Sociedade civil entrega à ONU relatório sobre violações dos direitos das crianças brasileiras

Ana Clara Jovino – Adital

A situação das crianças brasileiras foi avaliada pelo Comitê dos Direitos das Crianças das Nações Unidas. Organizações da sociedade civil apresentaram, recentemente, um relatório com fatos ocorridos em 2015, que podem violar gravemente os direitos das crianças. O Comitê está avaliando a situação das crianças de vários países, em sessão que segue até o próximo dia 02 de outubro, em Genebra, na Suíça.

O Comitê é composto por 18 peritos independentes, que monitoram como os países que ratificaram a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança estão cumprindo suas obrigações. O governo brasileiro é representado pelo ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos, Pepe Vargas. O relatório apresentado foi elaborado pela Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente), Ação Educativa e pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e Conectas Direitos Humanos.

O documento dá continuidade ao trabalho de incidência política da sociedade civil brasileira junto ao Comitê da ONU. Em fevereiro deste ano, foi apresentado ao Comitê, em Genebra, o II Relatório Alternativo sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, organizado pela Anced, com a contribuição de várias organizações da sociedade civil. “Nós elaboramos o relatório porque tínhamos pontos de extrema importância para atualizá-los e que ocorreram após fevereiro”, explica em entrevista à Adital Maria Rehder, coordenadora de projetos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Alguns fatos ocorridos neste ano, que ameaçam a garantia dos direitos das crianças estão presentes no relatório, como a aprovação da Emenda Constitucional 171/1993, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos. Além dos cortes sociais, os riscos ao Plano Nacional de Educação (PNE) e à implementação do Custo Aluno-Qualidade Inicial.

O Plano Nacional de Educação 2014-2024 tramitou durante quase quatro anos no Congresso Nacional e em junho do ano passado, foi sancionado sem vetos pela presidente Dilma Rousseff. O PNE determina que até 2016, todas as crianças de 4 a 17 anos tenham direito à educação, garantindo 14 anos de escolarização obrigatória como direito constitucional subjetivo. Porém, a área da educação no Brasil sofreu freqüentes cortes de recursos, sendo uma das áreas mais prejudicadas com o ajuste fiscal.

Por conta disso, o cumprimento da lei do PNE que determina que seja implementado, até 2016, o mecanismo de Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), corre riscos. O CAQi foi criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e demanda R$ 37 milhões de recursos adicionais ao financiamento anual da educação.

Também é denunciada no informe a militarização das escolas públicas e os retrocessos na promoção da igualdade de gênero nos Planos Municipais de Educação. A militarização crescente de escolas públicas comuns em vários estados do Brasil vem se disseminando neste ano. A gestão de escolas de ensino secundário estão se transformando em escolas com administração das polícias militares. Os diretores das escolas passam a ser oficiais e policiais armados passam a atuar dentro das escolas, com o objetivo de garantir ordem e disciplina. Os estudantes são obrigados a cortar o cabelo e a se portarem como recrutas militares.

Além disso, existem também violações a direitos em relação à cobrança de uniformes, que custam cerca de R$ 500,00 a R$700,00.

Ameaças ao Estado laico tem crescido nos últimos anos no Brasil. Deputados de pelo menos oito Estados e vereadores de vários municípios, pressionados pela chamada bancada religiosa, com apoio das igrejas evangélicas e católica, retiraram dos Planos Estaduais e Municipais de Educação, estratégias e metas com o objetivo de superar as desigualdades de gênero, de orientação sexual e de raça no ambiente escolar.

Segundo Maria Rehder, o Comitê reconheceu a relevância da demanda das organizações brasileiras e as recebeu em reunião fechada de 45 minutos, na sede do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, em Genebra, na manhã que antecedeu a apresentação da delegação do governo. “A grande conquista foi termos a nossa solicitação acatada pelo Comitê”, afirma Maria.

“O diálogo com os membros do Comitê foi muito rico, pois pudemos compartilhar alguns fatos que ocorreram no primeiro semestre em nosso país, como os retrocessos da retirada da igualdade de gênero de muitos planos municipais de educação. Eles se mostraram muito sensíveis a esta questão”, conta Gilvânia da Conceição Nascimento, integrante do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e presidente da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação.

O relatório serve ainda para que os especialistas possam questionar, com precisão, as questões que podem impactar mais gravemente a garantia dos direitos das crianças brasileiras. Todos os pontos apresentados pelas organizações foram considerados nos questionamentos.

O relatório foi enviado ao governo Brasileiro e, ao término da 70º sessão do Comitê, a delegação oficial do governo recebeu as organizações da sociedade civil, para discutirem os pontos apresentados e decidirem o que pode ser feito.

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