Rita Potyguara defende educação étnico-racial no Brasil

Em entrevista a Seppir, gestora do Ministério da Educação fala sobre a importância da educação no enfrentamento ao racismo

SEPPIR

Primeira mulher indígena a assumir um cargo de direção no Governo Federal, a potiguara Rita Gomes do Nascimento está à frente da Diretoria de Políticas de Educação do Campo, Indígena e para as Relações Étnico-Raciais, do Ministério da Educação (MEC). 

Atualmente, a gestora também é integrante da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena, além de membro do Colegiado de Culturas Indígenas do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), do Ministério da Cultura (MinC).

Graduada em Pedagogia e Especialista em Gestão Escolar pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), Rita Nascimento é mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com pesquisas de dissertação e tese sobre educação escolar indígena.

Rita já foi professora da rede pública estadual do Ceará e coordenadora geral da Educação Escolar Indígena na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi/MEC).

Em 2011, a diretora recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos, na categoria Educação em Direitos Humanos. A premiação é oferecida pelo Governo Brasileiro a pessoas e entidades que se destacaram na defesa, na promoção e no enfrentamento às violações dos Direitos Humanos no país.

Em entrevista ao site da SEPPIR, Rita Gomes do Nascimento fala sobre a importância da ampliação da presença de indígenas nos espaços de gestão das políticas públicas, sobre as políticas atuais voltadas para a educação escolar indígena e para a educação das relações étnico-raciais no Brasil e sobre acordo de cooperação técnica entre o Brasil e Moçambique para colaborar com a formação de professores do ensino primário naquele país.

Para você, o que significa ser a primeira mulher indígena a assumir um cargo de direção no Governo Federal?

Em primeiro lugar, assumir este cargo representa uma conquista muito significativa para o movimento indígena que tem buscado ampliar a presença de indígenas nos espaços de gestão das políticas públicas nos diferentes níveis de governo. Em segundo lugar, o fato de uma mulher ocupar espaços decisórios, como o é esta diretoria, democratiza as formas de poder, traz a cena pública o papel das mulheres, geralmente, inviabilizado no campo da gestão, e fortalece a luta por igualdade de gênero.

De modo geral, o governo federal, nos últimos dez anos, com a criação de importantes espaços como a SEPPIR, SPM e SECADI no MEC, em resposta as demandas dos movimentos sociais, dá mostras de que é preciso atender as reivindicações por participação política de coletivos sociais historicamente marginalizados e distanciados das instâncias de poder. A Diretoria de políticas de educação do campo, indígena e para as relações étnico-raciais, nesta direção, possui uma importância histórica no campo das políticas públicas ao tratar das demandas de atores sociais que durante muito tempo foram excluídos das ações do Estado. É com a criação da então Secad, hoje Secadi, em 2004, que estes atores começam a ser vistos no âmbito da educação a partir de suas especificidades regionais, territoriais, étnicas, raciais, linguísticas e culturais. O reconhecimento destas especificidades é uma conquista destes coletivos sociais e um passo decisivo para a construção de uma sociedade democrática, plural e com justiça social.

Quais são as políticas atuais voltadas para a educação escolar indígena e para a educação das relações étnico-raciais no Brasil? O que ainda precisa ser feito?

O Ministério da Educação desenvolve um conjunto de ações fundamentadas no reconhecimento, valorização e afirmação política e cultural dos povos indígenas, quilombolas e população negras em geral, com vistas a assegurar o seu direito constitucional à educação.

No que se refere a ações voltadas para a Educação Escolar Indígena e para a Educação Escolar Quilombola que possuem diretrizes curriculares específicas e se constituem em modalidades da Educação Básica, o MEC disponibiliza apoio técnico e financeiro às Secretarias de Educação dos estados e municípios que são os responsáveis pela execução da política educacional. São apoiadas ações de construção e reforma de escolas, formação de professores, produção e distribuição de materiais didáticos e pedagógicos, investimento na melhoria das condições de infraestrutura das escolas, tais como água e esgotamento sanitário, compra de equipamentos tecnológicos, de mobiliários, dentre outras.

Para o atendimento dos Povos Indígenas e Quilombolas na Educação Superior, o MEC criou o Programa Bolsa Permanência que estabelece valores diferenciados para estudantes indígenas e quilombolas, reconhecendo suas especificidades socioculturais e vulnerabilidades socioeconômicas, somando-se, assim, a outras ações que visam implementar a Lei de Cotas.

Especificamente para a educação das relações étnico-raciais, em cumprimento às diretrizes curriculares nacionais sobre o assunto que regulamentam a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, o MEC tem como principais ações os cursos de formação continuada para os profissionais da educação, nos níveis de aperfeiçoamento e especialização, ofertados por instituições de educação superior, bem como a distribuição de materiais didáticos e pedagógicos, além de obras de referência sobre a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. O público beneficiado com estes materiais são diversos, como gestores dos sistemas de ensino, professores da Educação Básica e Superior, escolas públicas, entidades da sociedade civil, órgãos de governo, núcleos de estudos e pesquisas das Instituições de Educação Superior.

Apesar destes avanços, sabemos que há muito ainda por ser feito. A realidade das escolas indígenas e quilombolas no Brasil ainda demonstra as dificuldades das políticas públicas chegarem até estes públicos. Por exemplo, as matrículas da educação escolar indígena e da educação escolar quilombola ainda estão concentradas nos anos iniciais do ensino fundamental. Precisamos urgentemente atender as demandas de toda a educação básica para estes povos e suas comunidades. Muitas vezes, são disponibilizados materiais didáticos e obras de referência para todas escolas públicas do País, mas estes materiais nem sempre chegam nas escolas indígenas e quilombolas. Outra grande dificuldade, é da falta de adequação da alimentação escolar aos hábitos alimentares dos estudantes destas escolas. A contratação de professores indígenas e quilombolas, por meio de concurso público e específico, para atuarem nas escolas de suas comunidades é também um desafio a ser enfrentado pelos sistemas de ensino estaduais e municipais.

No que se refere à educação para as relações étnico-raciais o maior desafio é implementar, de modo efetivo, as políticas educacionais para o enfrentamento do racismo e da promoção da igualdade racial na educação, por meio da equiparação da escolaridade entre negros e brancos.

Com relação a missão em Moçambique, que ocorrerá na próxima semana, qual será a contribuição do Brasil no acordo entre a Seppir e os Ministérios da Educação dos dois países?

O papel do Brasil é colaborar com o processo de formação dos professores do ensino primário, trocando experiências entre os profissionais da educação destes dois países. Esta iniciativa é parte do processo de elaboração de um acordo de cooperação técnica entre o Brasil e Moçambique com a mediação e coordenação da Seppir.

Qual a sua expectativa para a educação das relações étnico-raciais no Brasil nos próximos anos?

Priorizar, na minha atuação à frente da diretoria, a ampliação do diálogo com os movimentos sociais, por meio de espaços de interlocução com o MEC e, sobretudo, buscando fortalecer a CADARA (Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-brasileiros) enquanto órgão consultivo e propositivo da Secadi. Conjugado a esse esforço também considero imprescindível a potencialização de iniciativas já existentes, bem como a criação de novas voltadas para a implementação efetiva das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na educação básica e na educação superior.

Crédito da foto: Ascom/MEC

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