Do Estado que temos para o Estado que queremos – Carta da 5ª Semana Social Brasileira / Bahia e Sergipe

Nós, 282 representantes de 56 entidades, organizações e movimentos sociais e pastorais das regiões das quatro arquidioceses e 17 dioceses dos dois Estados, reunidos no evento regional da 5ª Semana Social Brasileira, promovida pelo Regional Nordeste 3 – Bahia e Sergipe – da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Feira de Santana – BA, nos dias 3 a 5 de maio de 2013, discutimos a realidade, problemas, experiências, desafios e propostas, do campo e da cidade, para levar à efetiva democratização do Estado brasileiro. As históricas Semanas Sociais são espaços que a Igreja oferece à discussão aberta e pluralista da sociedade, sobre os temas mais urgentes. Assim, ela cumpre sua missão de servidora nos processos em vista da construção do Reino de Deus anunciado e inaugurado por Jesus de Nazaré.

Ecoaram nas oficinas, plenárias e celebrações, o cotidiano de lutas, vitórias, decepções e esperanças de setores da sociedade, organizados ou à margem das organizações sociais. De modo especial o grito dos mais pobres, entre os quais os afetados pelo atual ciclo de neodesenvolvimentismo, promovido e patrocinado e defendido pelo atual Estado brasileiro. O crescimento econômico é buscado a todo e qualquer custo, embalado pela crise e pelas oportunidades do mercado global, ávido por abundantes recursos naturais e humanos e altos ganhos de capital. Internamente, é apoiado por ampla e esdrúxula coalizão política, na base do “vale tudo”. O dinamismo econômico gerado, se aumenta o emprego e proporcionar uma renda mínima através de programas assistenciais para as famílias historicamente excluídas, também causa enormes impactos sociais e ambientais e desmonta direitos e salvaguardas legais duramente conquistados. Pior, o clima predominante é de desmobilização social, disciplinamento ou criminalização dos movimentos e lutadores e lutadoras sociais, falsa ou controlada participação social e incentivo ao individualismo e ao consumismo alienantes, alimentados na propaganda oficial e na diária manipulação das consciências pela poderosa grande mídia.

Nas seis oficinas realizadas: Questão Agrária e Violência no Campo e na Cidade; Questão Urbana e a Cidade de Exceção; Soberania Alimentar e Hídrica; Acesso aos Direitos Sociais e Políticas Públicas; Tráfico de Pessoas e Controle do Judiciário, ficou evidente que em cada tema, os mais candentes na atualidade da Bahia e do Sergipe, há conquistas maiores ou menores, mas há, sobretudo, grandes desafios para a defesa do conquistado e avanço dos direitos da cidadania e na democracia real e substantiva. A conquista, em tempos recentes, de governos por representantes de setores populares e da sociedade organizada, tem significado a dura experiência de que Governo não é o Estado e que ter o Governo não é exercer o Poder. As classes dirigentes, venham de onde vierem, acabam expressando a vontade do Capital, hoje articulado e em processos de acumulação em escala global e sem freios. Conquistas legais de interesse público, em especial de setores populares mais fragilizados, são derrubadas com a conveniência e omissão dos Poderes da República, da União e dos Estados, à base de conchavos e deslavada corrupção. Exemplares são os casos do novo Código Florestal, da Lei da Copa, da PEC da Impunidade, dos retrocessos na legislação e nas políticas que defendem os direitos constitucionais dos povos e comunidades tradicionais, considerados “entraves ao crescimento”, fadados à extinção. O Judiciário tem se revelado cada vez mais um poder encastelado, afastado da cidadania e temido pelo povo, como demonstrou a realização dos Tribunais Populares do Judiciário.

Têm se tornado desesperados os justos reclamos dos indígenas, quilombolas, comunidades de fundos e fechos de pasto, pescadores artesanais, sem-teto e atingidos pelas obras da Copa e outras obras de infraestrutura, como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste, o Porto Sul, a Transposição do rio São Francisco, o Polo Naval na Baía de Aratu e a expansão indiscriminada das imobiliárias, parques eólicos, mineradoras e projetos de irrigação e de usinas nucleares. A seca de sempre no Semiárido – maior em 60 anos – agrava ainda mais o quadro de dependência e desestruturação da economia popular.

As conquistas no Estado que temos e os novos e velhos embates populares pelo Estado que queremos evidenciam a fragmentação e a dificuldade de empreender novos rumos e métodos às lutas populares. No entanto, temos experiências e iniciativas coletivas, comunitárias, válidas para indicar os caminhos da nova sociedade solidária, maior que o Estado, Poder Popular real que o submeta e o controle. Trata-se das propostas já praticadas ou em gestação:

  • Planos Diretores por Bairros, Rede Popular Urbana;
  • Luta Contra a Redução da Maioridade Penal e priorização do investimento público para a garantia de direitos das crianças e adolescentes, sobretudo das famílias mais pobres, restabelecendo a esperança de futuro;
  • Formação e articulação do combate ao tráfico de pessoas e envolvimento na Campanha da Fraternidade de 2014;
  • Retomada da pressão social e das lutas pela Reforma Agrária e regularização dos territórios dos povos e comunidades tradicionais; gestões junto ao Ministério Público para levantar e investigar os possíveis casos de genocídio em curso na Bahia e no Sergipe, e tomar as medidas cabíveis;
  • Iniciativas que visam a Soberania Alimentar e Hídrica: produção, comercialização e consumo alimentares agroecológicos, solidários, em associações e redes, também de controle comunitário de serviços de água; no Semiárido, para uma autêntica Convivência com o clima e proveito de suas potencialidades;
  • Educação Popular, contextualizada, comunicação e informação críticas, que incentivem a partilha e a vida comunitária, no embate cultural e ideológico com o individualismo e consumismo;
  • Lutas pela acessibilidade das Pessoas com Deficiências, Fórum Regional de Políticas Públicas, qualificação e fortalecimento dos Movimentos e Conselhos, Articulações Intermunicipais de lutas por direitos;
  • Tribunais Populares do Judiciário, a serem divulgados e expandidos, Controle Externo do Judiciário e novas Comarcas.

Três Moções de Apoio foram aprovadas: à Campanha Nacional pela Regulamentação dos Territórios das Comunidades Tradicionais Pesqueiras; à proposta das Pastorais Sociais do Campo do tema “Povos e Comunidades Tradicionais” para a Campanha da Fraternidade de 2016; à luta da Comunidade Quilombola Rio dos Macacos pela imediata regulamentação de seu território.

Estas nossas lutas atuais, a memória das anteriores e dos mártires de todas elas e nossa fé no Reino de Deus, que “já está no meio de nós” (Lucas 17,21), nos dão a certeza de que o Estado que queremos estamos construindo com nossos braços entrelaçados e nossos corações numa só pulsação de vida e esperança. Juntem-se a nós, contem conosco, nesta urgente missão!

Feira de Santana, 5 de maio de 2013.

MOÇÃO DE APOIO À CAMPANHA PELA REGULARIZAÇÃO DO TERRITÓRIO DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS PESQUEIRAS

Nós, representantes dos povos e comunidades tradicionais, organizações sociais e integrantes das pastorais representantes das dioceses do regional BA/SE presentes na 5ª Semana Social Brasileira – Bahia/Sergipe, realizado entre os dias 03 a 05 de maio de 2013, em Feira de Santana – BA, vimos manifestar nosso apoio à Campanha pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras, iniciativa promovida pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras do Brasil para garantia dos territórios tradicionalmente ocupados pelos povos das águas, bem como assegurar os processos de reprodução física e cultural das comunidades pesqueiras que encontram-se ameaçadas por  grandes empreendimentos turísticos, industriais, aquícolas.

Território Livre, Já!!!

MOÇÃO DE APOIO À COMUNIDADE QUILOMBOLA RIO DOS MACACOS – BAHIA

Nós, representantes dos povos e comunidades tradicionais, organizações sociais e integrantes das pastorais representantes das dioceses do regional BA/SE presentes na 5ª Semana Social Brasileira – Bahia/Sergipe, realizado entre os dias 03 a 05 de maio de 2013, em Feira de Santana – BA, vimos manifestar nossa indignação e repúdio a ação violenta da Marinha de Guerra do Brasil contra a comunidade remanescente de quilombo Rio dos Macacos.

A Marinha, instalada a cerca de 40 anos no território tradicional da comunidade, desenvolveu durante esses anos diversas ações de violações aos direitos humanos dessa comunidade, com a intensificação da violência nos últimos anos. Há vários relatos de violências física e psicológica de gravíssimas proporções amplamente denunciadas e divulgadas nos órgãos públicos nacionais e internacionais, bem como nos meios de comunicação. Como se não bastasse toda violência a Marinha entrou com ação judicial para despejar a comunidade do seu território tradicional.

Exigimos que o poder público, especialmente o Ministério Publico Federal, investigue os casos de violência praticados pelos oficiais da marinha, puna seus responsáveis e que o INCRA publique imediatamente o Relatório Técnico de Identificação do Território dando continuidade ao processo de regularização fundiária da comunidade a fim de que esta assegure seus direitos conforme prevê a constituição federal.

Território Livre, Já!!!

MOÇÃO DE APOIO A UMA PROPOSTA DE CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2016 SOBRE OS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS

Nós, representantes dos povos e comunidades tradicionais, organizações sociais e integrantes das pastorais representantes das dioceses do regional BA/SE presentes na 5ª Semana Social Brasileira – Bahia/Sergipe, realizado entre os dias 03 a 05 de maio de 2013, em Feira de Santana – BA, considerando a situação de ameaça em que se encontram os povos e comunidades tradicionais por conta do avanço dos grandes empreendimentos sobre seus territórios, associado ao discurso reacionário e genocida de setores do governo, do judiciário e da bancada ruralista do congresso nacional com relação à vida desses povos e comunidades; considerando a dimensão profética da nossa missão pastoral, vimos apoiar junto à CNBB uma proposta, nascida da solidariedade das pastorais do campo, de que a Campanha da Fraternidade de 2016 seja especifica sobre a vida dos povos e comunidades tradicionais do Brasil.

Enviada por Ruben Siqueira para Combate Racismo Ambiental.

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