“Lei Antiterrorismo”: Quem são os terroristas? [Manifesto de repúdio à tipificação do terrorismo]

Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil

A “livre manifestação do pensamento” e a garantia de que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização” são direitos consagrados no artigo 5º da Constituição brasileira.

Mas a chamada “Lei Antiterrorismo” (PLC 101/2015), em discussão no Congresso Nacional, é uma séria ameaça à liberdade de expressão e manifestação no país. Desde as manifestações populares de junho de 2013, que tiveram origem nos protestos contra o aumento das passagens e continuaram nos anos seguintes, incluindo o período da realização da Copa do Mundo no Brasil, há uma tentativa de coibir a realização de atos públicos. Em muitos casos, as mobilizações foram – e ainda vêm sendo – reprimidas por meio de ação violenta e forte aparato pelas forças do Estado.

Por que uma Lei Antiterrorismo?

De autoria do Governo Federal, o PLC 101/2015 visa definir os crimes de terrorismo e dispõe ainda sobre procedimentos investigatórios e processuais. Assinado no fim de junho deste ano pelos ministros Joaquim Levy (Fazenda) e José Eduardo Cardozo (Justiça), o projeto foi proposto em meio ao intervalo entre a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos que acontecerão no Rio de Janeiro em 2016. Em agosto a proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados e em outubro no Senado Federal. Como houve alterações, retornou para a Câmara e posteriormente seguirá para sanção da Presidência da República.

Mas por que a pressa? Segundo reportagem da Carta Capital, a urgência se deve a uma alegada pressão sobre o governo brasileiro feita pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi), formado por 31 países. O Grupo poderia colocar o Brasil numa lista suja caso o País não tipificasse “o crime de financiamento do terrorismo”.

No entanto, em entrevista à BBC Brasil, o ex-Secretário Nacional de Justiça do governo Lula, Pedro Abramovay, afirmou que participou diretamente das negociações e que na época o governo conseguiu segurar a pressão. Ele atribui à troca de ministro da Fazenda, com a entrada de Joaquim Levy no lugar de Guido Mantega, a decisão do governo de enviar o projeto de lei ao Congresso.

O agravante da proposta é que um substitutivo do senador Aloysio Nunes (PSDB/SP) torna crime o ato de “atentar contra pessoa, mediante violência ou grave ameaça, motivado por extremismo político, intolerância religiosa ou preconceito racial, étnico, de gênero ou xenófobo, com objetivo de provocar pânico generalizado”. O uso da expressão “extremismo político” é ambíguo e dá margem para ações contra movimentos sociais, ameaçando os direitos humanos principalmente dos que são os mais vulneráveis perante o Estado e o poder econômico e que, para ter seus direitos reconhecidos e garantidos, necessitam cotidianamente ir à luta, se manifestar, ir às estradas e ruas do nosso país.

Além disso, foi retirado do texto original o parágrafo que excluía do tipo penal do terrorismo “pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais”.

A exclusão do referido parágrafo torna ainda mais evidente a intenção de criminalizar os movimentos sociais e ativistas de direitos humanos. Conforme alerta Viviani Calderoni, da Conectas Direitos Humanos, em entrevista ao Viomundo, as prisões de manifestantes em junho de 2013 provam que há uma cultura de criminalização de movimentos sociais e do direito ao protesto. Não se trata, portanto, de uma paranoia, mas de um aprendizado com a experiência dos protestos passados.

Um alerta dos especialistas da ONU

No dia 4 de novembro, Relatores Especiais da Organização das Nações Unidas (ONU) alertaram em um comunicado conjunto que o projeto está redigido em termos demasiado amplos e poderia restringir indevidamente as liberdades fundamentais. “Definições imprecisas ou demasiado amplas sobre terrorismo abrem a possibilidade do uso deliberadamente indevido do termo”, afirmaram os especialistas.

Os Relatores defendem que “legislações que visam combater o terrorismo devem ser suficientemente precisas para cumprir com o princípio de legalidade, a fim de evitar que possam ser usadas contra a sociedade civil, silenciar defensores de direitos humanos, blogueiros e jornalistas, e criminalizar atividades pacíficas na defesa dos direitos das minorias, religiosos, trabalhistas e políticos”. Para eles, o desenvolvimento de políticas e a elaboração de legislação devem ser precedidos de consultas públicas.

É importante dizer que nem mesmo a ONU conseguiu ainda definir o crime de terrorismo, tamanha a complexidade do tema.

Quem são os terroristas

Terroristas devem ser tipificados como aqueles que promovem verdadeiros atentados contra a democracia, ameaçando direitos que foram conquistados com muita luta e criminalizando os movimentos sociais. Ainda que não consigam retornar ao período tenebroso da ditadura militar, repetem as mesmas “estratégias” repressivas por meio de iniciativas legislativas e uso da força policial. Encontram aliados nos grandes veículos de comunicação, que reproduzem sensos comuns contra os direitos humanos, os quais ganham eco nas redes sociais em forma de discursos de ódio.

É necessário que o Congresso e o Governo brasileiro não permitam mais este retrocesso, não cedam a alegadas pressões  externas e/ou internas e retirem imediatamente o PL 101/2015 de pauta.

Leia abaixo o manifesto de repúdio à tipificação do terrorismo assinado por mais de 80 entidades:

Manifesto de repúdio à tipificação do terrorismo

Está na Ordem do Dia do Senado Federal o PLC n° 101/2015, de autoria do Poder Executivo, e que tipifica o crime de terrorismo.

A proposta já aprovada no Plenário da Câmara dos Deputados prevê reclusão de 12 a 30 anos para a prática, por um ou mais indivíduos, de atos por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou religião, com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

Ainda que faça a ressalva explícita de que não se enquadra na lei a conduta individual ou coletiva de movimentos sociais, sindicais, religiosos ou de classe profissional se eles tiverem como objetivo defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, a proposta representa um grande retrocesso para os direitos de participação política no Brasil, porque deixará nas mãos de delegados e promotores o filtro para dizer se tal conduta é ou não de movimento social.

Democracia se faz pelo voto e pela participação direta do povo. Essa participação se dá inclusive pela militância em movimentos sociais. Inúmeros militantes, entretanto, foram e estão sendo, através de suas lutas cotidianas, injustamente enquadrados em tipos penais como desobediência, quadrilha, esbulho, dano, desacato, dentre outros, em total desacordo com o princípio democrático proposto pela Constituição de 1988.

A proposta incrementa esse Estado Penal segregacionista, que funciona, na prática, como mecanismo de contenção das lutas sociais democráticas e eliminação seletiva de uma classe da população brasileira. O inimigo que se busca combater para determinados setores conservadores brasileiros, que permanecem influindo nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é interno, concentrando-se, sobretudo, nos movimentos populares que reivindicam mudanças profundas na sociedade brasileira.

Além disso, combater o terrorismo propriamente dito não é uma necessidade brasileira. Depredação, homicídio, uso de explosivos, etc., já são crimes no Brasil. A criação de uma figura específica atende, sim, a pressões externas, sobretudo dos Estados Unidos e de outros países da OCDE, que têm em consideração realidade muito diferentes da nossa, sem qualquer histórico de episódios que se assemelhem ao terrorismo.

A justificativa de que a tipificação ao terrorismo atenderia à recomendação do GAFI (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo) tampouco é válida. A Lei sobre organizações criminosas – e todos seus instrumentos tais como colaboração premiada e infiltração — já se aplica às organizações terroristas internacionais cujos atos de suporte, de preparação ou de execução ocorram ou possam ocorrer em território nacional.

É de se repudiar também emenda apresentada ao projeto que inclui “razões de ideologia e política” às motivações do terrorismo. É sabido que as lutas e manifestações de diversos movimentos sociais são causadas por motivos ideológicos e políticos, o que, certamente, é amplamente resguardado pela nossa Constituição. Assim, fica claro que este dispositivo, caso seja aprovado, será utilizado pelos setores conservadores contra manifestações legítimas dos diversos movimentos sociais, já que tais lutas são realmente capazes de trazer indignação para quem há muito sobrevive de privilégios sociais.

Cumpre ao Congresso Nacional defender a jovem democracia brasileira e rechaçar projetos de lei cujo conteúdo tangencia medidas de exceção abomináveis como o nada saudoso ‘AI-5′. Desta maneira, repudiamos veementemente estas propostas de tipificação do crime que, sobretudo, tendem muito mais a reprimir e controlar manifestações de grupos organizados, diante de um cenário já absolutamente desfavorável às lutas sociais.

A Presidenta Dilma Rousseff, que já foi acusada da prática de terrorismo pela Ditadura Militar não deveria ter enviado este projeto ao Congresso e, caso aprovado no Senado, deverá ter a dignidade de vetá-lo. É o mínimo que se espera.

Abaixo assinamos:

— ENTIDADES —
Ação Educativa – Assessoria, Pesquisa e Informação
Actionaid Brasil
Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre – ANEL
Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo – ABEA
Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR
Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo – AEPPSP
Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB
Associação ECCOS – CAMPINAS
Associação Juízes Para a Democracia – AJD Associação Missão Tremembé – AMI
Associação Nacional de Pós Graduandos
Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP
Campanha pelo Plebiscito Constituinte
Central de Movimentos Populares – CMP
Centro de Assessoria à Autogestão Popular – CAAP
Centro de Assessoria Popular Mariana Criola
Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza – Fortaleza, CE
Centro de Direitos Econômicos e Sociais – CDES Direitos Humanos
Centro de Direitos Humanos de Cascavel – PR
Centro Dom Gaspar de Direitos Humanos
Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – CENDHEC
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria
Coletivo de Artistas Socialistas – CAS
Coletivo Desentorpecendo a Razão – DAR Comboio
Coletivo Juventude Socialismo e Lierdade – JSOL Campinas
Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa – ABI
Comissão de Direitos Humanos do Sindicato dos Advogados de São Paulo
Comitê Pela Desmilitarização
Comitê Popular da Copa de SP
Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro
Comunidades Eclesiais de Base – CEBS Sorocaba
CONAM
Conectas
Confederação Nacional de Associações de Moradores – CONAM
CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
Conselho Federal de Serviço Social – CFESS
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Conselho Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de Campinas
Conselho Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de Campinas
Consulta Popular
Coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana
CSP – Conlutas
CUT- Central Única dos Trabalhadores
Dignitatis Assessoria Técnica Popular
Escola de Governo
Espaço Kaleidoscópio – Criciúma-SC
Esquerda Marxista
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE
Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenharia – FISENGE
Federação Nacional das Associações de Empregados da Caixa Econômica – FENAE
Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas – FNA
Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – FENEA
Fora do Eixo
Fórum da Amazônia Oriental/ GT Urbano – FAOR
Fórum Nordeste de Reforma Urbana – FneRU
Fórum Sul de Reforma Urbana
Fórum Urbano da Amazônia Ocidental – FAOC
Frente de Resistência Urbana
Greenpeace
Grito dos Excluídos Contiental
Grupo Lambda LGBT Brasil Grupo Tortura Nunca Mais – RJ
Grupo Tortura Nunca Mais – SP Habitat para a Humanidade
IBASE
Identidade – Grupo de Luta pela Diversidade Sexual Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM
Intersindical
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Jornal Página 13
Juventude Revolução
Juventude Revolução
Levante Popular da Juventude
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens
Midia NINJA
Movimento de Moradia da Cidade de São Paulo / MMC
Movimento dos Pequenos Agricultores / MPA
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra- MST
Movimento dos Trabalhadores/as Assentados/as, Acampados/as e Quilombola CETA/BA
MTST- Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
NAÇÃO HIP HOP BRASIL
Nação Hip Hop Brasil
Pastoral Anglicana da Terra – Cascavel – PR
Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil
Rede nacional de advogados populares, RENAP
Tendência Revolucionária, Psol
Terra de Direitos
União Brasileira de Mulheres
União de Negros Pela Igualdade – UNEGRO
União Nacional dos Estudantes- UNE
União Nacional por Moradia Popular

— PERSONALIDADES —

Adriano Espíndola Cavalheiro – Presidente da Comissão de Movimentos Sociais da 14ª Subsecção da OAB/MG
Adriano Ferreira – Movimento dos trabalhadores e trabalhadoras do campo MTC- Brasil
Aleida Guevara March – Medica cubana.
Alexandre Conceição, MST
Anarquistas Contra o Racismo – ACR
André Alcântara – Centro de Direitos Humanos de Sapopemba
Anivaldo Padilha, militante dos direitos humanos, São Paulo.
Ariovaldo Ramos, Pastor Evangélico
Bento Rubião – Centro de Defesa dos Direitos Humanos Cearah Periferia
Bruno Elias, secretário nacional de movimentos populares do PT
Carlos A. C. Baccaglini – diretor de Comunicação do Sinpro Campinas e Região
Cesar Sanson – Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Claudia Korol, educadora feminista, Argentina
Cloves Barbosa – Professor da UNIFESSPA
Dainis KAREPOVS, historiador
Dr. Clifford Andrew Welch – Professor da História Contemporânea do Brasil, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo / Brazil
Erina Batista Gomes – Advogada Popular
Fabiano Morales – Canoas RS
Fabio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP.
Fernanda Maria da Costa Vieira – professora adjunta UFJF
Fernando Vieira. Oposição Sinpro-Rio
Gérson Wasen Fraga – UFFS – Campus Erechim
Günter Adolf Wolff – Pastor
Heloísa Fernandes Silveira – Sociologa
Henrique Parra – Departamento de Ciências Sociais/Unifesp
Iris Kantor – Universidade de São Paulo-Brasil
Issa Fernando Sarraf Mercadante – Medico
Ivan Valente – Deputado Federal PSOL/SP
Jacqueline Ramos Silva Carrijo, auditora fiscal do trabalho
Jean Tible, professor, USP
Jorge Luiz Souto Maior, professor da Faculdade de Direito da USP
José Antonio dos Santos da Silva – Coordenador do Fórum Permanente de Educação e Diversidade Etnicorracial do RS.
José arbex jr – professor de jornalismo – pucsp
Kátia MARRO, docente da UFF
Kenarik Boujikian, co-fundadora da Associação Juizes para a Democracia, juiza TJSP
Laura Tavares – FLACSO Brasil
Leda Maria Paulani – Professora titular FEA-USP
Lisete Regina Gomes Arelaro – Professora da Faculdade de Educação /USP – Presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (FINEDUCA).
Lúcio Gregori – engenheiro, ex-secretário municipal de transportes de São Paulo
Luís Carlos Dalla Rosa – Professor – Porto Alegre/RS
Luiz Henrique Ribeiro – Advogado, Procurador-Geral do Município de Coronel Fabriciano – MG
Maíra Streit – Repórter
Manhana de Castro – SIT – Superintendência de Infraestrutura e Transporte do Estado da Bahia
Maria Beatriz Costa Carvalho Vannuchi – psicanalista
Maria Laura de Abreu d’Avila
Maria Marta Azzolini
Maria Victoria de Mesquita Benevides, socióloga, professora titular da USP
Mariana Cavalcante Moura – Advogada Popular
Marluce Melo – Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2 – CPT NE 2
Miguel do Rosario – Editor do blog o cafezinho
Nelia Reis – UFAL
Otilia Beztriz Fiori Arantes – Professora USP
Páulia Maria Cardoso Lima Reis
Paulo Bufalo – Presidente Estadual PSOL São Paulo e Vereador – Campinas SP
Paulo Eduardo Arantes – Professor USP
Prof. Dr. Marcos Barbosa de Oliveira – Universidade de São Paulo
Prof. Horacio Martins – Curitiba
Rafael Litvin Villas Bôas, Professor da Universidade de Brasília
Ramatis Jacino, historiador – São Paulo – SP
Renato da Silva Queiroz, FFLCH-USP

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