E se morrer um estudante?, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

O governo do Estado de São Paulo resolveu entrar em guerra contra as ocupações de escolas públicas mantidas por estudantes insatisfeitos com o projeto que prevê o fechamento de unidades de ensino e a transferência forçada de milhares de alunos. Não sou eu que afirmo isso mas membros da própria administração estadual em uma gravação divulgada pelos Jornalistas Livres.

A força policial tem usado de violência para cumprir ordens, seja nos protestos em vias públicas, seja em unidades escolares – principalmente na periferia. Pois sabemos que a vida e a dignidade valem menos à medida em que nos afastamos do centro expandido da capital paulista.

As ações de limpeza social levadas a cabo pelo poder público no Brasil contra grupos de sem-terra, sem-teto, indígenas, camponeses, pessoas com dependência química, moradores de favelas, entre outros, têm recebido um apoio – se não explícito, pelo menos tácito – de uma fatia considerável dos brasileiros. Afinal de contas, esses excluídos são seres que, com sua existência, colocam em xeque nossas opções de desenvolvimento, de visão da função da propriedade, da orientação dos gastos públicos.

Quando morrem, esses seres não vão para o céu. Viram estatística.

Mas ainda que grasse por aqui uma hipocrisia titânica no que diz respeito à educação (todos defendem que ela seja prioridade, desde que não custe dinheiro), ainda assim estamos falando de crianças e jovens que pedem para estudar e protestam por esse direito. Ou seja, colocam em prática o que parte da sociedade – por falta de tempo, por ignorância, incompetência ou comodismo – desistiu de fazer: lutar coletivamente por um futuro melhor.

É claro que há ocupações ligadas a movimentos sociais – o estranho seria se não houvesse, uma vez que educação é tema transversal que permeia tudo.

Mas o que está acontecendo não é uma ação coordenada com um “comando central de ocupações”. Quem pensa dessa forma realmente não entende como brotam e se organizam novos movimentos. Neste momento, as ocupações tornaram-se uma catarse alimentada por condições precárias de educação, pelo desejo de ser protagonista do seu próprio destino e pela arrogante incapacidade de diálogo por parte do poder público. E, como toda catarse, tem vida própria, fez nascer coletivos e trouxe diferentes grupos existentes para dentro de si.

Aliás, a molecada considera um ultraje ouvir que um velho de barba com camisa do Che chegou para eles e disse tudo o que deveriam fazer. Eles debatem, decidem por conta própria e põem decisões em curso. Não era isso que gostaríamos que fossem? Cidadãos?

O governador Geraldo Alckmin sabe o que é estratégia – basta entender como tem sido o processo de contrainformação e racionamento velado que norteia sua ação diante de um reservatório da Cantareira que chegou bem perto de secar. E sabe que, se for bem sucedido, cacifa-se para a próxima eleição presidencial.

Por isso mesmo, esta reação é estranha. Será que ele não percebeu (ou percebeu e fez questão de ignorar) que não está lidando necessariamente com os grupos excluídos acima listados (que não contam com a simpatia da maior parte da sociedade) e muito menos com um cenário dominado por sindicatos e partidos políticos? Os movimentos de jovens que compõem as ocupações são muito mais complexos do que tem sido retratado pela mídia e externam diferentes anseios.

A molecada pode até não atrair uma legião de fãs entre os mais conservadores, mas pularam o muro da escola para se trancar lá dentro e poder estudar. E isso é algo simbolicamente forte, difícil de destruir e que pode chamar a atenção e, por que não dizer, a simpatia, de dentro e fora do país.

Além do mais, estão pedindo algo bem objetivo e razoável: que o governo desista desse projeto (que deseja economizar custos e, provavelmente, preparar o terreno para uma futura entrega de administração para organizações sociais) e crie um diálogo público e amplo, envolvendo alunos, professores e comunidades afetadas sobre a gestão da educação.

Governador, o senhor vai realmente esperar que, em alguma ação desastrada que fuja do controle, um estudante morra pelas mãos da polícia para começar a negociar de verdade? Uma morte não seria difícil ocorrer levando em conta métodos adotados por certos agentes da corporação.

Por mais que veículos oficiais tentem ressignificar essa morte, culpando os ocupantes, ela terá um gosto diferente das tantas e tantas outras de jovens negros e pobres que ocorrem regularmente nas periferias das grandes cidades brasileiras em nome de uma estúpida política de segurança pública.

A descabida morte de um estudante por asfixia após levar um mata-leão de um soldado rodaria o mundo tal qual a foto do corpo de uma criança síria que surge afogada ao tentar fugir de um conflito sem sentido. E, infelizmente, o que é catarse pode se transformar em convulsão social.

Pois não seria mais um jovem a morrer, mas sim a democracia que terá sido asfixiada e deixada agonizante no meio de uma avenida de grande movimento ou, pior: na porta de uma escola pública.

Não que isso já não esteja ocorrendo no Brasil através do genocídio de jovens negros e pobres. Mas traduzir esse movimento em imagem para uma sociedade de imagem em movimento poderá ser a faísca que falta para reacender junho de 2013.

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