Movimento Geraizeiro e Articulação Rosalino denunciam à OIT violações aos seus direitos em Vale das Cancelas, Minas Gerais

O Movimento Geraizeiro e a Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais divulgaram ontem a denúncia Geraizeiros de Vale das Cancelas enfrentam operação de guerra montada pela Suzano Celulose e Fazenda Rio Ranchocontra a degradação socioambiental das empresas plantadoras de eucalipto e a ameaça da mineração que vem sofrendo seu Território Tradicional. O documento abaixo está sendo por eles encaminhado à Organização Internacional do Trabalho, em Genebra. E eles pedem apoio para que o Governo de Minas Gerais e o Governo Federal regularizem seu território e não permitam o licenciamento do Projeto de Mineração Alto Rio Pardo, que prevê a construção de um mineroduto até o porto de Ilhéus, na Bahia. 

DENÚNCIA À OIT

A Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais, composta pelo Povo Xakriabá, por comunidades quilombolas, geraizeiras, vazanteiras, veredeiras, apanhadores de flores e catingueiras, juntamente com a articulação da sociedade civil participante da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) e o Movimento Geraizeiro, com o apoio do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA), Comissão Pastoral da Terra e Via Campesina vem apresentar denúncias de violações aos direitos humanos dos povos e comunidades tradicionais no Brasil, a partir do caso especifico de violação dos direitos territoriais dos Geraizeiros.

Introdução

  • As organizações acima nominadas, articuladas pela garantia dos direitos dos geraizeiros e dos povos e comunidades tradicionais no Brasil, têm monitorado os processos de licenciamento e implantação de projetos de mineração no Norte de Minas Gerais. Projetos que envolvem grandes empresas mineradoras interessadas na exploração de ferro, ouro e gás em territórios de comunidades tradicionais da região.
  • Neste caso específico, são 27 comunidades geraizeiras, que somam 1900 famílias que lutam pela reapropriação de territórios ancestrais, os Gerais, vivendo impactadas pelos maciços florestais de eucalipto no seu entorno. Atualmente, projetos de mineração de ouro e de ferro avançam sobre os seus territórios e muitas lideranças e comunidades encontram-se sob ameaças e estão sendo criminalizadas.
  • Os povos e comunidades tradicionais no Brasil, dentre os quais os Geraizeiros, foram reconhecidos pelo Decreto Presidencial nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Nele, o Governo Federal reconhece a existência formal de todos os povos e comunidades tradicionais e os definem como: “Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil  em junho de 2002, além de garantir os direitos e a integridade dos povos e comunidades tradicionais, rege em seu Artigo 6° queos governos deverão: a) consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;”
  • O Brasil também é Estado parte do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), recepcionado pela Constituição de 1988 no artigo 5º, § 2º e, desta forma, está obrigado a respeitar, proteger e garantir à sua população os direitos previstos em tal Pacto.
  • Este amplo marco legal estabelece que o Estado Brasileiro, em suas três esferas, tem a responsabilidade de proteger, respeitar e garantir os direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais previstos à sua população, notadamente aos povos e comunidades etnicamente diferenciados.
  • No entanto, o monitoramento dos processos de licenciamento e implantação de projetos de mineração no Norte de Minas Gerais tem revelado um contexto de não cumprimento das responsabilidades do Estado, que tem culminado em graves violações aos direitos humanos, econômicos, sociais e culturais das comunidades nos municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis, resultando em atentados contra a dignidade humana e a integridade física, psicológica e cultural das famílias geraizeras[1].

Contexto

  • Com uma dimensão continental, o Cerrado brasileiro é o segundo bioma em extensão do país, abrangendo 11 estados da federação. O contexto político de globalização do capital e avanço de grandes projetos de base capitalista, como a mineração, a monocultura e unidades de conservação compensatórias sobre os territórios tradicionalmente ocupados por povos e comunidades tradicionais coincide com uma conjuntura política do país em que há um recrudescimento da negação dos direitos coletivos, fundiários e étnicos.
  • Atualmente, marcos legais nacionais relacionados aos direitos das populações indígenas, quilombolas e de outras comunidades tradicionais, garantidos na Constituição de 1988, passaram a ser questionados, e marcos internacionais, como a Convenção 169 da OIT, estão sendo ignorados, permitido, assim, um verdadeiro etnocídio de povos e comunidades tradicionais agroextrativistas que vivem no e do cerrado.
  • O Projeto de Mineração Vale do Rio Pardo, que pretende ser implementado nesta região, prevê a exploração do minério de ferro de baixo teor, em minas de cava aberta, associado com a construção de um mineroduto, cortando 21 municípios do Norte de Minas Gerais e Bahia. O processo de licenciamento, que está em fase de estudos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA já apresentou uma série de irregularidades, sendo uma delas a de não reconhecer a existência de diversas comunidades tradicionais que vivem nesta porção do semiárido de Minas Gerais.
  • As comunidades que serão atingidas já denunciaram ao Governo Federal e ao Governo Estadual que a sua existência nos territórios foi ignorada nas duas audiências públicas do processo de licenciamento, realizadas para tratar do Projeto de Mineração – a primeira realizada no dia 22 de janeiro de 2013 e a segunda no dia 05 de fevereiro de 2015.
  • As pressões e negligências na realização das audiências foram também denunciadas. No dia 17 de janeiro de 2013, as comunidades tomaram conhecimento que o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental – documento composto por 70 volumes – haviam sido entregues ao IBAMA. Ao mesmo tempo, as comunidades souberam da realização de audiência pública no dia 22 de janeiro, ou seja, apenas com uma semana antecedência. De imediato as comunidades entraram com uma representação junto ao Ministério Publico Federal pedindo o adiamento da audiência. Desta forma, o Ministério Público justificou que “é notória a presença de povos e comunidades tradicionais na região afetada pelo empreendimento, encontrando-se este encravado em plena região geraizeira, categoria identitária oficialmente reconhecida, e que possui assento permanente na Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais” e ainda alertou sobre os riscos de se avançar no processo de licenciamento “sem que este se paute pelo conhecimento e consideração da existência dessas comunidades e de suas especificidades socioculturais”.
  • Mesmo com a solicitação do adiamento da audiência, esta foi realizada no dia 22 de janeiro de 2013. Nesta audiência, os atingidos pela mineração do Projeto Vale do Rio Pardo entregaram ao IBAMA dossiê denunciando os desmandos promovidos pela empresa responsável pelo projeto, junto com uma série de violações de direitos e de ações criminosas – invasão de terras, fraudes na demarcação de terras, crimes ambientais, ameaças contra famílias e lideranças, além de questionarem a fragmentação do licenciamento, pelo fato da Agência Nacional de Águas (ANA), no dia 03 de março de 2012, conceder uma outorga preventiva para a SAM utilizar 6.200 m³/ hora das águas da Barragem de Irapé, sem nenhum tipo de estudo de impacto ambiental e sem a participação da sociedade.
  • Assim, outra ameaça é a ampliação da escassez hídrica, uma vez que, se chegar a ser executado, o projeto vai demandar um volume excessivo de água – uma demanda anual de 53.568.000 m3/ano – em uma região que já apresenta comprometimento generalizado dos recursos hídricos, com o secamento de nascentes e córregos da região da bacia do rio Vacaria, onde a população já está vivenciando um conjunto significativo de conflitos territoriais e ambientais.
  • Em 05 de fevereiro de 2015, outra audiência pública foi realizada. O IBAMA realizou a audiência no município de Grão Mogol, sendo que diversos ônibus chegaram de Montes Claros/MG, trazendo estudantes e profissionais da área de mineração. Os movimentos sociais realizaram protesto contra a forma de convocação e de participação na audiência, em um clima de muita tensão, uma vez que os agricultores e agricultoras tradicionais foram vaiados e intimidados pelo público, quando pediam a palavra para falar de suas preocupações e das ameaças do projeto.

Constatações

  • O Projeto de Mineração Vale do Rio Pardo vem provocando tensões nas comunidades geraizeiras, que vivem na região de Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis, além de outras tantas que vivem ao longo da linha de escoamento, prevista para levar o minério em forma de pasta líquida até o Porto de Ilhéus. Esta situação é decorrente da incapacidade, ação ou omissão do Estado em âmbito municipal, estadual e federal, em cumprir com as obrigações de respeitar, proteger e garantir os direitos previstos nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e na Constituição Federal de 1988.
  • Este projeto não reconhece a existência das famílias no território a ser explorado, inclusive negando o Direito à Consulta Prévia Informada, garantido no Art. 6° da Convenção 169 da OIT. Da mesma forma que o Estado não cumpre com a obrigação de garantir o Direito Territorial, garantido na legislação nacional e internacional, conforme pontuado nos parágrafos 3 e 4, pois não adota as medidas necessárias, como o reconhecimento e a demarcação do território tradicional desta população.
  • Constata-se também que não há interesse em avançar na reparação destas violações por parte do Estado brasileiro. As comunidades Geraizeiras já entraram em contato com órgãos federais responsáveis, de forma exaustiva, para serem ouvidas, para serem consideradas e não obtêm respostas efetivas. Desta forma, constata-se ainda as violações aos seguintes direitos:

Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

  • O DHAA é um pressuposto fundamental para a sobrevivência, consagrado no Art. 11 do PIDESC, e incluído no artigo 6° da Constituição Federal. Considerando que as famílias não têm a situação fundiária regularizada, vivem sob o risco e medo de serem retiradas de seus território, o meio ambiente onde vivem está ameaçado e degradado, que não podem produzir para se alimentarem, conforme sua cultura e tradição, o DHAA das famílias geraizeiras do Norte de Minas Gerais está violado.

Direito Humano à Água

  • Em Resolução de julho de 2010, a ONU reconhece o acesso à água potável e ao saneamento básico como um direito de todo ser humano, para que, entre outras coisas, todos tenham água suficiente, segura, aceitável, fisicamente acessível e a preços razoáveis para usos pessoais e domésticos. As comunidades Geraizeiras necessitam de acesso às águas das nascentes, córregos e rios para poderem sanar as necessidades diárias e realizar suas atividades produtivas. No entanto, com o Projeto de Mineração Vale do Rio Pardo, que demandará 53.568.000 m3/ano, em uma região que já apresenta um comprometimento generalizado dos recursos hídricos, com o secamento de nascentes e córregos da região, esta população terá seu direito à água seriamente ameaçado.

Direito das minorias

  • O Direito das Minorias está previsto no Artigo. 27 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e estabelece que nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar a sua própria língua. No entanto, as famílias geraizeiras estão na iminência de terem mais este direito violado, devido à implantação do Projeto Mineração Vale do Rio Pardo, pois necessitam utilizar de forma plena o território para realização de sua vida cultural, social e produtiva, para garantir a sua segurança e soberania alimentar.

Direito ao Meio Ambiente

  • A Declaração de Estocolmo, de 1972, estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental do indivíduo. A região de execução do projeto está inserida no semiárido de Minas Gerais, com uma rica biodiversidade, associada aos Cerrados da Serra do Espinhaço, já impactada de forma significativa com a implantação das monoculturas de eucalipto nas décadas de 1980 e 1990. Grandes projetos já provocaram expropriação territorial das comunidades tradicionais, com fortes impactos na flora e fauna regionais e, de forma ainda mais grave, sobre os escassos recursos hídricos superficiais e subterrâneos. Assim, o Projeto Mineração Vale do Rio Pardo coloca em extremo risco a realização do Direito ao Meio Ambiente para as comunidades geraizeiras.
  • No Brasil, está tramitando o Projeto de lei antiterrorismo (PL 2016/2015), que permite a aplicação de penalidades duras sobre aqueles que protestam nas ruas. Assim, as comunidades geraizeiras mobilizadas pelos seus direitos têm sido criminalizadas, sendo que lideranças do movimento ao nível local já foram ameaçadas diversas vezes de morte. Cabe ressaltar que o Brasil, como um Estado Parte de Pactos Internacionais de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e outros pactos, assumiu compromissos no âmbito do direito internacional de proteger e respeitar os direitos ao Território, à Consulta Prévia e Informada, à Alimentação Adequada, à Água, às Minorias e ao Meio Ambiente.

Solicitação de apoio:

  • Considerando as inúmeras tentativas no sentido de sensibilizar o governo sem sucesso, as famílias Geraizeiras do Vale das Cancelas e os Povos e Comunidades Tradicionais no Brasil solicitam encarecidamente aos Organismos Internacionais que deem ampla divulgação internacional dos riscos que estão correndo, bem como que cobrem do Governo Brasileiro a garantia dos seus direitos fundamentais, garantindo o reconhecimento e demarcação do Território Tradicional Geraizeiro de Vale das Cancelas, que abrange 73 localidades dos municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis. Solicitam também que recomendem ao governo brasileiro medidas protetivas para as lideranças comunitárias e famílias sob ameaça. Finalmente, solicitam que se façam recomendações à empresa mineradora SAM, que promete “… geração de empregos e renda para a população, aliada a uma atuação responsável nas áreas social e ambiental…”[2], que cumpra os compromissos assumidos e não viole, nem por conta própria nem com o aval do Estado brasileiro, direitos tão fundamentais.

Notas:

[1] Considerando a indissociabilidade de todos os direitos humanos os povos e comunidades tradicionais só terão seus direitos efetivados a partir do acesso institucionalizado ao território, garantindo o direito se alimentar, de viver e produzir, utilizando práticas e conhecimentos gerados e transmitidos pela tradição, e recursos naturais disponíveis em seu território.

[2] http://www.sammetais.com.br/, consultado em 29 de novembro de 2015.

Enviado para Combate Racismo Ambiental por Carlos Alberto Dayrell.

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