Especial: estudos de impacto da usina São Luiz do Tapajós apontam omissão de problemas

Nove cientistas analisaram os estudos e demonstram a omissão de impactos importantes. Para Deborah Duprat, do MPF, o licenciamento ambiental não pode mais ser uma farsa

MPF/PA

Na região a ser impactada por São Luiz do Tapajós, no médio curso do rio Tapajós, foram identificadas 352 espécies de peixes, mais do que existe no Pantanal matogrossense, famoso pela riqueza da ictiofauna, e mais do que já foi identificado na Europa inteira. Mesmo assim, na lista de impactos da usina, apresentada ao Ibama no Estudo de Impacto Ambiental Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (Eia-Rima), não consta nenhum impacto sobre os peixes, que são alimento para milhares de índios e ribeirinhos que vivem nas margens do rio.

A omissão de maior parte dos impactos significativos nos Estudos é uma das principais críticas feitas por um grupo de nove cientistas brasileiros que, a pedido da organização não-governamental Greenpeace, analisaram o Eia-Rima. A análise foi entregue ao Ministério Público Federal em evento na Universidade de Brasília, no último dia 29 de setembro. Ao lado dos cientistas, sábios Munduruku representando o conhecimento tradicional do povo que há mais tempo vive no Tapajós.

“Não há lista de espécies impactadas. Os habitats mais impactados pela barragem, que vão ser alagados, são os que têm amostragens menos significativas. É um estudo ambiental, não de impacto ambiental”, resumiu Luciano Naka, da Universidade Federal de Pernambuco, que coordenou a análise. Ele explicou que o EIA apresentado minimiza e omite impactos negativos, como os efeitos no trecho do rio abaixo da barragem e os planos de implantação de mais quatro hidrelétricas na mesma bacia hidrográfica. O RIMA foi apontado pelos pesquisadores como mera peça de marketing, falhando em informar a sociedade sobre as consequências reais do empreendimento.

O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Phillip Fearnside, um dos ganhadores do Prêmio Nobel da Paz em 2007, apontou que o estudo não menciona nenhum local sagrado para os Munduruku. Além disso, os responsáveis pelo EIA afirmam que os ribeirinhos que moram no Tapajós lá chamados de beiradeiros não são população tradicional, numa tentativa clara de sonegar direitos que são protegidos pela Constituição. “Assim como não cabe ao estado brasileiro, não cabe aos empreendedores definirem quem é ou não população tradicional”, disse a subprocuradora-geral da República Deborah Duprat, responsável pela 6ª Câmara de Revisão e Coordenação do MPF, que trata dos povos indígenas e tradicionais.

“Os estudos são uma farsa. Estamos brincando de que existe um licenciamento sério. Na lógica em que estamos fazendo o licenciamento, o empreendimento vai acontecer não importa quais sejam as objeções”, criticou Duprat. Ela e o procurador da República Camões Boaventura, que atua em Santarém, receberam cópias da análise para instruir as investigações que o MPF conduz sobre a usina São Luiz do Tapajós. “A Constituição federal está sendo jogada no lixo. Já há impactos gravíssimos ocorrendo na região. O simples anúncio da usina provocou uma corrida por desmatamento ilegal, invasão de terras públicas, mineração ilegal”, disse Camões.

“Em vez de cumprir com o seu papel, que é de prever os reais impactos da construção de empreendimentos do porte dessa hidrelétrica e, assim, informar o processo de decisão, esses documentos tornaram-se mera formalidade para legitimar decisões políticas já tomadas”, afirma Danicley de Aguiar, da Campanha da Amazônia do Greenpeace. “Se fosse feito corretamente, o EIA-RIMA mostraria que as consequências da obra são inaceitáveis e a usina, portanto, inviável”, conclui.

Os dois sábios Munduruku presentes pediram que a ciência brasileira reconheça a importância dos conhecimentos indígenas e ribeirinhos sobre os ecossistemas do Tapajós, entre os mais ricos e preservados da Amazônia. “Vocês que estão aqui precisam respeitar o nosso conhecimento e aprender com a gente”, exortou o cacique Juarez Saw Munduruku. “Toda essa natureza partiu de nós, nós ajudamos a construir. Existe a natureza por causa do povo indígena. A gente preserva para manter o equilíbrio da vida. A gente sabe a catástrofe que vai ser se não tiver mais floresta. Na cidade vocês já estão sentindo isso, sente falta de água, falta de brisa fresca”, disse Jairo Saw Munduruku.

Jairo comparou os locais sagrados que já estão sendo destruídos pelas usinas hidrelétricas no rio Teles Pires, importante formador do Tapajós, no Mato Grosso, a pontos sensíveis do corpo de uma pessoa, que não podem ser agredidos. “Se existem leis para proteger a vida, porque vocês não dizem que é inviável destruir essa vida?”, perguntou.

O MPF já tem 19 ações judiciais apontando irregularidades e violação de direitos nas usinas hidrelétricas na bacia do Tapajós. A análise dos cientistas e as informações dos índios Munduruku e ribeirinhos serão utilizadas pela instituição para continuar as investigações sobre as barragens. No total, o governo projetou 48 barragens para a bacia, formada além do Tapajós pelos rios Juruena, Jamanxim e Teles Pires.

Confira a análise que foi entregue ao MPF: acesse aqui o relatório científico e aqui o relatório ilustrado.

Imagem: A impressionante força e coragem dos Munduruku nos olhos das crianças e dos velhos. Foto: Rachel Gepp (Nov/2014).

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