Por CPP Nacional
No período em que a Revolta da Chibata completa 105 anos, o Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) lançou nacionalmente manifesto contra as sucessivas quedas de seus direitos orquestradas pelo governo federal, especialmente depois da ida da pesca artesanal para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
O 22 de novembro é conhecido como o Dia do Grito da Pesca Artesanal em justa referência à revolta liderada por João Cândido. As chibatadas hoje aparecem em forma de suspensão de benefícios trabalhistas e sociais, da negação da identidade da pescadora e do pescador artesanal e do ataque às demandas dessa categoria. O MPP também se posiciona e repudia o desastra promovido pela SAMARCO (Vale) em Mariana/MG e que vem trazendo consequências graves para os pescadores e as pescadoras da região.
Desde o início do ano, as comunidades tradicionais pesqueiras se depararam com situações de perda de direitos. O decreto 8425, publicado em abril pela presidência, surgiu e impôs regras para a definição da identidade de pescadores e pescadoras artesanais, indo de encontro ao modo de ser e viver das comunidades pesqueiras. O decreto retirou de milhares de pescadores e, especialmente, pescadoras, o direito ao Registro Geral da Pesca (RGP), documento que garante o acesso a políticas públicas e sociais, principalmente direitos trabalhistas e previdenciários.
Em outubro, cai o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e a pesca artesanal é colocada no MAPA, conhecido pela intensa parceria com os setores do agronegócio e que tem no comando a pecuarista Kátia Abreu, uma das principais agentes do governo contrária aos direitos das comunidades tradicionais. Já na fase de transição, a Ministra ordenou a suspensão do pagamento do seguro defeso em 13 estados, através da portaria 192, o que deixou cerca de 700 mil pescadores e pescadoras sem poder acessar o beneficio.
Nessa conjuntura, através de manifesto pelo Grito da Pesca Artesanal, inspirada na luta do Almirante Negro, pescadores e pescadoras de todo Brasil se manifestam e exigem, dentre outras pautas, a revisão do decreto 8425, a revogação da portaria 192, a transferência da pesca artesanal para o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a proteção dos seus territórios tradicionais e a punição dos envolvidos no desastre na cidade de Mariana que já ganhou repercussão internacional.
Confira o manifesto:
Nós, pescadores e pescadoras artesanais do Brasil, estamos em luta e resistimos às chibatas do Estado sobre nós. Desde o final de 2014, estamos sofrendo percas violentas, sobretudo no que diz respeito aos nossos direitos trabalhistas. Com a edição da Medida provisória 664, que resultou no decreto 8424 e 8425/2015, tivemos nossa identidade violada, nossa atividade tradicional fragmentada resultando na exclusão de milhares de pescadoras do direito ao defeso, gerando um impacto de grande dimensão na vida das mulheres. Essa medida além de retirar nossos direitos não enfrenta de forma estrutural a corrupção, pelo contrário, o peso do corte recai sobre os pescadores e as pescadoras artesanais.
O desfecho do Ministério da Pesca, seguido do escândalo de corrupção, comprova nossas denúncias históricas, evidenciando a relação inescrupulosa entre MPA, indústrias e a Confederação Nacional dos Pescadores, entidade essa que não representa os pescadores e que está aliada com os grandes inimigos da pesca artesanal no Brasil. Que os culpados possam pagar pelos crimes cometidos contra nós, e que as demais denúncias feitas sejam apuradas.
O último golpe veio em Outubro, quando já na responsabilidade do MAPA, conjuntamente com o MMA, a emissão da portaria que suspende 10 atos normativas do Defeso de várias regiões, colocando em risco a sustentabilidade ambiental, a segurança alimentar das comunidades, justamente no ano em que o próprio MMA revelou que inúmeras espécies de pescado estão em perigo de extinção, num processo marcado pela ausência de discussão conosco, os principais atingidos. Repudiamos veementemente essa ação, e exigimos o cancelamento imediato da Portaria 192/2015.
Não aceitamos que a PESCA ARTESANAL fique isolada no Ministério do Agronegócio, enquanto que todos os grupos da agricultura familiar têm suas políticas no MDA, o qual atende aos povos e comunidades tradicionais. O MAPA está, historicamente, ligado ao agronegócio, e nos últimos tempos aprofundou essa sua ligação, existe a destruição da terra, das florestas e das águas favorecendo a concentração de terra, a violência e contaminação pelos agrotóxicos.
Com muita revolta e tristeza, sentimos o desastre ambiental provocado pela atividade de mineração da empresa Samarco (revelada como empresa da Vale) que vem afetando nossa saúde, destruindo vidas, gerando insegurança alimentar. Não tomou-se as medidas devidas para evitar que os impactos causados tivessem proporções maiores como se desdobrou . Nos causa mais revolta a atuação pífia do Estado tentando atenuar a responsabilidade da empresa num total desrespeito com as comunidades atingidas.
Vamos dar uma basta nisso! Não aceitaremos mais nenhuma chibatada sobre nós. Não nos calaremos mediante o processo de racismo institucional em que somos vítimas! Não nos calaremos frente a ofensiva contra nossa existência!
Hoje em nosso dia Nacional de Luta, Grito da Pesca Artesanal, ecoamos os seguintes gritos:
- Não aceitamos ir para o MAPA : Não acreditamos que a pesca artesanal possa avançar dentro do ministério do agronegócio que tem como pauta e prática a destruição da natureza, a mercantilização dos recursos naturais, flexibilização da legislação ambiental, e que tem como perspectiva mercantilizar as águas e os territórios tradicionalmente ocupados em nome da politica do latifúndio e das grandes empresas. Entendemos que o local adequando para o destino da política para a pesca artesanal deva ser o MDA: porque atua com agricultura familiar, com povos e comunidades tradicionais,seguimento ao qual pertencemos e nos identificamos;
- Exigimos a revogação da portaria 192 que cancela os seguro defeso em importantes áreas de pesca, por entender que se trata de um processo criminoso e violador;
- Pela revogação do veto presidencial da lei 13183 sobre o acesso ao defeso dos pescadores e das pescadoras que trabalham na cadeia produtiva da pesca artesanal, não admitimos perder nossos direitos conquistados com muito suor e luta;
- Pela revisão do decreto 8425, por violar nosso direito de auto-identificação, fragmentar nossa atividade tradicional e nos recolocar em situação de vulnerabilidade;
- Pelo fim do cancelamento das mais de 250.000 carteiras de pescadores artesanais;
- Pela retomada das nossas pautas econômicas, dos nossos projetos em construção com os variados ministérios.
- Exigimos urgentes encaminhamentos e providências para reverter os impactos do desastre causado pela Samarco, tanto em Minas Gerais como no Espírito Santo e punir drasticamente os responsáveis;
- Medidas emergenciais para garantir a vida dos pescadores do Rio São Francisco e salvar o rio que se encontra em avançado processo de degradação, resultante dos inúmeros empreendimentos criminosos realizados em seu curso;
- Pela garantia do território pesqueiro e regularização dos territórios garantindo a vida com dignidade de nossas comunidades.
Declaramos desde já que nossas bandeiras, gritos e resistências em defesa da pesca artesanal seguirão em marcha contra o racismo institucional representado pelas medidas executadas pelo Estado brasileiro contra nós. Nossa resistência vem das lutas contra o latifúndio das águas e das terras, nossa unidade em defesa da pesca artesanal e das nossas comunidades tradicionais pesqueira.
No Rio e no Mar – Pescadores na Luta !
Nos açudes e barragens – Pescando liberdade!
Hidronegócio – Resistir, Cercas nas águas – Derrubar !