Morreram mais três operários? Sem problema. É só repor, por Leonardo Sakamoto

No Blog do Sakamoto

Três trabalhadores morreram, neste sábado (30), nas obras da usina hidrelétrica de Belo Monte. Um silo para armazenamento de cimento com capacidade para 1200 toneladas caiu sobre Denivaldo Soares Aguiar, José da Conceição Ferreira da Silva e Pedro Henrique dos Santos Silva. Um inquérito foi instaurado para identificar as causas do acidente.

O Consórcio Construtor Belo Monte afirmou que se “solidariza com a dor dos familiares e está prestando todo o apoio às famílias”. Aliás, deve haver um Modelo de Aviso de Óbito à Imprensa usado por toda a empresa de construção civil quando questionada sobre trabalhadores mortos sob sua responsabilidade.

É incrível como as notas públicas são iguais.

Ou são as empresas que são sempre as mesmas?

Bem, daí você lê a informação, pensa “puxa, que coisa” e segue.

Operários morrem em “acidentes” em obras de Norte a Sul do país. Mas é mais fácil se indignar com denúncias de (desavergonhada) corrupção envolvendo empresas de construção civil do que com as mortes de seus operários. Elas são vistas como efeitos colaterais. Afinal de contas, é um pequeno custo a pagar diante do progresso.

Pois a ponte precisa ficar pronta. O estádio precisa ficar pronto. A fábrica precisa ficar pronta. A hidrelétrica precisa ficar pronta. Meu apartamento novo precisa ficar pronto.

Aprendemos a fazer contagem de corpos de operários mortos no setor por conta da Copa do Mundo. Mas elas ocorriam antes e seguirão acontecendo depois.

Conversei com um auditor fiscal do trabalho tempos atrás que chorou na minha frente ao explicar que é péssimo ir a uma obra, interditá-la porque pessoas morreriam devido à pressa, à falta de segurança ou à terceirização tresloucada que tornam o trabalhador responsabilidade de ninguém e a obra conseguir uma autorização para continuar operando para, dias ou semanas depois, um corpo cair de algum andaime ou ser perfurado por alguma ferramenta.

Programa de Aceleração do Crescimento, “Minha Casa, Minha Vida”, Olimpíadas. Governo federal injetando bilhões para financiamento. É claro que tudo isso significa mais geração de empregos em um setor que já contrata milhões. Mas produzir em quantidade e rapidamente tem, por vezes, significado passar por cima da dignidade do trabalhador.

O Palácio do Planalto reclamou, em 2010, do excesso de fiscalização, que trava as obras e faz com que o Brasil cresça mais devagar, momento em que foi aplaudido por parte do empresariado.

Esquece-se (ou ignora-se) que o ritmo de crescimento não deve ultrapassar a capacidade do país de garantir segurança para quem faz o bolo crescer. Ou ir além da capacidade física e psicológica desse pessoal.

Quando o quiprocó se instalou no canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, causado pela revolta de trabalhadores que protestavam contra as péssimas condições de serviço em março de 2011, o governo, que temeu por (mais) atrasos nos cronogramas das obras ficou em polvorosa.

Na época, a solução apontada pelo Planalto veio na forma de um pacto com empresas e sindicatos para evitar novos conflitos. Disse o então ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho: “a ideia do pacto é exatamente prevenir para que não haja, em relação às obras da Copa, eventuais atrasos”. O governo quis, dessa forma, copiar o “Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar” – acordo vendido como um instrumento eficiente, mas que também não mostrou ao que veio. Na verdade, nenhum dos dois.

Muita coisa mudou desde que os militares deixaram o poder, naquela abertura “lenta, gradual e segura”, mas mantivemos modelos de desenvolvimento que dariam orgulho aos maiores planejadores daquele período: de que, para crescer rapidamente e atingir nosso ideal de nação, vale qualquer coisa. Passando por cima de qualquer um. Só não vale criar problemas para setores que doam em campanhas.

Depois aparecem insanos segurando faixa e pedindo a volta da ditadura. Pra que, meu filho? O modelo de desenvolvimento é o mesmo.

E, afinal de contas, convenhamos: morreu um pedreiro? Tudo bem. Tem sobrando para repor. E se acabarem os brasileiros, há um monte de haitiano chegando aí.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.