Você tem medo de morrer quando vai ao bar? E chance de morrer?, por Leonardo Sakamoto

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Muitas das manifestações culturais e da vida noturna que pipocam longe do centro expandido da cidade não deixam nada a desejar às dos bairros ricos de São Paulo. A não ser pelo fato de que, na prática, um garoto ou uma moça podem ficar até altas horas no Itaim Bibi ou na Vila Madalena bebendo de forma segura. Enquanto que, na periferia, o risco de morrerem baleados ou em uma chacina.

Quem tenta sorrateiramente afirmar que os mais ricos também estão à mercê do mesmo tipo de violência que jovens negros e pobres da periferia é inocente ou desonesto.

É importante garantir que os moradores das periferias tenham livre trânsito a toda cidade e aos seus equipamentos culturais. Pois as trocas possíveis de serem realizadas entre diferentes jeitos de viver e modos de pensar são fundamentais para que possamos ter uma sociedade menos preconceituosa e mais solidária.

(Claro que isso fica difícil por conta de um metrô que fecha, ao contrário do que acontece em outras grandes cidades do mundo, ou um ônibus que, apesar das novas linhas da madrugada, ainda está longe do ideal.)

Contudo, mais importante do que isso, é garantir que os jovens tenham, antes de mais nada, acesso às suas próprias comunidades, divertindo-se nelas, produzindo sua música, sua poesia, curtindo bares, sem o risco de serem chacinados ou levarem uma “bala perdida” na nuca.

Ao invés disso, decretamos uma espécie de toque de recolher aliado a um estado de sítio, em que jovens pobres são obrigados a ficar dentro de suas casas, sob o risco de serem mortos pela polícia, por milícias de policiais, por traficantes ou pela disputa de todos contra todos.

Tem gente que não quer ver isso. Parte dos habitantes de São Paulo, principalmente entre os que usufruem de cidadania plena, só aceita as árvores que ela cultiva e não aquelas que, indo contra a lógica, crescem nas frestras do asfalto, ficam bonitas, dando sombra e frutos.

Cresci, com orgulho, no Campo Limpo, que era mais pobre do que hoje. E menos violento. Lembro que era difícil sair do bairro e ir para a “cidade”, como minha mãe falava, porque o transporte era medonho. Mas a impressão que tenho é que o povo estava mais nas ruas, cantando, bebendo, rindo. Não é saudosismo de passado, mas a avaliação de alguém que viu as transformações de seu bairro.

A periferia vai seguir vivendo seus lutos, à despeito do resto da cidade – que lembra que ela existe quando a mão de obra falta ou quando alguém de lá incomoda o andar natural das coisas de cá.

Mas está acordando. E, quando isso acontecer, espero que a cidade inteira escute.

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