aborto, mas sobre o aborto em si, o que são coisas bem diferentes, usando como alternativa políticas de contracepção.
E desde quando uma coisa exclui a outra? Promover métodos contraceptivos são importantes, mas eles só excluem a necessidade do direito ao aborto na concepção fundamentalista de certos políticos que não entendem o caso nem como questão de saúde pública, nem como ponto central na autonomia da mulher sobre o próprio corpo.
Não se exclui e não se opõe. Até porque aborto não é método contraceptivo. Se o direito ao seu acesso fosse ampliado, não seriam formadas filas quilométricas na porta do SUS feito um drive thru de fast food de pessoas que foram vítimas de camisinhas estouradas. Aliás, essa ideia de jerico, de ver o aborto como método contraceptivo, aparece muito mais entre as justificativas daqueles que se opõem à ampliação dos direitos reprodutivos e sexuais do que entre os que são a favor.
Defender o direito ao aborto não é defender que toda gestação deva ser interrompida. E sim que as mulheres tenham a garantia de atendimento de qualidade e sem preconceito por parte do Estado se fizerem essa opção. Estado este que deveria ser célere e não fazer lambança quando emite portarias para assegurar a efetivação do direito ao aborto já previsto em lei.
Porque vale ressaltar, o aborto é legal no Brasil, como nos casos de risco à vida da mãe e estupro. O que se discute é a ampliação desse direito já reconhecido em lei.
Hoje, o “direito” ao aborto depende de quanto você tem na conta bancária. Afinal de contas, mulher rica vai à clínica, paga R$ 4 mil e pronto. Mulher pobre se vale de objetos pontiagudos ou remedinhos vendidos a torto e direito sem controle e que podem levar a danos permanentes. Enquanto discutimos quando começa a vida (sobre isso dificilmente chegaremos a um consenso), mulheres morrem nesse processo. Negar o “direito ao aborto” não vai o diminuir o número de intervenções irregulares, eles vão acontecer legal ou ilegalmente.
Defendo incondicionalmente o direito da mulher sobre seu corpo (e o dever do Estado de garantir esse direito). É uma vergonha ainda considerarmos que a mulher não deve ter poder de decisão sobre a sua vida, que a sua autodeterminação e seu livre-arbítrio devem passar primeiro pelo crivo do poder público e ou de iluminados guardiões dos celeiros de almas, que decidirão quais os limites dessa liberdade dentro de parâmetros. Parâmetros estipulados historicamente por homens.
É óbvio que um candidato ou candidata de olho nos votos de uma sociedade bastante conservadora não vai dizer o que pensa. Por isso, tenho cada vez mais certeza que eleições não são um momento bom para se discutir políticas públicas. Pelo contrário, como já disse aqui, eleições são momento de retrocesso de uma parcela dos direitos humanos.
Esperemos que os candidatos às eleições presidenciais não deixem que suas crenças, físicas ou metafísicas, ou a de seus aliados, se sobreponham à necessidade de garantir a dignidade das mulheres.