No ConJur
Uma mulher de uma comunidade remanescente de quilombo obteve na Justiça a reintegração de posse de um imóvel rural em Rio Piracicaba, região central de Minas Gerais, que pertencia a duas famílias quilombolas, mas estava ocupado por terceiros. A decisão é do juiz da comarca, Espagner Wallysen Vaz Leite.
A mulher afirma que o terreno denominado Canangue, com 314 mil m2, foi invadido por um casal em maio de 2006. Os ocupantes teriam construído e reformado cercas, pintado porteiras e postes, colocado gado na plantação de eucalipto e causado prejuízos.
O casal, por sua vez, alega que comprou o terreno e que a remanescente do quilombo, se algum dia teve posse, foi de apenas de uma área de 1.420 m2.
Ao analisar as provas testemunhais, o juiz concluiu que o casal nunca exerceu efetivamente a posse do imóvel. Por outro lado, foi comprovado que a autora da ação é uma remanescente de quilombo e praticava atos inerentes ao domínio sobre o imóvel.
O imóvel pertencia a duas famílias quilombolas, “família dos Anacretos” e “família dos Robertos”, sendo que a primeira teria supostamente vendido parte do imóvel para o casal.
Entretanto, o juiz afirma que, “além de o réu não ter demonstrado de forma cabal que exercia a posse do bem, restou evidenciado que adquiriu área remanescente de quilombo, cuja proteção encontra guarida não só na Constituição Federal, como também no Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003.”
O juiz considerou também o laudo de uma antropóloga nomeada pelo juízo. Ela atestou que o terreno denominado de Canangue “constitui a referência de um território historicamente ocupado por família de escravos e ex-escravos, vinculadas entre si e com outras famílias de vizinhanças próximas por laços de parentesco, reciprocidade e devoção religiosa.”
Ainda segundo a perita, o território “serviu de base a práticas de resistência na manutenção e reprodução de um modo de vida próprio, assentado na gestão coletiva da terra e dos recursos naturais disponíveis e com uma sociabilidade definida pela reciprocidade, além do compartilhamento de crenças e práticas religiosas específicas, referidas à tradição afro-brasileira das festas de Congado.”
Com a decisão, a família quilombola deverá ser reintegrada, de forma definitiva, na posse do terreno.
O juiz determinou ainda que fosse encaminhada cópia de todo o processo à Procuradoria Geral da República, Fundação Cultural dos Palmares, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, “para conhecimento e providências que entenderem cabíveis”.
Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-MG.
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Destaque: Bebê quilombola Kalunga.