A morte que se quer justificada, mais um indígena tombado! (Ótimo!)

Constituição 1988Por Igor Vitorino da Silva* para Combate ao Racismo Ambiental

O silêncio cotidiano sobre o genocídio indígena no Mato Grosso do Sul tortura-me. O grito e ação política dos indígenas e de seus apoiadores ecoam para muitos cidadãos sul-mato-grossenses como ação infundada, despropositada e inconsequente. Mais do que a indiferença política e social, como acusam muitos militantes, aterroriza-me certa cumplicidade social com o uso da violência e a celebração do extermínio social, ou seja, aceita-se e enaltece-se socialmente a morte como solução para a questão indígena tanto no Mato Grosso do Sul como no resto do país.

Talvez, haja certo exagero na minha afirmação. Ou uma “cegueira política”, dirão os conversadores, alimentada pela indignação e revolta que sinto ao ver as notícias de indígenas assassinados ou de povos que foram expropriados das condições de construírem a sua vida livre e digna, mas não há como não perceber que os povos indígenas constituem os seres “matáveis” do desenvolvimentismo projetado pelo Estado Brasileiro em articulação com tecnocracias, grandes empresas, elites econômicas e oligarquias políticas locais-regionais.

A percepção social dos povos indígenas como entraves, gargalos, usurpadores, aproveitadores e bloqueadores do “sonhado progresso e desenvolvimento” minimiza e negligencia as forças sociais e políticas descomunais e perversas que lhes ceifam dia-a-dia o direito de viver em suas terras ancestrais. Essas imagens sociais depreciativas difundidas pedagogicamente, de maneira descontextualizada e generalizada, por parte das mídias nacional e local associadas aos interesses dos grandes proprietários, buscam descredibilizar socialmente a luta sediciosa e crítica dos indígenas. Não é à toa que se ouve gente simples ou bem educada pelos botecos e palácios de qualquer cidade do país afirmando: Invadiram a propriedade alheia! Eles queriam o quê? Carinho? Tiveram o que mereciam. Esses bandos de marginais, bandidos, falaciosos! Tem que matar mesmo!

Oziel Gabriel será mais um? Transformá-lo-emos em mais um corpo a compor os índices do extermínio histórico da população indígena brasileira? Aceitaremos o discurso de que fora uma simples fatalidade?

Creio que o debate não pode paralisar-se na discussão sobre se as Forças Públicas de Segurança podiam ou não levado as armas para a desocupação, mas, sim, deve-se avançar na problematização (e visibilidade pública) se, realmente, o que levou ao seu uso foi a compreensão etnocidária, que é partilhada infelizmente por vários indivíduos e grupos sociais sul-mato-grossenses e brasileiros, de que o corpo indígena não vale nada e que é um corpo eliminável, um corpo que pode ser imolado em nome da sagrada propriedade e da soteriologia desenvolvimentista.

Esse holocausto está tão arraigado e justificado socialmente que não se discute e nem se percebe uma grande incoerência patente na imagem de indígenas, que resistem com pedras e foices às forças de segurança que exigem o cumprimento da ordem judicial com bombas de efeito moral, treinamento policial para momentos de crise e armas de fogos para “segurança” da tropa. E qual é a incoerência? Desproporcionalidade de força e organização entre a resistência indígena Terena e as forças de segurança pública. Desproporcionalidade vivida no dia da resistência que significa enfrentamento da violência dos jagunços, da estigmatização negativa da mídia, do preconceito social, do peso da corrupção e da articulação política e econômica de proprietários de terras com membros dos poderes judiciário, legislativo e executivo e a mídia nacional, denunciados diariamente por movimentos sociais, pesquisadores personalidades políticas e ONGs.

A morte do indígena Terena Oziel Gabriel nos impõe uma grande questão política: houve incompetência e ineficiência das forças policiais ou uma operação de extermínio indígena? A justiça não se fará apenas punindo os culpados e apurando-se os fatos, mas, sim, produzindo ações que levem a sociedade brasileira a repudiar e a combater a prática social, corriqueira e rotineira, de eliminação física e social de indivíduos e grupos sociais indesejáveis ou descartáveis para o “bom funcionamento da vida social”.

Como construir uma ordem social democrática respeitada se alguns grupos sociais e indivíduos querem se colocar acima dela e colocar outros fora dela? Ou melhor, como falar em império da Lei se há cidadãos mais iguais do que os outros? Não seria essa a primeira violência a ser combatida? A violência do monopólio privado da Justiça e dos Direitos? Solidarizo-me com a população indígena sul-mato-grossense que resiste sem medo e destemor, dando a vida e o sangue, contra o poder instituído que lhes nega o direito de viver.

Referência Bibliográfica

CARNEIRO DA CUNHA, Manuela.(org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1992.

CIMI. AS VIOLÊNCIAS CONTRA OS POVOS INDÍGENAS EM MATO GROSSO DO SUL: E as resistências do Bem Viver por uma Terra Sem Males. Dados: 2003–2010. MS:CIMI/MS, 2011 Disponível em:<http://www.cimi.org.br/pub/MS/Viol_MS_2003_2010.pdf >.Consultado em:30.05.2013

EREMITES DE OLIVEIRA, Jorge; PEREIRA, Levi Marques. TERRA INDÍGENA BURITI: perícia antropológica, arqueológica e histórica sobre uma terra terena na Serra de Maracaju, Mato Grosso do Sul. Dourados,Ms: EDITORA UFGD, 2012. Disponível em: <http://www.ufgd.edu.br/editora/catalogo/terra-indigena-buriti-pericia-antropologica-arqueologica-e-historica-sobre-uma-terra-terena-na-serra-de-maracaju-mato-grosso-do-sul-jorge-eremites-de-oliveira-e-levi-marques-pereira >.

*Igor Vitorino da Silva – Historiador e professor de História Campus Nova Andradina/IFMS.

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