Mulheres de Manguinhos e do Caju mapeiam a violência em suas comunidades

Por David Robertson, no Rio On Watch

O dia 16 de dezembro marcou o lançamento da publicação de um mapa urbano produzido por mais de 30 mulheres moradoras do Caju e de Manguinhos, favelas da Zona Norte do Rio, sob a orientação da FASE. O lançamento da publicação, intitulada “Cartografia Social Urbana: Impactos do desenvolvimento e da violência institucional na vida das mulheres moradoras do Caju e de Manguinhos”, marcou a conclusão de um processo de dois anos.

O objetivo do programa foi fornecer às mulheres a oportunidade de falarem sobre como enfrentam a violência diária, e também de mapear suas comunidades como forma de resistência.

As comunidades de Manguinhos e do Caju são próximas geograficamente, mas passam por diferentes experiências de violência na comunidade, e também entre a polícia e seus moradores. A comunidade de Manguinhos, que reúne cerca de 50.000 pessoas, foi fundada há mais de 100 anos e ocupa uma localização central na Zona Norte do Rio. O Caju é um bairro com cerca de 20.000 habitantes localizado próximo à Região Portuária, e foi um dos locais mais importantes durante o período imperial no Rio, mas, desde então, passou a ser negligenciado pela prefeitura e sofre com o despejo de lixo em sua área.

“Você sabe que chegou ao Caju pelo cheiro”, lê-se uma citação encontrada no documento.

A produção dos mapas, que envolveu reflexões, seis oficinas e espaço para discussões, permitiu às mulheres a formação de um grupo solidário para tratar da violência diária e seus efeitos, como a perda dos seus filhos ou encontros com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), instaladas em 2013. O processo deu às mulheres a oportunidade de expressarem o descontentamento com o tratamento dado às suas comunidades pelas autoridades.

“Não é de interesse do governo que a favela tenha memória”, diz uma citação feita por uma das mulheres.

Apesar das mulheres integrantes do projeto terem consciência de que seus mapas não foram feitos com o intuito de serem narrativas completamente fiéis de suas comunidades, suas perspectivas e experiências foram temas tratados diversas vezes nas oficinas.

A sensação de abandono, a insegurança dentro das comunidades, e o sentimento de que o governo apenas usa esses bairros para “promover” certos projetos foram temas bastante tratados durante as discussões. Muitas mulheres acreditam que as suas comunidades possuem diversas iniciativas importantes, mas muitas não funcionam bem porque o governo as negligencia. De acordo com elas, quando investimentos são designados a estas comunidades, a consequente falta de execução apenas comprova que todas essas ações não passavam de falsas promessas feitas pelo governo.

“As facções rivais impedem a circulação dos moradores”, diz uma citação que destaca a insegurança sentida por muitas das mulheres.

Especificamente no Caju, questões como as falsas promessas feitas pelo governo, os conflitos com a UPP, e a grande quantidade de trailers e contêineres vazios encontrados na região foram levantados em diversos momentos. Para as mulheres de Manguinhos, os conflitos e a insatisfação com a UPP, e a falta de liberdade de locomoção dos seus filhos dentro da comunidade foram tópicos recorrentes.

“Manguinhos é fogo e água”, diz uma citação encontrada no documento, resumindo o processo emocional de criação dos mapas.

A criação dos mapas significa mais do que simples desenhos sobre papel. As oficinas fortaleceram a solidariedade e a conexão entre as mulheres, que são frequentemente as mais ativas na luta pela justiça e pela paz dentro de suas comunidades. Todas elas tiveram que trabalhar juntas para discutir o critério de classificação de cada espaço dentro da comunidade, e chegarem a um consenso das cores a serem utilizadas para identificá-los.

Apesar do principal objetivo do projeto ter sido o mapeamento das experiências de violência nas comunidades, esse processo também levantou outros tópicos e questões, nas áreas de habitação, saúde, racismo, gênero e educação.

Uma moradora de Manguinhos resumiu o processo de mapeamento, dizendo: “No passado, nós não podíamos falar sobre determinados assuntos… [mas] hoje nós podemos nos unir, participar dos movimentos e gritar”.

Tradução por Camilla Pereira.

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