Depois da enxurrada de chorume que tomou conta das redes sociais, incitando violência sexual contra uma participante de 12 anos do programa “Masterchef Júnior”, da TV Bandeirantes, reações mostraram que o chorume é regra, não exceção.
A que teve mais impacto foi promovida pelo Olga – um think tank com o objetivo de empoderar mulheres por meio da informação, coordenada pela jornalista Juliana de Faria. Dezenas de milhares de mulheres foram provocadas para contar a história do #primeiroassedio que sofreram, compartilhando-as através dessa hashtag nas redes sociais.
E o resultado comprova não apenas que a violência a que menina foi vítima está presente em todo o país e continua sendo vista como “brincadeira”, “piada” ou, pior, “elogio” ou “carinho”. Mas também que é maior o número de mulheres que não mais ficam caladas diante disso.
Se o debate público fosse mais qualificado, um homem pensaria duas vezes antes de fazer comentários machistas e preconceituosos com medo de ser humilhado por outras pessoas no Facebook, no Twitter ou no WhatsApp. Ou de publicar, curtir e compartilhar vários tipos de violência sexual.
A sensação de anonimato e o sentimento de impunidade diante da tela do computador ou do smatphone contribuem para o cenário, mas há algo mais embaixo.
O discurso violento e opressor – mais palatável e que mexe com nossos sentimentos mais primitivos e simples – ecoa e repercute. Esse discurso basta em si mesmo. Não precisa de nada mais do que si próprio para ser ouvido, entendido e absorvido. Faz sucesso na rede. Cola rápido, cola fácil, tornando-se vetor para alcançar fama em um ambiente onde grassa a ignorância sobre o tema.
Prova disso é que houve figuras públicas que fizeram gracejo da iniciativa do Olga, difundindo postagens que apenas reforçaram a violência contra mulheres e provaram sua misoginia. Pois é fácil rir dos mais fracos e vulneráveis. Difícil é ver as mesmas pessoas fazendo gracejo contra ricos e poderosos que pagam seu salário.
“Qualificação” não significa elitização, muito pelo contrário. Não é algo chato, hipercodificado, barroco ou acadêmico e sim que ajude o cidadão a perceber a complexidade do mundo em que vive e o ajude a construir o seu sentido das coisas.
Essa qualificação, é claro, vem de um processo que envolve escolas, famílias, sociedade civil e mídia. E pode ser lento porque passa pela formação de visão de mundo. Mas deve ser promovido sob o risco de estarmos gestando, com a ajuda da internet, mais uma geração de monstrinhos.
O Observatório Proxi (Projeto Online contra a Xenofobia e a Intolerância), impulsionado pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha e pela organização espanhola United Explanations, realizou uma pesquisa sobre o ódio na rede, buscando formas de reduzir a aceitação do discurso intolerante. Já trouxe os seus resultados aqui.
Na avaliação dos pesquisadores, fomentar diálogos construtivos em debates violentos e estimular a participação de leitores tolerantes funciona.
Ou seja, é no momento em que pessoas conscientes se calam, cansadas da intolerância, da violência e da opressão, que a intolerância, a violência e a opressão encontram terreno sem resistência para avançar.